Festivais: South by Southwest 2013

Cobertura especial: Tiago Agostini

DIA 12 – TERÇA-FEIRA

Se você gosta de música, é obrigatório vir ao South by Southwest – nem que seja apenas uma vez. Durante cinco dias, a cidade de Austin, no Texas, respira música, com mais de duas mil bandas se apresentando em diversas casas de show espalhadas pelo centro da cidade, uma ao lado da outra. Sem contar os diversos músicos que transformam as ruas em palco e mostram desde folk britânico a batucadas em baldes.

Com um centro plano e de fácil localização – as ruas formam retângulos entre si, tornando difícil se perder –, Austin é um convite para passeio. Ainda sem ter sido aberta oficialmente, a parte de música do SXSW – desde sexta (8) os participantes dos módulos de interatividade e filmes circulavam pela cidade – começou a ter os primeiros shows oficiais perto das 20h da terça (12). Antes, porém, era possível assistir a diversas apresentações nos vários bares da região, mesmo naqueles que não participam do SXSW e fazem questão de frisar que ali são aceitos mesmo aqueles que não possuem nenhum tipo de crachá. Ou seja, a “experiência SXSW” transcende o próprio festival em si.

Às 21h, o Franny Glass se apresentava no The Whiskey Room, mesmo que em versão compacta. Sozinho com seu violão, o uruguaio Gonzalo Deniz se apressou em avisar que na quarta tocaria com a banda completa. Não que tenha feito feio. Em versão intimista, o cantor acentua o lado emocional de suas canções, cantando praticamente o tempo inteiro com os olhos fechados. Entre músicas como “Me Acuerdo de Felipe”, sobrou até uma versão para “Esquadros”, de Adriana Calcanhoto. Já próximo do final, o uruguaio ainda mandou “En Otoño, Mi Amiga”, típica canção de acampamento – com o que isso tem de bom. Uma pena que, assim como é usual em São Paulo, várias pessoas conversassem alto durante o show.

A primeira lição que se apreende no South By Southwest é: tenha sempre um plano B, pois as chances de não conseguir entrar para assistir a um show concorrido é grande, como os californianos do Haim. “A casa está cheia e a banda toca em dez minutos. Só entra alguém se outra pessoa sair”, o segurança explicava na fila, sem nenhum otimismo. Sem drama, a algumas quadras o Wavves estava programado para tocar meia hora depois. Também com lotação esgotada e filas do lado de fora, os californianos ao menos deram a sorte (para os fãs) de tocar em um local aberto. Assim, além das pessoas se amontoando junto à cerca, até mesmo os condutores das bicicletas (que transportam pessoas em uma espécie de “carroça” para dois durante o festival) subiam em seus veículos para acompanhar a apresentação. No palco, punk sujo e rápido, com direito a três músicas inéditas e a incontáveis moshes da plateia.

Se a fila é grande demais, sempre pode haver outro jeito de ver seu ídolo. Desde antes das 20h o número de pessoas esperando por um local no The Main, para ver as gêmeas canadenses Tegan e Sara, era grande. As duas chegaram ao festival surfando no hype e com seu último álbum, “Heartthrob”, lançado este ano, tendo conquistado o terceiro lugar no Top 200 da Billboard. Perto do início do show, a multidão não se dispersava. Quem entrava em um pequeno bar chamado The Jr., na rua perpendicular, no entanto, se deparava com a surpresa: no pátio do local, uma porta aberta, mas com acesso proibido, proporcionava a visão do palco pata o show canadenses. O atraso das irmãs – “Não é sábado, é uma terça-feira!”, reclamava uma senhora – acabou levando o público para dentro do The Jr., onde o Something Fierce, uma boa surpresa de Houston, fazia um show esporrento, simples e direto. Punk rock em versão power trio, sem muitos segredos, mas com o baixo no talo. Quando finalmente começaram a sua apresentação, a meiguice pop das canadenses não fazia sentido perto da crueza dos texanos.

Um dos muitos brasileiros a se apresentarem no festival – a lista vai de Fresno a Bonde do Rolê, passando por Cine e Black Drawing Chalks –, Emicida ignorou a barreira do idioma e fez o público gritar “viva” (nota do redator: é impressionante a quantidade de pessoas que querem aprender português nos Estados Unidos) diversas vezes. Em apenas seu segundo show com o irmão Evandro Fióti ao violão e com um guitarrista, não demorou para o rapper paulistano colocar quatro norte-americanas em trajes diminutos para dançar à frente do palco. Até um “Toca Raul” pôde ser ouvido entre o bom público do The Whiskey Room.

Para encerrar, os texanos do The Polyphonic Spree abusaram das músicas novas em sua apresentação. O que era para ser uma grande celebração – ou pelo menos o que sugeria o visual dos músicos, vestidos em batas coloridas – acaba se perdendo pelas eletronices das faixas inéditas. Sem contar que, mesmo com sete backing vocals no palco, as letras das músicas só foram ficar audíveis depois da quarta música. Os momentos altos ficaram com as velharias, principalmente “Hold Me Now” e a sublime “Light & Day”, que encerrou a apresentação, já com a madrugada avançada. É só o primeiro dia. O South by Southwest 2013 está apenas começando!

DIA 13 – QUARTA-FEIRA

“Uma vez que você volta para o Texas, não há outro lugar em que você mais queira estar que Austin.” Foi assim que o apresentador do Austin Music Awards introduziu a curta apresentação de Ben Kweller – nascido em San Francisco, criado no Texas e que morou em Nova York – nesta quarta-feira (13), na festa que reunia locais para celebrar a música e as artes da cidade que é considerada a “capital mundial da música ao vivo”, dentro da programação do South By Southwest. Como diz um cartaz afixado na porta de um clube na 6th street, “live music, no cover”. Os texanos parecem levar a coisa a sério.

O Austin Music Awards é uma experiência à parte dentro do South By Southwest. Realizado no Austin Music Hall, levemente afastado da área de movimentação do festival, ele reúne menos freaks do que as muvucadas ruas ao redor do Convention Center e dá uma amostra da hospitalidade da cidade. Na fila, as pessoas conversam com estranhos e, veja só, até os cumprimentam quando encontram de novo dentro do auditório. O clima é de festa, como em toda premiação, mas aqui se destaca um certo toque de interior. Apesar de ter cerca de 820 mil habitantes, Austin é apenas a quarta maior cidade do Texas – atrás de Houston, San Antonio e Dallas – e, como me disseram certa vez, nem parece fazer parte do Estado (mesmo em um evento local como o Austin Music Awards, a quantidade de chapéus exibida é muito menor que no jogo do Spurs, por exemplo, dois dias antes em San Antonio. Sem contar que em dois dias não vi nenhuma referência a cowboys ou Texas Ranger por aqui).

Vestido com calça e jaqueta jeans, Kweller subiu ao palco entre alguns dos vários prêmios entregues – Gary Clark Jr., que era esperado para uma participação no show de Kweller, foi o destaque da noite, com oito estatuetas. Apenas ao violão em sua primeira música, Bem Kweller começou com “Penny On The Train Track”, serelepe como um garoto de 15 anos – não muito mais do que aparenta o rosto de bebê do cantor. Em um curto set de apenas quatro músicas, ele logo foi acompanhado por sua banda no palco, com ‘Full Circle”, mas teria sido melhor ter continuado sozinho, tamanha a maçaroca sonora no local que não permitia distinguir as guitarras. Bebendo pelos cantos ou visitando barraquinhas de apoio à saúde dos músicos locais, o público nem parecia se importar.

No South By Southwest, com tantas atrações diferentes a todo o momento, uma das melhores dicas de viagens possíveis torna-se quase essencial: deixe-se perder e caminhe a esmo. Principalmente durante a tarde, quando acontecem as festas de marcas e a chance de esbarrar em um monte de bandas que fazem apenas barulho é grande, mas de vez em quando você topa com boas surpresas, como o The Ugly Club, um quinteto já entrevistado aqui no Scream & Yell e que pratica um som mezzo-indie de melodias à The Shins e que se apresentava sentado na calçada, com apenas bumbo, um prato de bateria e uma escaleta. Ou então o Dikes of Holland, punk esporrento dos bons, com uma vocalista quase tão espivetada quanto Lovefoxxx.

O inverno está quase indo embora, mas o frio só aparece com um leve vento já no início da madrugada. Com dias lindos de céu extremamente limpo, caminhar pelas ruas planas da cidade é tão agradável quanto passear por San Francisco. A 6th Street, fechada de dia e de noite em um trecho, é a concentração principal da muvuca, então é sempre melhor evita-la se estiver correndo para tentar pegar o início de um show. O passeio vale, além da paisagem, sem grandes prédios intimidadores, também para se deparar com os diversos Food Trucks estilizados da cidade, os caminhões de comida que vendem de churrasquinho grego a cupcake, passando por muitos tacos e pizzas, e que são uma das coisas mais legais dos Estados Unidos.

O coração do festival, porém, é o Austin Convention Center, onde ficam os trade shows e acontecem todos os debates sobre a indústria da música durante o dia – e onde Dave Grohl faria o discurso principal do festival nesta quinta de manhã. Nele também é possível ver alguns shows em uma imensa sala de convenções, onde o Bajofondo fez uma apresentação intensa no início da tarde de quarta. Mais tarde, Devendra Banhardt ignorou o ambiente inóspito para, munido apenas de guitarra, apresentar algumas músicas de seu elogiado novo disco, “Mala”, como “Cristobal Risquez” – “dediquei a meu primo porque não conseguia pensar em um título” – e uma versão teatral de “Baby”.

Com mais de 2 mil bandas no line-up, o SXSW é um festival de alternativas e de perdas. A grande atração da quarta, Nick Cave and The Bad Seeds, teve seus ingressos distribuídos por sorteio online e a fila que se formava do lado do pátio da churrascaria Stubb’s, onde aconteceria o show, não era nada convidativa já uma hora antes da apresentação. Mesmo no final da noite, quando o Yeah Yeah Yeahs se preparava para subir ao palco do local, nada indicava que quem estava do lado de fora teria grandes chances de entrar.

Mas como, fora alguns poucos grandes shows, boa parte dos locais não lota, é possível vagar de bar em bar atrás do melhor show daquele momento. Assim, sem andar muitos metros vocês sai do The Black Angels em uma casa de bilhar – que, com um som embolado e um imenso bar no meio da pista transformavam a psicodelia circular da banda em praticamente uma única música – para o Barcelona – um trio que desperdiça boas melodias com arranjos minimalistas sem saber se querem ser James Blake ou Mika – em um muquifo lotado de adolescentes que horas antes havia recebido os brasileiros do Black Drawing Chalks. Fato comum em todos os lugares: para quase toda TV que você olhe haverá um jogo do March Madness, a final do campeonato de basquete universitário, passando.

Em uma cidade lotada de bares, o melhor show da (minha) noite, no entanto, foi em uma igreja – justo no dia da escolha do novo Papa. A programação dizia St David’s Historic Sanctuary, mas o endereço levava a um estacionamento episcopal, que confundiu outros – além de mim. Logo após uma porta de vidro, um simpático padre em uma bata bege esclarecia: suba a escada e vire à esquerda, não há como errar. Mesmo com o show começado, não foi difícil entrar no local. Sozinho ao violão, Billy Bragg não poupou críticas ao Partido Nacional Britânico, a Hollywood – “está ficando tão previsível quanto o pornô” –, relembrou sua parceria com o Wilco no projeto “Mermaid Avenue” e celebrou o compositor folk Woody Guthrie. “Esta música tem quase 70 anos, mas poderia ter sido escrita agora, com a crise de 2009?, disse antes de tocar “I Ain’t Got No Home In The World Anymore”.

Entre suas músicas próprias, um gospel que compôs à Elvis e Johnny Cash, “Do Unto Others”, e uma emocionante “Goodbye”. Ao final, ele agradeceu à igreja por proporcionar um local “à prova do barulho que os jovens fazem lá fora” e dedicou a última música à época da informação livre, atacando as cordas do violão em uma pungente “The Times they Are A-Changin’”. A noite ainda acabou com um barulhento e sempre ótimo show do El Mató A Un Polizia Motorizado, descendentes diretos do loud-quiet-loud do Pixies, em uma noite argentina no The Whiskey Room, regada a vinho e amigos empolgados se abraçando à frente do palco e cantando músicas como “Chica Rutera”, “Mas O Menos Bien” e “Vienen Bajando”. Foi-se o segundo dia. Há mais três pela frente.

DIA 14 – QUINTA-FEIRA

A quinta-feira foi o dia de Dave Grohl no South by Southwest. O vocalista do Foo Fighters já havia exibido seu documentário “Sound City” na noite de quarta, e foi o principal “palestrante” da manhã, lotando o Ballroom D no Convention Center e deixando muita gente de fora. À noite, Grohl levou seus Sound City Players, com Stevie Nicks, Rick Springfield e John Fogerty, ao palco do Stubb’s, em um dos shows mais concorridos do festival. Não que eu tenha visto qualquer um dos dois (a palestra nós dois podemos assistir abaixo).

Na van de volta ao hotel, esgotado após mais de dez horas de maratona, m grupo de garotos de Ohio demonstrava animação com tudo que havia acontecido. Um deles, apenas, se lamentava. “Eu vi um show ótimo, mas havia outros três que eu queria ter visto e não consegui.” Em Austin, as coisas são assim: muita coisa acontece ao mesmo tempo e, como as leis da física permanecem as mesmas, será inevitável certa frustração. Por isso, duas palavras são fundamentais para aproveitar bem o SXSW: planejamento e desprendimento. Faça toda sua programação antes mesmo de viajar a Austin. Revise todo dia antes de sair do hotel. Carregue seu app ou pocket guide e cheque a todo o momento o que você vai fazer. Ainda assim, você perderá boa parte do que queria ver.

Por exemplo: meu último show programado para a noite de quinta era o de Josh Rouse no Continental Club. Como o local é longe do centro, do outro lado do rio, provavelmente teria que pegar um taxi para ir ou para voltar. Mantive-o na agenda até o último momento, mas, perto das 23h, desisti – já havia visto meia hora sensacional do cantor durante a tarde, em uma festa da Paste Magazine com a HGTV. Tentei a sorte para ver o Flaming Lips, mas a fila enorme do lado de fora do The Belmont desanimou. Acabei no Austin Music Hall vendo, finalmente, as gêmeas Tegan and Sara. Mesmo reclamando do cansaço – “foram seis shows em três dias, às vezes nos perguntavam ao meio-dia se estávamos prontas para entrar no palco e eu ficava assustada”, brincou Tegan –, a dupla encerrou sua participação no SXSW com estilo. O indie-pop das duas é grandioso, mas em alguns momentos parece que o Roxette já fez aquilo melhor.

O dia começou com os shows do The Stages on Sixth, da Paste, ainda de tarde. Coisa rápida, meia hora para cada artista, um bom aperitivo para os shows principais de cada um no festival. Primeiro Brendan Benson que, mesmo cortando músicas como “Bad To Me” e “What Kind of World” do repertório, fez um show absurdo. Ninguém escreve melodias como Benson na música atual e a banda compacta, com o ótimo baterista Brad Pemberton, ataca bem nos momentos certos e sabe acalmar o clima quando necessário. Depois, os novatos do Pickwick, lançando a estreia “Can’t Talk Medicine”, que saiu na terça (12). Um dos hypes da semana, a banda mostra entusiasmo em seu decalque de Black Keys com mais emoção, mas escorrega em alguns momentos em que quer soar como um bando de negões. Ainda assim promissor.

Por fim, Josh Rouse, com seu chapéu de palha e uma banda coesa, feliz, lançando o bom novo álbum “The Happiness waltz”. Misturando novas canções como “Simple Pleasure” e “This Movie’s Way Too Long” a velharias do nível de “Winter In The Hamptons” e “Love Vibration”, o cantor provou que está de volta ao melhor de sua carreira, após alguns álbuns em que se deixou experimentar, como “El Turista”. Lembrando muito a apresentação de 2008 no Sesc Vila Mariana, o show deixou uma certeza: alguém precisa levar Josh Rouse para o Brasil de novo – e logo.

Austin é cortada pelo Colorado River, que, à sua margem, assiste a população local correr e andar de bicicleta no fim da tarde, em um passeio agradável e com uma vista fascinante, principalmente no sentido oeste durante o pôr-do-sol. No Lady Bird Lake, um dos três lagos do rio, está localizado o Auditorium Shores Stage, um palco ao ar livre com um imenso parque à frente, com entrada livre durante todos os dias. Com uma praça de alimentação generosa – provei um sanduíche de carne com praticamente um balde de limonada (o copo gigante era só US$ 1 mais caro que o de 300 ml), mas babei em um pedaço de carne servido no osso, estilo coxa de galinha, para comer como um homem das cavernas –, o local se enche de famílias, casais e crianças brincando.

A programação de quinta favorecia o público latino, com o Bajofondo e o italiano Jovanotti abrindo os trabalhos. O clima ferveu, porém, com os mexicanos do Molotov, ovacionados pela plateia ao fim de cada música – o Texas não apenas faz fronteira com o México como originalmente pertencia ao país vizinho, logo, a comunidade latina é grande na cidade. A noite ainda seguiria com o Cafe Tacvba e a vibe de fim de tarde era ótima, como quando o Ibirapuera é utilizado para shows ou projeções de filmes gratuitos, mas do outro lado da ponte uma celebração da música negra parecia promissora.

A Daptone Records tomou a programação total da noite de quinta no Moody Theater para si. O local, com uma pista pouco menor que a do finado Citibank Hall, em São Paulo, e dois níveis de balcões com cadeiras, é uma casa de shows confortável e com acústica quase perfeita. Pelas paredes do hall, uma exposições de imagens icônicas da música (como Johnny Cash mostrando o dedo do meio) recepciona os visitantes, que na noite de quinta puderam ver nomes como Charles Bradley e Sharon Jones & The Dap Kings, além de uma inspirada (gospelmente) apresentação do trio Como Mamas e a excelência instrumental da Menahan Street Band e do Sugarman 3, ambos passeando com desenvoltura pelo limiar do soul e do jazz. Mas foram Jones e Bradley que trouxeram a casa abaixo, com o veterano abusando de seus dotes vocais, arrancando suspiro ao jogar o pedestal do microfone e puxá-lo de volta, e acabando o show no meio da plateia, abraçando todo mundo que aparecesse à sua frente, para desespero do segurança que o seguia. Três dias de shows… e contando.

DIA 15 – SEXTA-FEIRA

Quando eu tinha 4 anos, ganhei uma televisão em uma rifa de uma locadora de vídeo da saudosa cidade de Curitibanos. Foi um grande fato, tanto que a TV de 21 polegadas, uma gigante para a época, ficou na família até mudanças recentes. Desde então, não me lembro de ter ganhado lá muita coisa em qualquer jogo de sorte. Até que esta sexta-feira um sorteio de Twitter me permitiu assistir ao show do Afghan Whigs no South By Southwest.

A banda de Greg Dulli estava programada para fechar o palco do Fader Fort, organizado pela revista Fader em parceria com a Converse. Logo na entrada, um exemplo das festas fechadas do festival: muitos brindes em todo canto, jogos e diversões – uma cesta de basquete, pebolim, tênis de mesa –, muita gente (a fila do lado de fora chegava a uns 100m, fácil) e bebida de graça – a cerveja era Budweiser, mas, vá lá, era latão. Quando cheguei, o Ra Ra Riot, banda indie-pop de Syracuse, Nova York, encaminhava seu bom show para o final. Seguiram-se o projeto eletrônico Disclosure e o rapper Future, mostrando que, talvez, o Whigs fosse meio peixe fora d’água naquele line-up.

Quando Dulli e banda entraram no palco, ficou claro que boa parte do público não fazia ideia de quem eram eles – a tenda dos shows, antes abarrotada, agora oferecia circulação tranquila. Mas bastou o rapper Usher subir ao palco como convidado, depois da banda tocar sua cover de “Love Crimes”, de Frank Ocean, para uma avalanche tomar conta do lugar, com gritos histéricos e uma multidão de câmeras no alto para registrar o momento. Depois de “Climax”, do rapper, recebida aos urros, Usher anunciou uma música “para viver bem a vida”. Veio “Something Hot”, uma das melhores músicas do Whigs, recebida com frieza pela plateia. O resto do show viu a banda servir de base para o rapper, provando que Dulli e sua turma são uma das mais perfeitas uniões de música de negão e rock feito por branquelos.

Se música de negão é o tema, Charles Bradley roubou a cena novamente na tarde de sexta, agora no palco do Convention Center. Vestindo um terno preto, o soulman utilizou todos os truques da noite anterior com uma plateia diferente – e óbvio, todos funcionaram. Com o carisma, a voz, a presença de palco de Bradley e o apoio da Menahan Street Band, difícil não dar certo.

Na parte brasileira da noite, Gang do Eletro e Bonde do Rolê se apresentaram no Flamingo, uma casa decorada com motivos mexicanos e kitsch. Os primeiros pareciam menos ousados que em seus shows em solo nativo, mas mesmo assim empolgaram o público que lotava pela metade o local, principalmente no encerramento com “Galera da Laje”. Já o Bonde, fechando a programação diária da casa e com lotação esgotada, promoveu sua tradicional algazarra, jogando três bonecas infláveis no público – que se divertia tentando acertá-las no ventilador de teto – e esquentando o clima com hits sacanas como “James Bond” e “Solta o Frango” – um gringo animado ao meu lado explicava a canção a um amigo: “come on, release the chicken”.

Do outro lado da rua, no The Stage Sixth on the Patio, Brendan Benson comandava uma noite especial de seu selo, o Readymade Records. Eric Burdon, ex-The Animals, comandou a sessão nostalgia, com a plateia lotada de tiozinhos. O próprio Benson se apresentou quase no encerramento, com um show ligeiramente mais longo que o do dia anterior, agora com todo o drama de “Bad For Me” e uma ótima versão de “Pretty Baby”.

Mas o destaque do palco ficou por conta de Cory Chisel and the Wandering Sons. O grupo de Wisconsin, dono de um dos melhores álbuns de 2012, “Old Believers”, mostrou que tem os dois pés fincados no sul norte-americano, fazendo uma apresentação mezzo caipira mezzo folk inspiradíssima. Com ótimos timbres de guitarra e uma presença espirituosa de palco do líder, o show parecia uma grande festa entre amigos – Chisel aparentemente conhecia boa parte da plateia e não se furtou de fazer brincadeiras com ela. Entre baladas leves como “I’ve Been Accused” e uma versão turbinada de “Foxgloves”, acabou como o destaque do dia.

DIA 16 – SÁBADO

Se durante a semana as ruas de Austin ficam lotadas por causa do South By Southwest, imagine em um sábado de sol sem nuvens no céu. No dia de encerramento de sua edição 2013, o SXSW reuniu ainda mais malucos para uma noite que prometia com shows de encerramento espalhados pela cidade para agradar todas as gerações: de um lado John Fogerty, do outro Prince, e ainda um show “secreto” de Justin Timberlake em festa do MySpace que, de tão lotada, viu um rapaz ser arrastado para fora porque urinou em sacos de gelo, já que não conseguia ir ao banheiro.

De minha parte, acabei no show de Fogerty, no excelente Moody Theater, me sentindo a pessoa mais jovem da plateia que, se não enchia o local, proporcionava um público de respeito. No palco, Fogerty adiocionando veneno aos clássicos do Creedence Clearwater Revival com quatro (!!!) guitarras, abrindo de cara com uma versão mais rápida de “Travellin’ Band”. Um dos inventores do rock norte-americano com sotaque sulista (apesar de ser da Califórnia), Fogerty não aparenta seus 67 anos. Em forma, corre pelo palco e faz solos quilométricos. O repertório, óbvio, ajuda. “Who’ll Stop The Rain”, “Someday Never Comes” (com o Dawes de banda de apoio) e o maior clássico de bandas covers da história, “Have You Ever Seen The Rain”, que fez o teatro entoar um coro no refrão. Sempre bom ver um pedaço da história diante dos olhos.

Sem muita programação na tarde, o sábado também foi dia de conhecer a Waterloo Records (600A N. Lamar), loja bacana de CDs e DVDs. Ela fica afastada da muvuca, na esquina da 6th street, o que dá uma caminhada de uns 15 minutos. Vale a pena. A prateleira de usados tem adições diárias com boas ofertas, como o segundo CD solo de Jarvis Cocker, e uma boa promoção de CDS a US$ 1. A bancada de vinis usados também é recheada, mas um dos destaques é a parte de boxes, com várias edições especiais de Miles Davis, cobrindo diversas fases de sua carreira, muito material dos Rolling Stones e de Bob Dylan. Como não poderia deixar de ser, a loja também teve um palco durante o SXSW, montado em frente ao prédio, que recebeu nomes como Billy Bragg, Emmylou Harris & Rodney Crowell, Tegan And sara e o Dawes – o último enquanto eu estava lá.

Depois do passeio na Waterloo, pausa para assistir a alguns jogos de basquete e tomar cerveja. Como era véspera do St. Patrick’s Day, todos os bares do caminho de volta estavam abarratodos. Acabei indo buscar abrigo na Liberty Tavern, o bar que fica embaixo do hotel Hilton e em frente ao Convention Center, no número 500 da 4th street. Com ambiente amplo e ótima carta de cervejas locais tiradas na pressão, é uma boa opção para relaxar durante o festival, seja sentando no balcão ou em mesas. Na esquina, no cruzamento da Trinity com a 4th Street, o Champions Bar é outra boa opção, mas este já com mais cara de bar de esportes e lotação maior.

Já se o assunto for fome, uma ótima opção próxima ao Convention Center é o Iron Works BBQ, na mesma quadra, na esquina da Red River St com a Cesar Chavez St. Entre os famosos com foto na parede estão Kevin Costner, Dennis Quaid, Quentin tarantino e Jay Leno, mas o destaque fica na parede ao lado da fila dos pedidos: lado a lado, retratos de George W. Bush e Barack Obama. O local, de fato, serve carne ótima. Uma boa opção para uma primeira vez é pedir um sampler, que vem com um pedaço de costela, um de linguiça e uma porção de brisket, um dos cortes mais famosos dos Estados Unidos. Mas se não quiser muitos experimentos, vá com fé na costela: é deliciosa e macia. Todos os pratos são acompanhados por feijão vermelho, picles, salada de batata com maionese e pão. Não tem como dar errado.

Falando em churrasco, meu festival acabou no pátio da Stubb’s, outra churrascaria da cidade, que nos dias anteriores recebeu Nick Cave e os Sound City Players, de Dave Grohl. No palco, as meninas californianas do Haim não economizaram em solos de guitarra abrindo para a atração aguardada da noite, o Vampire Weekend. A banda tocou duas músicas novas de seu aguardado terceiro álbum, “Modern Vampires of the City” (a saber “Diane Young” e “Ya Hey”) e continua afiada no palco mostrando que se daria muito bem se colocada para tocar em um trio elétrico no carnaval baiano. Depois de cinco dias de shows, chegava ao fim o South By Southwest. Difícil não querer voltar nos próximos anos.

TOP 5 SHOWS – TIAGO AGOSTINI
Cory Chisel and the Wandering Sons – The Stage on Sixth Patio
Billy Bragg – St. David’s Historic sanctuary
Charles Bradley – Moody Theater
Brendan Benson – The Stage on Sixth Patio
El Mató a un Policia Motorizado – The Whiskey Room

– Tiago Agostini (@tiagoagostini) é jornalista, integrante da Confraria Scream & Yell, e irá acompanhar todos os dias do South by Southwest 2013

– Todas as fotos por Tiago Agostini exceto a foto do Yeah Yeah Yeahs (Crédito: NPR), The Polyphonic Spree e The Afghan Whigs, retiradas do Instagram das próprias bandas.

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