resenhas por Marcelo Costa
“Sepultura Endurance”, de Otavio Juliano (2017)
Quando o diretor Otavio Juliano começou a mexer em 2011 com o projeto que viria a render este documentário, ele já sabia que estava cutucando um vespeiro, mas havia a esperança de que o núcleo central da formação clássica da banda, os irmãos Max e Iggor Cavalera, participassem contando as suas versões dos fatos, o que não aconteceu. Desta forma, “Sepultura Endurance” soa a metade de um docudrama sobre uma banda brasileira que esteve a um passo de se tornar uma das mais importantes do mundo (nível Slayer e Metallica) e tropeçou na própria ingerência, que fez com que Max deixasse a banda em 1996 (logo após os dois melhores álbuns da banda, quiça do metal mundial: “Chaos A.D.”, de 1993, e “Roots”, de 1996) e partisse para novos projetos, que nunca iriam alcançar o status do Sepultura na época, sendo que o mesmo destino seria enfrentado pela banda, que com vocalista novo, o excelente Derrick Green, e uma sucessão de bateristas (Iggor ficou no banquinho mais 10 anos, e só saiu em 2006 sendo substituído primeiro por Jean Dolabella, depois por Eloy Casagrande, atual mão pesada do grupo), segue na estrada lançando novos discos (já são 8 sem Max) e enfrentando a própria sorte. Da formação original de 1984 se mantém o baixista Paulo Jr. que segue escudado por Andreas Kisser, que entrou em 1987, mudou o rumo do grupo e, por perseverança, é o grande nome de “Sepultura Endurance”, documentário que pela lista de entrevistados babando o ovo do Sepultura (Lars Ulrich, do Metallica; Corey Taylor, do Slipknot; Phil Anselmo, do Pantera/Down; David Ellefson, do Megadeth; Phil Campbell, do Motorhead; Scott Ian, do Anthrax, entre outros) demonstra a imensa importância de uma banda que hoje soa ofuscada pela luz da própria história.
Nota: 7
“Time Will Burn”, de Otávio Sousa e Marko Panayotis (2016)
Ex-diretor do Jornal da MTV e Yo! MTV, Marko Panayotis se juntou a Otavio Sousa – que assina os docs “Supercarioca – 25 anos” (Picassos Falsos) e “Agridoce – 20 Passos” – na tarefa de mapear a cena de guitar bands que fez barulho no underground nacional dos anos 90, com intensa cobertura da mídia, sem, no entanto, se tornarem sucesso de massa. Marko e Otavio soam didáticos na construção do período dividindo o roteiro em temas que vão desde a famigerada discussão sobre “cantar em inglês”, passa pelas casas de shows que abrigaram a cena e alcança o ápice no festival Juntatribo, cuja primeira edição em 1993 soa tanto como uma comunhão daquelas bandas como também a pá de cal sobre a cena, com os Raimundos, que tocaram no festival, sendo apontados como culpados pela revalorização do rock cantado em português. Centrado em quatro bandas (Pin Ups, Mickey Junkeis, Second Come e Killing Chainsaw), o documentário recupera dezenas de imagens e vídeos raros de época, e tem nos recortes de histórias contadas pelos ex-MTV Gastão Moreira e Fábio Massari um dos seus pontos altos. Os diretores só pecam na captação de voz da entrevista com o Pin Ups (a principal banda do filme), que por vezes soa ininteligível; e na participação deslocada de Edu K, que apesar de estar à frente de uma das bandas revolucionárias do país, o genial DeFalla, acaba ocupando na tela um espaço que poderia ser dedicado tanto a nomes da cena que são citados rapidamente (como Wry) ou mesmo a um apêndice sobre a segunda leva da cena guitar nacional, com Pelvs e Cigarretes, que nem é citada. Ainda assim, “Time Will Burn” cumpre com louvor a tarefa de lançar luz sobre o período e se torna um importante documento de época.
Nota: 8
“Guerrilha: A Trajetória da Dorsal Atlântica”, de Frederico Neto e Alexander Aguiar (2015)
A história do thrash metal brasileiro guarda semelhanças com a do punk rock mundial: se o Ramones fez tudo antes e quem levou a fama foram os Sex Pistols, por aqui a Dorsal começou antes (1981) do Sepultura (1984), mas o combo mineiro é a constante referência do estilo (dentro e fora do Brasil). Colabora o fato de ambas as bandas terem lançado seus primeiros splits e álbuns cheios no mesmo ano 1985/1986 (“Ultimatum“e “Bestial Devastation” e depois “Antes do Fim” e “Morbid Visions”) e do Dorsal ter batido de frente com o público metal no disco “Dividir e Conquistar”, de 1988, mas este documentário caprichado lançado em 2015 e reeditado em DVD duplo em 2016 surge para contar não só a trajetória da Dorsal, mas do próprio thrash metal brasileiro, o que ganha valor com uma declaração de Max Cavalera que, perguntado em uma TV gringa sobre qual o primeiro show que viu, revela: “Foi de uma banda brasileira chamada Dorsal Atlântica. Eles eram incríveis, uma espécie de Venom brasileiro, e o show foi matador. Foi aí que tive a ideia: eles faziam aquilo e eram brasileiros, então nós poderíamos fazer também. O Sepultura nasceu depois daquele show”. “Guerrilha: A Trajetória da Dorsal Atlântica” reúne num DVD duplo o documentário de 74 minutos – que poderia ter explorado mais a fundo o embate (entre banda e metaleiros) após o disco “Dividir e Conquistar”, mas no geral soa correto, informativo e repleto de cenas de arquivo raras –, extras (as entrevistas merecem atenção especial) e o curta “MMXII”, que flagra as gravações de “2012”, o álbum de retorno lançado no mesmo ano após uma bem sucedida campanha de crowdfunding. Há ainda 40 páginas de entrevistas e análises sobre a banda e o período que tornam o pacote ainda mais interessante.
Nota: 8
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Leia também:
– Festival In-Edit 2014: Pulp, Kathleen Hanna, Hendrix, The National e mais (aqui)
– Festival In-Edit 2015: Slint, Joe Strummer, Bob Dylan, Edwyn Collins, Elliot Smith e mais (aqui)
– Festival In-Edit 2017: Slint, John Coltrane, Serguei, Stooges, Nick Cave, Jupiter Maçã e mais (aqui)
– “Cobain – Montage of Heck” remexe os diários e o baú do ídolo do Nirvana (aqui)
– Três docs: “Os Doces Bárbaros”, “Os Novos Baianos” e “Raul Seixas” (aqui)
– Três filmes musicais: “My Way”, “Searching for Sugar Man” e “Sound City” (aqui)