“Know Your Enemy”, Manic Street Preachers
Faixa a Faixa
por Marcelo Costa
Meio de janeiro de 2001. Recebo uma mensagem de um amigo no ICQ:
– Cara, peguei cinco músicas novas do Manics no Napster!!!
Foi instantâneo. Fiz a busca e encontrei sete músicas, entre elas o aguardado single “Ocean Spray”. Alegria, alegria, certo. Mais ou menos. Uma semana depois, meu Napster foi bloqueado e eu recebi essa mensagem:
Ou seja, a Sony tinha bloqueado meu Napster alegando que eu havia infringido as leis de Direitos Autorais do Reino Unido. Entre descobrir que meu Napster estava bloqueado e desbloqueá-lo com uma “vacina” foram oito minutos.
Muitos fãs entraram em contato com a banda pedindo, do Manic Street Preachers, uma atitude. A resposta veio a galope. “Nós estamos chateados com toda essa situação, mas essa é a política da Sony para proteger os direitos autorais de seus artistas”, disse James Dean Bradfield, guitarra, violão e voz da banda. Nick Wire, baixista e principal compositor, foi fundo na ferida: “O Napster é tão prejudicial quanto a Coca-Cola. A ideia de que o Napster é uma empresa maravilhosa é totalmente errada. Eles são lixo capitalista”. Finalizou dizendo que o Napster era a antítese de “Know Your Enemy”.
Se juntarmos a isso declarações da banda dizendo que “The Everslating” foi um grande erro, que o álbum “This is My Truth” não era um desastre cataclísmico fodido, mas que eles estavam desapontados, e o single inédito de ano novo, “Masses Against the Classes” (o que dizer de “Success is an ugly word / Especially in your tiny world / The masses against the classes / I’m tired of giving a reason / When the future is what we believe in”), chegamos a conclusão de que o sucesso e a desilusão com a indústria (“This is My Truth” bateu nos dois milhões de cópias vendidas no mundo todo) deixou cicatrizes nos pulsos do trio gales.
O que esperar de “Know Your Enemy” então?. O contrário do que foi feito em “This Is My Truth”, pelo menos. E por pouco o álbum não chega as lojas com o título “No Strings” (Sem Orquestrações)…
“Know Your Enemy” pega na veia e é excelente. Seu único defeito, porém, é ser longo demais. A velha máxima de que um bom álbum duplo renderia um álbum simples matador. Mesmo assim é um belo antídoto para um mundo que escolheu sonhar (ao som de Coldplay e Travis) do que viver. James e Nick não escondem que política é uma coisa chata, mas se desculpam dizendo que “a partir do momento que você se envolve, envolve a sua comunidade, os seus amigos, é impossível voltar atrás”.
Gravado em El Cortizo, na Espanha, “Know Your Enemy” traz 16 faixas, mais uma, “We Are All Bourgeois Now”, escondida. Foi gravado quase que todo em poucos takes, coisa rara nos dias de hoje em que bandas passam meses em estúdio procurando a melhor afinação de guitarra. A capa, arte de Neale Nowells, é um muro pixado sendo pintado com sangue (e é horrível). O primeiro show da turnê (alias, nem excursionar eles queriam, mas devem ter cedido à política da Sony) foi no Teatro Karl Marx, em Cuba, transformando o Manics na primeira banda ocidental a se apresentar na ilha socialista. Fidel Castro estava na platéia. Consta que James tentou avisa-lo de que o show seria muito barulhento. “Não será mais barulhento que a guerra”, mandou o ditador cubano. A prática superando a teoria, ok.
Para promover o álbum, a banda decidiu lançar, de cara, dois singles. Qualquer semelhança com o Guns de “User Your Ilusion” é mera coincidência…
1) Found That Soul – se o álbum anterior começava cadenciado, “Know Yoru Enemy” começa com um soco na cara. Uma guitarra suja invade uma saída, outra guitarra surge na outra saída e traz consigo uma bateria pesada e a voz rancorosa de James. Um pianinho martela uma única nota. Punk até a medula na linha dos Stooges. Adentramos o mundo do Manic e ganhamos de presente algumas duvidas. “Show me a wonder / You can’t be sure of / I exist in a place”. No meio, um solo encharcado de microfonia e a canção acaba do nada.
2) Ocean Spray – Começa com um verso em japonês que diz: “Olhos, assim lindos, você tem olhos lindos”. Lírica até não poder mais, a canção mistura um riff de guitarra a lá Nirvana com uma batida contagiante de violão. A letra, única de James no álbum, refere-se a uma marca de suco que sua mãe pedia, no hospital, antes de morrer. Sean Moore, o baterista da banda, traduz toda dor do vocalista em um tocante solo de trumpete no fim da canção, a lá Burt Bacharah. Terceiro single do álbum.
3) Intravenous Agnostic – Introdução bacana, vocal distorcido e uma letra tipicamente Manics. “Brutality is needed in capitalist society / Television abandoned my very entity”
4) So Why So Sad – Beach Boys, inevitavelmente. Violão, vocais e clima fazem imaginar que Brian Wilson pode aparecer a qualquer momento. O contraste com o repertório da banda é tão grande que eles pensaram seriamente em nem inclui-la em “Know Your Enemy”. No fim, acabou saindo como primeiro single (junto com “Found That Soul”). O clima anos 60 acaba rendendo uma grande love song, coisa rara em se tratando de Manic.
5) Let Robeson Sing – Segue na leveza da canção anterior e é dedicada ao ator e cantor negro Paul Robeson, que liderou uma campanha pelos direitos civis nos Estados Unidos dos anos 30 e caiu no ostracismo nos anos 50 devido ao seu apoio ao comunismo. Violão e guitarra criam o clima de um hino.
6) Year Of Purification – Uma guitarra inventiva ilumina as batidas aceleradas de violão. Desde a introdução, passando pelo refrão e chegando aos backings lembra R.E.M., e lembra muito.
7) Wattsville Blues – Nick Wire disse que essa é o encontro de The Fall com Red Hot Chilli Peppers. Alguém imagina? O próprio Nick canta sobre uma base climática. Bom início, mas enche o saco depois.
8 ) Miss Europa Disco Dancer – Uma das melhores formas de se incomodar alguém é sendo cínico. Se a pessoa não perceber, fazer o quê. Se ela perceber, bingo. Assim, o Manics lança o próximo hit das pistas de Ibiza, a disco-music “Miss Europa Disco Dancer”. Convence toda a pista que o mundo está ok no primeiro trecho da letra para, logo depois, vir com a faca na mão cobrar tudo, tranformando toda poesia da primeira estrofe em agonia na segunda estrofe. Braindead motherfuckers
9) Dead Martyrs – Guitarras pesadas em contato com efeitos eletrônicos criam o clima de “Dead Martyrs”. É o Manics soando como Manics. Refrão grandioso.
10) His Last Painting – O clima volta aos anos 60, mas com ares anos 90. A voz de James está mais a frente, a guitarra volta a circular e um órgão hammond preenche o ambiente. No meio, uma riff cortante de guitarra. Bela letra.
11) My Guernica – A guitarra suja faz lembrar imediatamente o Jesus and Mary Chain da fase “Psychocandy”. A microfonia apita, esconde a voz de James. A bateria pesada e marcial parece ficar de lado. A letra meio que justifica a barulheira das boas. “I’m small and I’m tired / I’m blurred to bits and wired / I’m nothing in this universe / Nothing but pieces of dust”. Se pairava alguma duvida da influência dos irmãos Reid sobre essa faixa, a coda ensurdecedora no final da canção elimina.
12) The Convalescent – A inspiração sempre surpreende. Nick Wire olha os quadros na parede e o canal Teletext na tv e escreve uma puta canção garageira (uma excelente bateria se destaca). “Goya mixes Picasso but it’s hardly Spain / Bonnie and Clyde have made their good intentions / Klaus Kinski with love off Werner Herzog / So I convalesce and I ease the stress”.
13) Royal Correspondent – Canção acústica estranha. A bateria soa por todos os cantos, os dedilhados se sobrepõe e a guitarra surge suja e raivosa. Um chute no saco dos correspondentes reais britânicos.
14) Epicentre – Pode soar maluco, mas remete a Legião Urbana, principalmente a introdução. A letra sombria encaixaria direitinho no álbum póstumo “Uma Outra Estação”. “Feels like there’s no escape / Except through my hate”. Nick estende demais a canção, e o que soava legal começa a torrar a paciência.
15) Baby Elian – A última canção gravada nas sessões na Espanha quase não entrou no álbum. A remete a New Order enquanto a letra discute a história da custódia de Elian Gonzáles que ganhou todos os noticiários. Quer saber? A canção é bacana, a temática enche o saco.
16) Freedom Of Speech Won’t Feed My Children – Porrada. A canção favorita de Nick Wire comenta as condições da Europa Oriental pós comunismo em clima rock claustrofóbico. Traz, na guitarra, Kevin Shields do My Bloody Valentine’s fazendo… barulho. A letra não perdoa e desfere cruzados de direita no Dalai Lama, nos Beastie Boys e acaba sobrando até para Richard Gere. “But freedom of speech won’t feed my children / Just brings heart disease and bootleg clothing”
17) We Are All Bourgeois Now – Cinco minutos depois da última faixa começa “We Are All Bourgeois Now”, cover da banda inglesa McCarthy. Clima britpop. A letra entrega tudo (como se o título já não tivesse entregado antes). “There’s something wrong somewhere here / So through unclean streets I made my way. E continua With holes in my shoes / And my children asleep at my feet I paid my way finalizando There’s something wrong somewhere here / So through unclean streets / I made my way / With holes in my shoes / And my children asleep at my feet / I paid my way. We are all bourgeois now / And somehow I’ll raise myself in the world…”
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Faixa a Faixa: “This Is My Truth, Tell Me Yours”, Manic Street Preachers (aqui)
– Três discos: “Forever Delayed”, “Lipstick Traces” e “Lifeblood” (aqui)
– “Send Away The Tigers”, Manic Street Preachers: os melhores dias virão (aqui)
– “Journal For Plague Lovers”, Manic Street Preachers: sonoridade árida (aqui)
– “Postcards from a Young Man”, Manic Street Preachers: chocolate amargo (aqui)
– Vídeo: Três canções do Manic Street Preachers no formato acústico (aqui)
– Vídeo: Três canções do Manic Street Preachers ao vivo em Oslo (aqui)
– Manic Street Preachers ao vivo no Norwegian Wood Festival, Oslo (aqui)
Acabei lendo hj as resenhas do Send Away The Tigers e esta do Know Your Enemy… Adoro a banda mas este KYE nunca me agradou muito. Tlvz se fosse mais curto, como o texto diz, ficasse um pouco melhor mas não acho que melhoraria muita coisa não. Acho q falta foco no disco e a sensação que tenho ao escutá-lo é de que se trata de disco preguiçoso. E como assim The Everlasting foi um erro? Esse Nick é um piadista rs