Balanço: Dia 3 do Lollapalooza exalta a força do rap nacional, mas o rock está vivo e rangendo os dentes com o Idles

Texto por Janaina AzevedoMarcelo Costa e Renan Guerra
Fotos – Divulgação Lollapalooza

DIA 3 – 27 de março de 2022 – domingo
introdução por Janaina Azevedo

Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 2

No terceiro dia de Lollapalooza, com 98 mil pessoas presentes, o festival entrou pro noticiário político nacional. Graças à decisão de um juiz eleitoral, que atendeu a um pedido do partido de Jair Bolsonaro para proibir manifestações de cunho eleitoral nos shows sob pena de multa de 50 mil reais, o Brasil estava de olho no que aconteceria no palco.

Pro azar do juiz censor, a decisão veio justamente no dia que o festival teria Djonga, Emicida, Mano Brown e Marcelo D2 no palco. Todos levaram a política pro palco, seja pedindo pra que os jovens tirem o título de eleitor, seja pra defender a candidatura de Lula ou mesmo pra mandar Bolsonaro ir tomar em certo lugar. Até a Fresno, que recebeu Lulu Santos, exibiu um Fora Bolsonaro no telão.

O festival colocou em pauta um assunto que ronda a sociedade brasileira desde sempre: a censura. Com uma decisão frágil, monocrática (tomada por um só juiz, ou seja, precisa ser revista por uma turma no tribunal) e, segundo especialistas, inconstitucional, foi fácil desobedecer. O festival (que nem chegou a receber a intimação devido a erros grotescos) explicou que não poderia impedir a expressão dos artistas. Anitta se ofereceu pra pagar a multa pros artistas que falassem algo.

Nos próximos dias, a decisão deve ser analisada pela turma do Tribunal Superior Eleitoral, e o ministro Edson Fachin já sinalizou que o tribunal zelará pela liberdade de expressão.

De um grandioso festival, o Lollapalooza se transformou em um paradigma na luta contra a censura. E isso, pessoal, foi apenas uma parte do que aconteceu domingo. Porque o festival também foi abatido por uma tragédia ainda difícil de engolir: Taylor Hawkins, uma das estrelas do último dia, nas baquetas do Foo Fighters, morreu na sexta-feira. O show, é claro, foi cancelado. E os milhares de fãs que foram até São Paulo só pra ve-los?

A solução encontrada pelo Lollapalooza foi de arrepiar. Uma homenagem grandiosa pra todos os que estavam lá levarem no coração pra sempre. O fim de três dias de muita festa, de voltar a estar perto dos amigos e cantar a plenos pulmões sem medo de um vírus perigoso. Que, como já é tradicional no Lolla, foi cansativo devido à logística complicada de transporte e às distancias infinitas entre os shows.

Mas que no fim, valeu a pena. A música vale tudo. A música merece. E a música vai sobreviver ao obscurantismo.

Fresno

Fresno (ONIX 14:50 – 15:50)
por Renan Guerra
Após uma paralisação devido ao mal tempo, a Fresno reabriu os trabalhos do evento com um show que celebrou a história da banda e passou por diferentes fases da carreira. A apresentação foi marcada por manifestações que contrariavam a decisão do TSE de coibir manifestações políticas. No telão, a frase “Fora Bolsonaro” se repetiu durante todo o show, gerando reações da plateia, que gritava palavras de ordem. Para finalizar, Lulu Santos subiu ao palco e cantou duas canções com a banda, “Já Faz Tanto Tempo” (presente no álbum “Vou Ter Que Me Virar”) o clássico “Toda Forma de Amor”. Lulu terminou o show dizendo “Censura nunca mais”, e a Fresno fez pedidos para que o público exerça de forma plena o direito ao voto em 2022.

Idles

Idles (BUD 15:55 – 16:55)
por Janaina Azevedo
Eu sou a pessoa mais suspeita do mundo pra falar do Idles, porque realmente acho que essa banda mudou minha vida. Renovou minha fé no rock numa época em que eu ouvia poucas bandas, me mostrou que é possível ser político, positivo, falar sobre amor e amizade em uma banda sem ser chato, e além de tudo: são cinco caras muito engraçados. O show do Lollapalooza foi o meu segundo deles. No primeiro que assisti, em maio de 2019, o Idles estava no limiar entre ser uma banda do circuito indie e ganhar públicos cada vez maiores, após o lançamento do segundo disco, “Joy as an Act of Resistance”. Agora, no Lolla, a coisa mudou de figura. Eles já são gigantes de festivais, lançaram mais dois discos e cimentaram o nome da banda no cenário atual. Todo mundo ama o Idles. E no Lollapalooza, eles vieram pra devolver esse amor. Lee Kienan, o guitarrista vertiginoso, completava 10 anos de sobriedade no domingo e comemorou descendo no público e ficando no meio da roda punk. Joe Talbot, o vocalista ensandecido, chorou antes de tocar “Danny Nedelko”, a música que homenageia um amigo imigrante da banda. É de arrepiar a energia dessa música. E em todo o momento, Talbot puxava o coro para gritar o nome de Taylor Hawkins em homenagem ao baterista. Uma apresentação tão pesada como emocional. O que veio depois pareceu um vácuo.

Marina Sena

Marina Sena (ADIDAS 15:55 – 16:55)
por Renan Guerra
Menos de 10 dias atrás, ela estava encantando o Sesc Pompeia. Já no palco menor do Lolla, Marina Sena conseguiu reunir uma multidão e tanto, o que deixou a cantora emocionada: “Eu acho que aqui tem mais gente do que toda a população da minha cidade, Taiobeiras”, disse feliz no palco Adidas. Com um setlist baseado em seu primeiro disco solo, “De Primeira”, Marina levantou a plateia com seu sucesso “Por Supuesto”, porém o público foi além e fez bonito na hora de cantar faixas como “Amiúde”, “Pelejei” e “Voltei Pra Mim”. A mineira foi mais uma artista a convocar seu público mais jovem a tirar o título de eleitor: “Quem ainda não renovou título, quem mudou de cidade, renova. Eu já renovei o meu. E aí quem ainda não tirou o título, tira. Vamos votar que é o único jeito mínimo da gente conseguir mudar alguma coisa. A gente precisa tirar e ir lá votar, vamos votar que nós temos que mudar isso aí. Não dá mais”, disse. Apesar do show bonito de Marina, o som parecia prejudicado após as mudanças de tempo (que, novamente, atrasaram alguns shows, assim como no primeiro dia do festival) e estava com um volume baixo para quem assistia mais ao fundo. Uma pena, pois Marina entregou um show intenso de uma artista em ascensão.

Black Pumas

Black Pumas (ONIX 17:00 – 18:00)
por Marcelo Costa
Eles são um duo de guitarras, Eric Burton (também vocal) e Adrian Quesada, que ao vivo somam baixo, bateria, teclados e duas backings poderosas que se destacam ainda mais frente aos playbacks do evento. O som é rock regressivo com pitadas de soul psicodélico sem nenhuma novidade, mas de muita qualidade. No palco, o grupo não é daqueles que gastam tempo falando bobagens no microfone no intervalo das canções, preferindo o silêncio, mas assim que a música que começa é quase impossível não se deixar levar. O show trouxe as canções viajantes (não à toa, Eric perguntou antes de tocar “Touch the Sky”: “Vocês querem tocar o céu com a gente?”) do álbum de estreia do duo, “Black Pumas”, de 2019, e ainda uma cover de Sixto Rodriguez (“Procurando Sugar Man”, de 20212, lembra?), “Sugar Man”, num show elegante e classudo.

Djonga

Djonga (ADIDAS – 18:05 – 19:05)
por Marcelo Costa
No dia em que o rap tomou a postura contestatória do rock no Lollapalooza, Djonga entrou no palco enfurecido prometendo: “Estamos em 2022, certo? Então vou mandar Jair Bolsonaro tomar no cu 22 vezes. Pra começar: Vai tomar no cu, Jair Bolsonaro. De novo: Vai tomar no cu, Jair Bolsonaro”, e foi repetindo seu mantra enquanto cantava “O Cara de Óculos”, “Junho de 94” e “Hat-Trick”. Com dedo em riste, falava: “Quando a gente reage, a rapaziada fala que a gente é violento, que nós somos loucos. Nós não aguenta mais”, explicou. Depois chamou FBC para o palco, e lembrou um dos hits do ano passado, presente no Melhores do Ano Scream & Yell, “Se Tá Solteira”. Para o final, no tradicional momento em que o rapper vai pra galera, Djonga abriu rodas no meio do público, coordenou um coro “carinhoso” ao presidente da república, e colocou a frase de “Olho de Tigre” na boca de todo mundo: “Fogo nos racistas”. Showzaço.

The Libertines

Libertines (BUD 18:05 – 19:05)
por Janaina Azevedo
Em primeiro lugar, é bom lembrar que o show do Libertines foi um tapa-furo. Escalado de última hora para substituir o Jane’s Addiction, a banda do criador do festival, Perry Farrel, que não veio ao Lolla. Então, difícil imaginar que alguém estaria ali somente por eles. Expoentes do indie dos anos 00, o Libertines empolgou os saudosos da época, mas não convenceu. São uns sem graça. As músicas saem direitinho, mas o aspecto geral é de algo velho, que não deixou a década de ouro da renovação indie. Pete Doherty e Carl Barat são tão empolgantes de assistir quanto fazer o imposto de renda. Tão desconectados do público e ensimesmados, o Libertines sequer mencionaram a morte de Taylor Hawkins, coisa que todas as grandes bandas do sábado e domingo fizeram. Depois da alta voltagem do Idles e antes da homenagem arrebatadora do último show, o Libertines ficou ensanduichado em uma apresentação que só fãs muito fãs gostaram. Pelo menos deu pra descansar antes do que veio a seguir.

KayTranada

Kaytranada (PERRY 18:30 – 19:30)
por Renan Guerra
Nascido no Haiti e criado no Canadá, o DJ e produtor Kaytranada se apresentou no palco eletrônico já no início da noite. Com um live set que trazia como base seus discos autorais, Kaytranada colocou o público para dançar com canções que traziam participações de diferentes vocalistas, todas em bases pré-prontas, o que de modo algum diminuiu a energia potente de sua apresentação. Para fechar seu show, ele ainda tocou “Lite Spots”, sua versão de “Pontos de Luz”, de Gal Costa (com vocal da diva), um encerramento excelente para uma apresentação vibrante.

Emicida, convidados e Planet Hemp (BUD 20:30 – 22:30)
por Janaina Azevedo e Renan Guerra
Com o falecimento de Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters, na sexta-feira, o festival teve que achar um fechamento do evento de última hora. Para o desgosto de rockeiros (sem o mínimo de bom senso) que pediram reembolsos pós cancelamento do Foo Fighters, a produção do evento decidiu fazer uma noite reunindo a nata do hip hop nacional. Emicida, Criolo, Mano Brown, KL Jay e Planet Hemp eram alguns dos nomes. É meio surreal que pelo meio mais torto e triste motivo possível esses artistas tenham tomado conta do palco principal. Em um dia tão político e em um festival tão elitizado, é foda que Emicida possa ter comandado um encontro de artistas tão importantes – ainda mais quando a gente lembra que o hip hop é mais hardcore que o rock faz uns muitos anos. Ver o Planet Hemp, uma banda historicamente perseguida pela polícia cantando no palco principal e com transmissão ao vivo pelo Multishow é algo potente demais. Isso tudo completado pela mensagem que aparecia no telão, mesclando a palavra “desobedeça” com “vote”.

Mano Brown

O que poderia ser um fim triste para três dias de festa foi salvo graças a uma pessoa: Emicida. Ele mal havia saído do palco na quinta-feira quando recebeu a incumbência de encerrar o festival no lugar do Foo Fighters. E não apenas encerrar, mas também garantir que a presença luminosa de Taylor Hawkins estivesse ali, junto dos fãs. Minutos antes do show começar, Perry Farrel surgiu no telão, emocionado, falando sobre o amigo que a música lhe deu. Em seguida, Etty Lau, esposa de Perry, trouxe algo de quebrar o coração: a última mensagem de voz enviada por Taylor, provavelmente instantes antes de morrer, já no hotel, na quinta-feira. “Nos vemos em São Paulo”. Quando um artista morre, é como se uma luz que nos ilumina se apagasse. Mas a morte de Taylor Hawkins tem um contexto ainda mais triste: ele se preparava para tocar, após anos sem poder encontrar os fãs. Estava feliz e havia encontrado uma fã paraguaia de apenas nove anos antes de morrer. Deixou uma das maiores bandas do mundo totalmente abalada. Não sabemos o que vai acontecer com o Foo Fighters.

B Negão e Marcelo D2 à frente do Planet Hemp

E como fazer jus à essa trajetória? O festival exibiu um vídeo de Taylor trocando de lugar com Dave Ghrol para tocar “Cold Day In The Sun”, no primeiro Lollapalooza, há mais de 10 anos. Então, a banda de Emicida surgiu no palco cantando uma versão guitarras e voz de “My Hero”, sucesso da banda. O rapper lembrou que, quando queriam homenagear alguém durante as batalhas de rap na São Bento, os rappers faziam aquilo que sabem de melhor: barulho. Para celebrar Taylor, o que se seguiu foi uma noite de muito barulho. Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Djonga, Mano Brown, Ice Blue e Rael se juntaram na primeira parte do show para desfilarem vários de seus clássicos. Depois, o Planet Hemp chegou explodindo a parte final da noite. Mostrou música nova, junto com o Criolo, que vai ser lançada no segundo semestre. É tanta informação e potência dessa banda que é difícil resumir em poucas palavras. Os vídeos ficarão de prova da potência política e emocional que o Planet foi para os presentes.

Ego Kill Talent

Apesar da tragédia imensa da perda de Taylor, um fato ficou evidente: o de que o Lollapalooza Brasil precisa de headliners nacionais. Temos por aqui artistas que arrebatam multidões e fazem história no palco. Não é a toa que o show de Pabllo Vittar foi atacado pela extrema direita e isso só aconteceu porque ele foi relevante. E a ironia maior: se Anitta estivesse sido escalada, o Lollapalooza teria o show da artista mais tocada no mundo nesse fim de semana. Coube a ela fazer uma ponta luxuosa no show da Miley Cyrus. Passados os três dias de festival, que contou com a presença de 302.235 pessoas, as emoções ainda estão fortes. O que vem pela frente? Como será o Lollapalooza de 2023? Como nós estaremos? Há um ano, não sabíamos que estaríamos lá. Resistimos pelo amor à música. E iremos onde ele continuar nos levando.

 Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.

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