entrevista por João Paulo Barreto
Segunda de uma série de 9 entrevistas sobre o Mercado Cinéfilo de Mídia Física n Brasil
Com quase 20 anos de experiência dentro do mercado de mídia física, Fernando Alves começa nossa conversa rememorando seus dias como camelô no começo dos anos 2000. Junto com seu pai, no Centro de São Paulo, Fernando trabalhou por anos vendendo filmes em DVD. Angariou experiência de conhecer o gosto do seu público. Após um tempo, resolveu investir na internet, aderindo às vendas em sites de market place. Não demorou muito para montar a The Originals.
A paixão pelo colecionismo de filmes, por memorabilia relacionada a Cinema, bem como gift sets e edições especiais, o ajudou bastante na visão de mercado construindo sua loja própria. Em um 2020 como ano de virada para esse mesmo mercado que andava combalido, entrou na parte de acesso aos filmes exclusivos lançados. De cara, trouxe os dois filmaços de Jordan Peele, “Corra!” e “Nós”, ambos inéditos em blu-ray no Brasil. Após isso, outros lançamentos exclusivos vieram e uma maior aproximação junto ao seu cliente, através de redes sociais, lives e entrevistas como essa ao Scream & Yell.
No papo, Fernando aprofunda sua impressão de um mercado que merece atenção e fala do modo como ainda surpreende pessoas reféns do streaming e que lhe perguntam com o que ele trabalha. Confira!
https://www.theoriginals.com.br/
Fernando, como se deu a sua entrada nesse mercado de venda de filmes?
Sou lojista desde 2003. Comecei com uma loja com meu pai. Ele continua com essa loja até hoje. Fica no Centro de São Paulo. Chama-se Flávio DVDs. É uma pequena loja na Galeria. Nós começamos vendendo a rua, mesmo. Como camelô. Nós vendíamos DVDs usados. E aí acabou que tivemos a ideia de montar uma lojinha. Começamos o negócio e demos segmento. Veio a evolução da área, tecnologia, internet, começamos a trabalhar com Mercado Livre, marketplace. Daí eu acabei saindo e meu pai ficou com a loja. Foi nesse ponto que decidi montar a The Originals. Meu pai ainda tem a loja até hoje na Galeria. Aquilo ali é a vida dele.
Você já era colecionador ou mantinha um foco estritamente profissional com esse tipo de mercado?
Eu sempre fui cinéfilo. Adoro filmes, adoro séries. E coleciono não só filmes, mas também giftsets. Gosto de edições especiais. São muitas coisas relacionadas a filmes que coleciono. Por exemplo, bonecos de action figure, carrinhos, pôsteres. Gosto de colecionar tudo relacionado a filmes, não especificamente só a mídia.
Juntar uma paixão ou hobby com o trabalho facilita? Ou pode te fazer cansar de um ou de outro?
Não, de modo algum. Isso faz a luta ficar maior, porque aí é que você não quer que ocorram situações como a que está acontecendo com a Disney agora. O prazer em fazer o negócio prosperar fica maior ainda. Fica mais prazeroso. Às vezes, torna-se um pouco mais cansativo que o normal, mas o prazer é grande. Você quer dar continuidade.
Eu percebo uma grande proximidade entre as distribuidoras e lojistas de mídia física com as pessoas que colecionam os produtos. Sendo uma paixão que move tantas pessoas, observar que daquele outro lado há seres humanos, e que esse contato em grupos, em fóruns e em redes sociais é um caminho viável para o negócio prosperar, se torna algo crucial. Qual sua opinião sobre esse modelo de mercado?
É muito legal isso. Você ter um feeling muito próximo com o colecionador, porque é justamente isso que você falou. É o ser humano do outro lado. Você está lidando com sentimentos, com toda a essência da pessoa. E o que dá mais prazer ainda, no meu caso, por ser um cinéfilo, por adorar colecionar, é poder ter essas pessoas como clientes. Levar alegria para a casa delas. Isso aí é muito importante. Claro, não sou hipócrita. Claro que quero ver o meu lado financeiro. Mas são coisas, também, que não têm preço. É fantástico você ver nos stories do Instagram, por exemplo, as pessoas postando quando recebem os produtos. Dando parabéns para a gente pelo lançamento. Falando sobre aquela felicidade. Isso são coisas que, para o ser humano receber em troca, é de uma alegria intensa. E para nós, lojistas, o Fabio (Martins, dono da FAMDVD) pode confirmar, é um risco muito grande os lançamentos exclusivos que nós fazemos hoje para ter essa intensidade. Para fazer chegar esses títulos aos colecionadores. E não podemos errar muito porque somos empresas pequenas. Não temos margem para erro. Mas cada acerto que temos, traz um prazer gigante. Não tem o que dimensione você ver as pessoas agradecendo o que a loja fez por elas como colecionadores. Ainda mais em um momento de dificuldade, com essa pandemia, você poder trazer o mínimo de alegria para as pessoas.
Você citou os exclusivos trazidos pela The Originals, títulos como “Corra!”, “Nós”, “Ex Machina”, e sobre esse risco relacionado a errar no lançamento de algo que pode não ter saída. Quais são os critérios adotados por você nessas escolhas?
Um pouco do critério que sigo, com essa experiência de mercado que tenho desde 2003, é que eu sei os filmes que eram muito buscados na era do DVD. Como isso funcionava como sendo os critérios dos clientes, e o que eu imagino que aquelas pessoas gostavam. Hoje, vejo que a maioria do meu público é da minha idade, 40, 42 anos. Seria algo de 35 a 55 anos a média de público. São pessoas da década de 1980, 1990, e que, também, foram meus clientes na época do DVD. Agora, esses mesmos clientes são pessoas que têm afinidade com blu-ray. Têm seus aparelhos em casa. Uma tecnologia melhor. Muitas dessas pessoas, hoje, já tem uma condição melhor para investir nas suas coleções. Eu sigo muito nisso daí. Do que era muito vendável, do que eu e outras pessoas gostavam muito na época, também. E tem também aquela coisa da curadoria, de focar em nomes famosos, em séries e filmes cultuados. Vamos analisando ponto a ponto para se chegar ao título correto. Junto às distribuidoras, nós não temos informações internas nenhuma. Quando nós começamos, o Fabio com “A Bruxa”, na FAMDVD, e eu com o “Corra!”, na The Originals, a gente enviava e via se tinha a possibilidade. Você não tem uma listagem, você não tem nada. Você tem que tentar o título, rezar para ter uma master brasileira, nacional, para poder ser lançado. Para você ter uma ideia, nós mandamos 30 títulos. Quando volta a resposta, tem apenas dois.
Como funciona esse processo de aquisição dos direitos para os lançamentos aqui no Brasil?
Tem dois segmentos. Tem a compra no exterior dos direitos com os proprietários. E tem a fabricação com a majors aqui do Brasil. Fabricação com as majors do Brasil, você vai e faz a proposta do título. Eles fazem a venda geral, com uma quantidade mínima e você tem que trabalhar com aquilo lá. Todo risco é seu. Ponto final. No exterior, você compra os direitos, paga em dólar, paga o imposto de renda, tem a Condecine no Brasil para você pagar. Tem uma série de fatores que é muito mais trabalhoso. É o caso do Valmir (Fernandes, da Obras Primas do Cinema); do André (Melo, da Versátil), que trazem muitos direitos do exterior. São duas vertentes diferentes para se conseguir os direitos. As duas tão complicada quanto em relação às negociações. Isso porque o contato é sempre muito difícil. Sempre é algo muito difícil. Esse é um grande problema, hoje. O contato com as empresas. Você não tem tanta abertura. Eu não sei para os gigantes das majors como que funciona esse processo, mas com nós, pequenos, é sempre muito difícil.
As tiragens que a The Originals trabalha ficam em qual número? Quais os desafios em relação a esses riscos para se manter a loja funcionando?
O número fixo de tiragem é sempre mil. Daí para frente, é uma opção de quem está adquirindo. Mas a tiragem que saímos aqui na The Originals é de mil unidades. Por isso que falo que não pode arriscar muito, porque o custo é altíssimo. Se você errar dois ou três produtos, te complica uma organização do resto do ano. Não tem muita margem para erro. Vou lhe ser sincero. Às vezes, esse é o nosso grande problema, e muitos colecionadores não entendem, e falam: “Mas o cara está fazendo, está lançando, coloca um preço um pouco maior”. Todo o risco somos nós que corremos. Somos nós quem absorvemos as opções que oferecemos no site, como parcelamento em 12x sem juros, frete grátis. Aí vem as devoluções dos Correios. Agora, com esse problema de pandemia, os correios atrasando entregas, alguns clientes procuram o código do consumidor. Eu sou obrigado a devolver dinheiro. Então, tudo isso, você tem que pôr no custo de uma empresa. E ainda colocar a margem de erro do produto. Não quer dizer que você vai lançar um filme que é famosíssimo e que as pessoas vão gostar. Então, é uma conta muito sistemática essa daí. Para você chegar a um número que lhe permita continuar trabalhando com lançamentos futuros.
Acontecem muitos casos de devolução?
Sim. Acontece bastante. Recentemente, com um cliente de Fortaleza, o pedido dele se perdeu no fluxo postal. Não foi nada por demora. O dele se perdeu no fluxo postal. Mas, imagine só, R$950 em um pedido. E eu tive que fazer a devolução. Enviei o que eu tinha de novo, e o resto eu fui obrigado a ressarcir o rapaz. Não tem mais o que ser feito. E o prejuízo ficou para a loja. Esse rapaz foi um PAC. Eu poderia ter colocado no seguro, mas o seguro aumenta bastante o frete. Se eu for implantar esse seguro no frete e cobrar do cliente, o cliente vai falar: “mais R$27 de frete? Mais R$30 de frete?” Pode gerar esse problema. É uma sinuca de bico. Só que é uma coisa que tenho que ver com os Correios. Se eu pago por um serviço com os Correios, eles têm que me prestar um bom serviço. Teve um rapaz de Belém do Pará, também, com um pedido de R$150. Isso são prejuízos que as lojas absorvem. E você tem que colocar no seu fluxo essa margem de erro para você poder trabalhar. Porque não tem jeito. Isso complica muito. E nós enviamos pelos Correios. Geralmente é PAC ou outros produtos dos Correios que demoram um pouco mais. Às vezes, os Correios anunciam que o prazo são sete dias úteis, mas entregam após 60 dias. Podemos explicar que é devido aos problemas da pandemia, mas tem pessoas que não aceitam. E eles têm a razão deles, também. Tem o Código de Defesa do Consumidor por trás. E nós não podemos fazer nada. Você é obrigado a seguir as regras. Não tem o que ser feito. Você depende da paciência do colecionador que está do outro lado. Muitas pessoas colocam a culpa em nós, lojistas. Mas a culpa não é nossa. Se você fizer um pedido hoje, e não for uma pré venda, amanhã já está sendo postado. Só que, infelizmente, dependemos de terceiros. Não tem o que ser feito. E se o colecionador não tiver um pouco de paciência conosco, a conta acaba não fechando para nós no final.
Como tem funcionado com as transportadoras?
Implementei a JadLog e a Azul. As duas já estão no site. Fiz um contrato com elas há 10 dias, mais ou menos (N.E. Entrevista feita em 07/09/2020). Tem tido bastante procura principalmente pela JadLog. O pessoal está abdicando dos Correios e pedindo por transportadora. Tem tido um resultado melhor, tenho percebido. Você vê que, pela transportadora, muitos colecionadores preferem por causa da certeza da rapidez. A certeza de chegar o produto em perfeitas condições. O custo é um pouquinho mais caro que os Correios, para quem está contratando um serviço. As pessoas querem um serviço de qualidade. Às vezes, um pouquinho a mais e a qualidade ser melhor, é mais vantagem.
É notória a agressividade da Amazon no mercado, junto com os valores de produtos, facilidades de pagamento, fidelização. Como é para uma loja com a The Originals esbarrar em uma multinacional como a Amazon?
Nós não esbarramos na Amazon. Nós esbarramos nos nossos fornecedores que não nos dão condições iguais de concorrência. É onde está o ponto da história. Se nós tivéssemos condições iguais de concorrência como todos os grandes têm, talvez não seria uma discrepância tão grande quanto é hoje. Mesmo a Amazon trabalhando com o Prime, frete grátis e com o desconto que ela dá. Só que nós não temos nada dos benefícios que eles têm junto às distribuidoras. A distribuidora, para nós, é aquele nosso descontinho básico lá e até logo. Boa sorte. Se der certo, deu. Se não der, até logo. Eu sei que a conta dos caras é infinitamente maior que a nossa. Só que, assim, se você não deixar as pequenas crescerem, quando que eu vou ter condição de ser pelo menos o “A” de Amazon? Nem isso eu vou conseguir ser na minha vida. Por que? Porque as próprias distribuidoras não me dão essa condição. É o que te falo em relação aos exclusivos. Se não explodisse esse segmento novo, a Amazon já teria fechado todas essas lojas pequenas. Porque ninguém ia conseguir concorrer com ela trabalhando os mesmos títulos. Então, o que está nos segurando são os lançamentos exclusivos. Para poder concorrer um pouco com essas gigantes. Quem quiser os títulos A que tem na The Originals, vai ter que comprar lá. Para ter o frete grátis, ele pode complementar com algum título que tenha sido lançado pela Warner, ou pela Universal ou pela Versátil, e que também está disponível na The Originals. Assim ele garante esse benefício. Temos essa vantagem. Se não tivessem os exclusivos, jamais teríamos esses clientes. Pessoal vai onde tem a melhoria para eles. O cliente busca vantagens. A pessoa vai onde tem esse privilégio. Agora, tem que perceber que a Amazon entra dando o produto de graça para fidelizar o consumidor. Só que na hora que não tiver mais as lojas menores para equalizar o preço e a Amazon quiser colocar o preço que ela quiser, você vai fazer o que? O mercado predatório é isso. Os caras vêm, engolem todos os pequenos, e depois eles fazem o que quiser do mercado. É o mercado predatório.
Como funciona para vocês a possibilidade de dar ao cliente as opções de 12x sem juros nas compras? Há uma alíquota maior de imposto? Quais são as dificuldades atreladas?
O imposto é o mesmo, mas o que dificulta muito é que nós temos que segurar os 12 meses para receber as parcelas. Então, às vezes com o exclusivo, eu tenho que pagar 50% à vista. O restante eu pago em mais duas vezes. Eu só vou receber o dinheiro de um exclusivo em 12 meses. Os Correios eu tenho que pagar à vista. Eu vou receber esse frete em 12 meses. É uma conta complicada para você fazer fechar, porque você tem que ter um capital de giro para poder conseguir equalizar as suas contas. Porque se você não der esse privilégio para os clientes, ninguém chega à sua loja. Para fechar essa conta, é complicado. É muito difícil. É um privilégio que nós damos aos clientes, mas temos que fazer uma logística por trás para fechar a conta no fim do mês. Uma logística que é gigante. Porque o prazo máximo que nós temos de uma distribuidora, máximo mesmo, são três parcelas. Quando não tem que se pagar igual aos exclusivos, que geralmente custam 50% a 60% à vista. Se eu fosse antecipar esse valor dos parcelamentos que ofereço nos produtos, a conta não fecharia. Aí não tinha como vender. Porque descontaria algo em torno de 16% do valor final do produto. Seria como dar de graça. Não ganharia nada. Distribuidoras que não oferecem essa opção em mais vezes sem juros são diferentes, pois elas têm o próprio e-commerce delas. Têm também muitos títulos próprios. Então, conseguem equalizar essa conta dentro da distribuição delas. Eu não tenho a distribuição. Só tenho a loja. Não consigo fazer a mesma logística, porque, no caso delas, já tem a distribuição externa delas para os lojistas pequenos.
Há algum planejamento para a The Originals trazer títulos inéditos no Brasil com negociações diretas com detentores de direitos em outros países?
Eu ainda não busquei filmes no exterior no sentido de fazer a autoração no Brasil porque o custo é mais alto. E é um processo que demanda bastante tempo. Você tem que ter um projeto que demora muito mais para se concretizar. É uma operação que, para fechar a conta nesse capital de giro que a gente tem, ela tem que disponibilizar de um dinheiro hoje para ficar parado em um projeto de três a quatro meses. Para mim, hoje, eu tenho essa dificuldade de poder buscar um título para fazer um trabalho, por exemplo, igual ao da Versátil, igual ao da Obras Primas. Porque não dá para disponibilizar de um capital e ficar parado nesse momento. Mas, vendo o futuro do que está acontecendo com a Disney, deixando o mercado de mídia, se outras distribuidoras começarem a querer sair do Brasil, nós vamos ter que fazer essa equalização. Buscar os direitos fora para começar a produzir aqui dentro. Vai acabar não tendo como fugir disso daí.
Você citou a Disney neste momento, e eu queria perguntar sua opinião como varejista, como alguém que trouxe diversos títulos exclusivos, como alguém que ajudou a compor esse momento atual para a mídia física no Brasil, para você é um tiro no pé esta decisão da Disney em não mais investir nesse mercado?
Para mim, sim. A Disney deu um tiro no pé. Porque cada segmento é o seu segmento. O streaming tem seus clientes. Vai ter o colecionador que vai adquirir o streaming. Vai ver que o filme é bom e vai querer tê-lo na sua coleção. E ele não vai deixar de ser assinante, de repente, do canal Disney+. Para mim, o que eles fizeram não dá para entender muito bem. A não ser que a mídia física estivesse dando muito prejuízo para eles. Não entendo qual é o tipo de conta que é feita lá fora. Cada segmento tem o seu público. Havendo novidades, vai ter continuidade. Não tem como parar. É o que falei agora. Se não tiver a Disney, se não tiver ninguém, vamos ter que procurar direitos no exterior para se produzir os títulos aqui. Não tem o que ser feito. Não pode parar o mercado. O mercado tem que prosperar. Eu acho que eles quiseram fazer um efeito predatório para tentar fazer as pessoas adquirirem o canal Disney+, mas eles só cortaram um segmento que, para mim, não ia influenciar em nada no que eles estavam fazendo. Ia apenas dar continuidade. Porque a pessoa que for assistir ao “Mulan” e não gostar, daqui a seis meses não vai assistir mais, e eles vão fazer igual a Netflix: cortar do canal porque dá prejuízo. A não ser que eles venham a prosperar todos os filmes deles no canal. Eu não sei como isso vai funcionar. Mas se for igual a uma Netflix, daqui a seis meses já saiu. E aquelas 500 pessoas que gostaram do produto? Não poderia ter em mídia física com esse produto à venda, também? Então, não entendi essa logística deles.
Sim, de fato, não faz muito sentido. Principalmente observando que o filme “Mulan” foi anunciado para compra no streaming por R$112,90.
É meio absurdo (risos). Não tem lógica. E ainda tem a assinatura do canal para você pagar mensal, assistir por não sei quanto tempo que vá ficar disponível, e depois tiram do ar. Esse valor aí não está muito bem explicado como vai funcionar. Mas a pessoa tem o cinema para ver os títulos. Além de tudo, temos outras opções. Porque se a Disney se tornar inviável, a pessoa vai assistir ao filme da Universal, da Paramount, da Warner, da Sony. Todo um leque de filmes para assistir. Não necessariamente ela tem que ficar escrava da Disney apenas por causa de um único filme. Ela tem um leque de opções. Eles poderiam ter aberto com todos os canais juntos, com a mídia física junto, e posteriormente verificar se a mídia física, comprovadamente, não seria mais viável a eles. Ou até verificar se não seria viável equalizar ao Disney+, lançando a mídia física junto para quem quisesse comprar. Eles não deram nem essa chance de tentar equalizar.
Você citou esse movimento da Disney como um teste até para outras distribuidoras estudarem, também, deixarem o mercado da mídia física. Você acha possível isso acontecer?
Eu, sinceramente, tenho quase certeza de que, se der certo com a Disney+, vai acontecer a mesma coisa com a Warner e outras. Porque todo mundo copia todo mundo. Deu certo com uma, vamos fazer também. Ela pode ter dado um tiro no pé, mas se der certo, pode ser que leve outros a fazerem o mesmo. É como eu disse, eu estou vendo um futuro do segmento da seguinte forma: hoje estamos praticamente nos tornando lojistas distribuidores. Somos os distribuidores diretos com o consumidor final. E eu estou percebendo que, cada vez mais, o futuro vai ser isso. As próprias lojas irem comprando seus títulos e se tornando distribuidoras para o consumidor final, fazendo suas produções, buscando direitos. Para o consumidor e colecionador, pode ser ruim, porque, mesmo os grandes lançamentos vão ficar difíceis sair na mídia física. Por exemplo, se a Warner parar de lançar mídia física, o “Liga da Justiça 2” iria para o streaming porque ninguém aqui ia conseguir adquirir os direitos de um filme como esse. A não ser que venha a Amazon e diga que vai pagar para sair no Brasil. Mas os pequenos terão somente essa leva de catálogo, porque ninguém vai ter condições, caso ocorra isso, de adquirir um mega lançamento. Então, é importante que as majors continuem aqui. Nomes como Warner, Paramount, Sony. Porque os principais lançamentos tem que sair por eles. Para, também, dar aquele boom de mercado, aquele chacoalhar, quando sair um título como esse.
Qual a sua opinião em relação ao que aconteceu com a Livraria Cultura e Saraiva no que se refere à recuperação judicial?
O que aconteceu com a Saraiva e com a Cultura ocorre muito com relação ao que a Amazon faz hoje, também. Nós, lojistas menores, estarmos à frente dos nossos negócios é muito importante. A recuperação judicial traz essa reflexão. Tem que ter uma margem de preço, mas, também, um cálculo de por quanto você pode vender aquele produto. Como disse a economista na live do BJC, a Amazon dá o filme de graça para chamar o cliente para ela. Ela perde dinheiro para chamar clientes. A Saraiva e a Cultura tinham uma política agressiva de preço, também. Mas será que essa política de preço agressiva estava sendo bem calculada? Estava com a margem correta de vendas? Estava tudo sendo feito corretamente? Eu via a política deles meio como a da Amazon que está ocorrendo agora. Só que a diferença é que a Amazon é mundial. É incomparável com qualquer loja do Brasil. Mas eu, sendo lojista, e eu vejo o Fábio (Martins), dono da FAMDVD, e outros, as contas que nós fazemos é para equalizar nossos negócios para não chegar a um extremo como esse da Cultura e Saraiva.
Essa pauta de levantar em entrevistas um panorama para o mercado da mídia física no Brasil surgiu a partir de tentativas minhas de contatar assessorias de imprensa dos fabricantes de players para falar acerca da ausência de novos aparelhos sendo fabricados no Brasil. A partir da petição lançada pedindo essa volta da fabricação, criei a pauta, mas além de não ter tido respostas de alguns fabricantes, também recebi o não de marcas como Samsung e LG. No seu ponto de vista, há uma viabilidade desse retorno da fabricação no Brasil?
Grande parte do declínio do mercado, hoje, é devido a falta de fabricação dos aparelhos. Tenho muitos clientes de DVD, hoje, que me pedem para lançar os produtos em DVD, também. Isso porque eles não têm o aparelho de blu-ray. Quando parou de fabricar o aparelho de blu-ray, não parou de fabricar o DVD. Fizeram o contrário, sendo que o aparelho de blu-ray roda o disco de DVD e também o disco de blu-ray. Não entendi essa lógica. Foi uma coisa que fizeram e que não teve sentido para o mercado. Se tivessem mantido o aparelho de blu-ray, olha, eu vou te falar, nessa pandemia, com as pessoas em casa, com seu aparelho, assistindo aos filmes na mídia física. As redes sociais informando o que está ocorrendo em relação aos lançamentos, as lojas lançando títulos que as pessoas viram 20 anos atrás, eu tenho certeza que teria dado um boom de vendas de aparelhos que nem eles acreditariam no quanto teria vendido. Nem eles acreditariam! Tenho certeza absoluta disso. Só que eles declinaram o aparelho errado. Esse foi o problema. Ao invés deles fazerem um dois em um, ele fizeram o um com um só. Eu queria saber quem foi o gênio tecnológico que, sabendo que o blu-ray player rodava DVD também, parou com a fabricação do blu-ray pra fabricar só DVD. Não tem lógica nenhuma. Aí você vai ver, hoje, 90% dos laptops saem com blu-ray. Os notebooks saem com leitor de blu-ray. Então, não dá pra entender a lógica. Quer dizer, para os aparelhos tecnológicos, de ponta, saem com blu-ray. Mas para a pessoa ter em casa e conseguir ler uma mídia, não pode? Não tem sentido. Hoje, um caminho mais barato que um videogame é a pessoa ter um notebook com blu-ray para poder ligar na sua televisão. É um caminho mais em conta. Nesse período de pandemia, acho que se anunciassem que iam vender por um valor justo, R$300 ou R$400, um aparelho sem ser 4K, teria vendido muito. O pessoal poderia voltar a assistir seus produtos, seus filmes. Até aqueles que têm um DVD em casa e querem começar a colecionar blu-ray, já comprariam o aparelho para, se fosse o caso, começar a sua coleção dali para frente em blu-ray. Só em observar o que recebo de mensagens para lançar em DVD o que eu estou lançando em blu-ray. Se todas essas as pessoas adquirissem um aparelho de blu-ray. Olha, só de clientes da minha loja, 400 a 500 pessoas teriam comprado o aparelho de blu-ray. Isso só na The Originals. Você imagina com as outras lojas, o quanto não teriam vendido já. Sinceramente, tem uns gênios que a gente não consegue saber de que lâmpada eles saem (risos). Mas, ao mesmo tempo, para nós lojistas, dá medo em lançar nas duas mídias. Mas e aí? Será que o produto supre, não supre? É complicado. Eu tenho certeza que se tivessem dado continuidade da fabricação de players de blu-ray ao invés de só players de DVD, hoje só se teria fabricação de blu-ray. Não se teria a fabricação de mídia de DVD nos lançamentos. Isso foi uma coisa que o mercado, aqui, errou. As próprias distribuidoras não tiveram um contato legal com as empresas fabricantes de aparelhos blu-ray. Buscar dar força a um segmento que eles queriam implantar no país. Continuou lançando as duas linhas e o blu-ray, na época, tinha um preço excessivo. Os aparelhos, logo no lançamento, eram bem caros, também. As próprias distribuidoras de filmes deram uma forçada nisso. A gente culpa as empresas, mas as majors deram uma forçada.
Hoje temos uma média de preços que varia entre R$29,90 e R$69,90 para lançamentos simples. Há uma frase bem pertinente que o Fabio Martins disse em uma live que aborda essa questão dos valores dos filmes em mídia física: “R$29,90 é o novo R$9,90”, referindo-se à incapacidade de se manter uma margem de lucro para as lojas menores competirem com uma gigante tal qual a Amazon. Dentro da sua perspectiva de mercado, qual a faixa de preço saudável visando a perenidade deste varejo?
Sobre os valores de lançamento, eu acho que essa faixa entre R$29,90 e R$49,90 está dentro do preço ideal para uma mídia. Para a pessoa que consegue trabalhar, consegue ter seus filmes comprados, até podendo parcelar as compras para ter os produtos na coleção.
Sim. Principalmente se observarmos o custo alto que é para se fazer um disco de blu-ray.
Sim. Não tem condições. Principalmente o pessoal que pega os direitos lá fora, que vai vir com imposto de renda, em dólar, há uma série de agregados que vem chegando junto e que na conta final fica um valor alto. E não tem parcelamento, não tem outras opções de pagamento para quem adquire. Você pega as mídias mais caras que são produtos realmente de luxo, especiais, como faz a Obras Primas, como faz a Versátil, são os produtos mais aprimorados. Estes produtos realmente têm um custo muito alto para as próprias empresas fabricarem. E por ser uma atividade que não é tão grande, você não consegue equalizar para fazer um preço melhor. Isso aí a gente é consciente. O preço dessas edições especiais é bem justo.
É perceptível uma proximidade entre lojas como a sua, a FAMDVD, a Versátil, a Obras Primas, a CPC UMES Filmes. E isso é algo único dentro de um mercado de colecionismo. É louvável esse diálogo entre as empresas, cria uma maneira de fazer negócio na qual ganha o colecionador e o varejista.
Sim, verdade. Hoje, nós acabamos que não nos tornamos lojistas. Nós somos fãs do mercado e que estamos propagando um movimento, vamos falar assim. Vamos fazer uma força para manter mais vivo por muitos anos. Se depender de nós, vai prosperar sempre. Nós somos “concorrentes inconcorrentes”, na verdade (risos). Não tem porque da gente discutir. De repente eu vou pegar um título, o cara pega um da Warner para complementar o frete, pega um da Versátil, da Obras Primas para complementar o frete. Nós somos lojistas do mesmo ramo, com produtos diferentes, vamos falar assim. Porque o título que eu lancei, ele não vai lançar. O que ele lançou, eu não vou lançar. Na verdade, nossa briga cai muito nos bastidores. De repente, eu estou cotando um filme e o Fabio foi lá e cotou o mesmo filme. (risos)
E isso em um mercado que uma grande parte das pessoas acha que já não existe mais.
(risos) Hoje, quando converso com algumas pessoas e elas me perguntam com o que eu trabalho, respondo: “Eu tenho um site, vendo filmes em blu-ray e DVD”. As pessoas exclamam: “Ainda existe isso??” Eu sempre respondo: “E como existe! É um mercado grande ainda” (risos). “Eu sobrevivo disso! – Mas não é pirata? – “Não, não! De jeito nenhum! Original. Os clientes colecionam, colocam na prateleira, igual ao livro”. (risos)
Ah, escuto muito isso. Principalmente quando veem minhas prateleiras (risos).
Sim. Parece que a pessoa está vendo um bicho papão. E aí perguntam: “mas isso aqui é original, mesmo?” (risos) Tem gente que pergunta se é original. Imagina…
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.
Panorama do Mercado Cinéfilo de Mídia Física em 2020 no Brasil
01) Fábio Martins – Loja FAMDv
02) Fernando Luiz Alves – Loja The Originals
03) Classicline, 1Films e Vídeo Pérola
04) Valmir Fernandes (Obras Primas do Cinema)
05) Igor Oliveira (CPC UMES Filmes)
06) Daniel Herculano (Clube Box)
07) Gleisson Dias (Rosebud Club)
08) André Melo e Fernando Brito (Versátil)
09) Juliano Vasconcellos e Celso Menezes (Blog do Jotacê)