10 discos que são pérolas raras do Rock Brasil anos 80

por Marcelo Costa

Na semana passada listei 10 grandes discos de 1985 que tiveram grandes vendagens e marcaram o período. Porém, a década de 80 foi muito mais ampla, com uma dezena (talvez uma centena) de grupos cravando um único hit nas paradas, gente como Eletrodomésticos, responsáveis pelo sucesso radiofônico “Choveu no Meu Chip”; ou o octeto carioca Espírito da Coisa, que fez sucesso com a música “Ligeiramente Grávida”; ou ainda o trio vocal feminino Afrodite Se Quiser? com a música “O Que Que Ela Tem Que Eu Não Tenho?”, e muito mais.

Ainda assim, entre bandas que cravaram dezenas de hits nas paradas e one-hit-wonders que sacudiram verões brasileiros dos anos 80, um grupo de artistas passou despercebido por rádios e TVs, mesmo lançando discos seminais para o período, álbuns que foram elogiados pela crítica da época, apareceram em listas de melhores do ano, mas não tiveram vendagem e repercussão no nível de sua importância. A lista abaixo reúne 10 destes discos clássicos do rock brasileiro dos anos 80, que continuam excelentes mais de duas décadas depois.

-“Kid Vinil e os Heróis do Brasil”, Kid Vinil e os Heróis do Brasil (1986)
Kid Vinil cravou hits à frente do Magazine (“Adivinhão”, “Tic Tic Nervoso”, “Eu Sou Boy”), banda que implodiu em 1985 devido ao enorme sucesso. Em 1986 ele surgia acompanhado pelos Heróis do Brasil, quarteto que trazia à frente o guitarrista André Christovam e que lançou apenas este grande debute produzido por Roberto Carvalho e lançado pelo selo 3M. São nove rocks viciantes: da excelente abertura com “Sem Whisky & Sem My Baby” passando por poderosas versões de “Everbody’s Moving” (vertida para “Conta da Light”) e “Lost Highway” (“Trilha da Perdição”) e grandes canções como “Fútil Rock’n Roll” (com Rita Lee nos backings), “Independência ou Morte” (do hilário refrão “Meu bem, eu preferia morrer / A ter que me casar com você”) e “Assassinato Anônimo”, que conta com a harmônica de Tony Osanah.

Onde ouvir: Acima no Youtube. O único disco de Kid Vinil e os Heróis do Brasil nunca foi lançado em CD nem digitalmente, mas circula pela web em versão ripada do… vinil. Vale muito a busca.


– “Papaparty”, DeFalla (1987)
Provavelmente a cult band mais amada do período, o insucesso do quarteto gaúcho DeFalla na época é constantemente atribuído a sua própria inteligência: tanto este maravilhoso debute quanto o segundo disco, mais “certinho” (dentro do jeito DeFalla de ser), são “acusados” de estar à frente do seu tempo. Enquanto as outras bandas brasileiras da época copiavam Smiths, Police, Gang of Four e outros, o DeFalla promovia uma anarquia sonora sem nenhum paralelo na música brasileira até então. Da abertura violenta com “Ferida” passando pelas chapadas ligações entre uma música e outra, culminam hinos do caótico underground tupi como “Sodomia”, “Não Me Mande Flores”, “Sobre Amanhã”, “Alguma Coisa” e “Jo Jo”. Clássico. Após várias mudanças na formação, a banda retornou a ativa com a formação original em 2011, lançou o excelente “Monstro” em 2016 (além de fazer grandes shows) e encerrou novamente as atividades. Mas não perca o foco: vá atrás dessa pérola.

Onde ouvir: Também conhecido como “DeFalla”, o debute dos gaúchos passou anos mutilado em coletâneas, muitas delas cortando as vinhetas, mas reapareceu m players digitais completo em 2020, e ganhou um livro especial, “Sem Nenhuma Direção“, em 2021.


– “Nau”, Nau (1987)
Uma das bandas badaladas na noite paulistana na segunda metade dos anos 80 devido a força de seus shows, a Nau havia gravado duas faixas para a coletânea “Não São Paulo 2”, do selo Baratos Afins, em 1986, mas o vinil só saiu em 1987 (trazendo ainda outras três ótimas bandas: Gueto, 365 e Vultos), mesmo ano desta pungente estreia pela major RCA, produzida por Luiz Carlos Maluly (responsável pelo primeiro álbum do RPM). A banda unia o vocal marcante de Vange Leonel com os riffs cortantes da guitarra de Zique, ambos responsáveis por grande parte do material presente nesta estreia (completavam a formação Beto Birger no baixo e Mauro Sanches na bateria). “Novos Pesadelos”, “Barcas”, “Corpo Vadio” e “O Que Eu Quero é Você” mereciam ter tocado muito em rádios. A banda chegou a trabalhar no material para um segundo álbum, em 1988, mas o disco acabou engavetado na época, e só foi lançado 30 anos depois, em 2018.

Onde ouvir: Acima no Youtube. O álbum nunca foi relançado em CD nem em digital, mas circula pela web em versão ripada do vinil.


– “Trashland”, As Mercenárias (1987)
Tal como a Nau, As Mercenárias são remanescentes da cena pós punk paulistana da primeira metade dos anos 80. Também são responsáveis por boa parte da inspiração dos Titãs em “Cabeça Dinossauro”, que clonava temas como “Polícia”, “Santa Igreja”, “Inimigo” e “Pânico”, todos presentes em “Cadê As Armas?”, álbum independente lançado pela Baratos Afins em 1986. No ano seguinte, as garotas assinaram com a major EMI e, produzidas por Edgard Scandurra (membro de primeira hora da banda, tocando bateria), lançaram esse majestoso “Trashland”, que mostrava a maturidade do grupo. A faixa “Ação na Cidade” chegou a tocar nas rádios, mas não alavancou as vendas de um álbum intenso, que é aberto com a climática “Lembranças”, traz uma seleção dos “Provérbios do Inferno”, de William Blake, impecavelmente musicada, e grandes faixas como “Há Dez Anos Passados” e “Somos Milhões”. Em 2015, Sandra Coutinho liberou uma demo de 1983 da banda. Vale ir atrás.

Onde ouvir: Acima no Youtube. O álbum nunca foi relançado em CD nem em digital, mas circula pela web em versão ripada do vinil.


– “3 Lugares Diferentes”, Fellini (1987)
Uma anedota de bastidores dá conta da importância deste álbum: na votação dos Melhores Discos de 1986 realizada pela revista Bizz, a mais importante publicação musical brasileira do período, ele aparece em primeiro lugar empatado com “Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas”, dos Titãs (a estreia do DeFalla ficou em terceiro), mas consta que a votação foi “mexida”, e não a favor do Fellini, diz um personagem da época: “Tivemos que tirar uns pontos deles para o Titãs empatar”. Terceiro álbum independente do trio paulistano, também lançado pela Baratos Afins, este genial “3 Lugares Diferentes” tinha nenhuma chance nas paradas contra os álbuns lançados (e jabazados) pelas majors, o que diz mais sobre estratégia de marketing e vendas do que sobre qualidade. Pérolas como “Ambos Mundos”, “La Paz Song”, a pungente “Pai” mais “Zum Zum Zum Zazoeira” e “Teu Inglês” são absolutamente eternas.

Onde ouvir: No Bandcamp da banda: https://fellini.bandcamp.com. O álbum foi relançado em CD com faixas bônus e pode ser adquirido na loja e no site da Baratos Afins.


– “A Mão de Mao”, Metrô (1987)
Luiz Carlos Maluly, que assina a produção do disco da Nau e do RPM, também foi responsável pelo primeiro álbum do Metrô, “Olhar”, de 1985 – que cravou um punhado de hits nas paradas e implodiu a formação original da banda no auge, marcado pela saída da vocalista Virginie – e por esta segunda vinda do grupo, com o português Pedro Parq nos vocais. Lançado em 1987 pela gravadora CBS Records, o absolutamente surrealista “A Mão de Mao” satisfez a crítica, mas frustrou o público, que não entendeu as maluquices sonoras que levavam o Metrô a flertar com a psicodelia (a faixa título), o jazz (na maravilhosa “Atlântico, 07 de Novembro”) e o rock com toques indianos (“Boca”). O single “Gato Preto” (com mixagens diferentes no vinil da época e no relançamento em CD) tocou pouco em rádios, que também desconhecem a balada irrepreensível “Lágrimas Imóveis”.

Onde ouvir: O álbum foi relançado em CD no final dos anos 90 (esta fora de catálogo) e já está disponível em portais de streaming. Aprovado pela banda, o site www.metrobr.com,  também oferece o disco inteiro (e outras raridades do Metrô) em MP3.


– “Eu Sou o Rio”, Black Future (1988)
Do underground da Lapa para lugar nenhum, o Black Future debutou oficialmente pelo selo Plug, da major BMG, em 1988, com este poderoso manifesto carioca, um coquetel de samba noise que pouco tem a ver com a Cidade Maravilhosa desenhada pela Bossa Nova e pela MPB dos anos 60 e 70. Já na faixa título, com repiques de escola de samba na introdução, batidas a la Cabaret Voltaire e linha de baixo a PIL, Márcio Satanésio Bandeira desfila uma letra apoteótica: “Eu sou o Rio da caipirinha e do sol (…) Eu sou o Rio das favelas que fedem a mijo”. Boa parte da galera que participa deste Top 10 pessoal também participa do caos deste disco: Edu K e Biba Meira (DeFalla), Alex Antunes (Akira S. & As Garotas que Erraram), Ronaldo Pereira (Finis Africae), Edgard Scandurra (Ira!) e Thomas Pappon (Fellini) recheiam um álbum que credencia ainda faixas como “No Nights”, “Reflexão” e a niilista “Bem Depois”.

Onde ouvir: O álbum nunca foi relançado em CD nem em digital, mas circula pela web em versão ripada do vinil.


– “Supercarioca”, Picassos Falsos (1988)
Produzido pelo jornalista José Emilio Rondeau, “Picassos Falsos”, o debute do quarteto carioca lançado em 1987 pelo selo Plug, da RCA, trazia uma obra prima (“Carne e Osso”) e um semi-hit, “Quadrinhos”, mas não dá conta do potencial que o grupo poderia alcançar em estúdio, e que foi exposto em seu auge no segundo disco, “Supercarioca”, um álbum em que a banda radicaliza o conceito de misturar rock com música brasileira. Não a toa, “Retinas”, a canção que abre o álbum, é introduzida por voz e pandeiro, e logo recebe uma dose caprichada de microfonia. Durante o disco, riffs poderosos de guitarra (a cargo de Gustavo Corsi) duelam com o vocal marcante de Humberto Effe, responsável também pelas letras excelentes. Impecável do começo ao fim, “Supercarioca” destaca faixas poderosas como “Sangue”, “Bolero”, “Verões”, “O Homem Que Não Vendeu Sua Alma” e “Rio de Janeiro”. Essencial.

Onde ouvir: O álbum foi relançado em CD na coletânea “Hot 20” (fora de catálogo) junto com o primeiro álbum, e depois não só ganhou reedição isolada como também um especial em vídeo com a banda festejando em estúdio 25 anos de lançamento do disco.


– “Filme”, Último Número (1988)
Mais um da safra independente, desta vez de Minas Gerais, o Último Número debutou em 1986 pelo selo Cambio Negro com o belíssimo álbum “Strip-Tease da Alma”, que unia a poesia e o grande vocal de Gato Jair com os bons riffs de guitarra do garoto João Daniel Ulhoa, que deixaria a banda no ano seguinte para se dedicar ao grupo Sexo Explícito (e, depois, ao Pato Fu). Reformado como um quinteto, o Último Número conseguiu superar a ótima estreia neste brilhante segundo álbum, “Filme”, de 1988. A sonoridade é mais cheia, redonda e complexa. O vocal de Gato Jair brilha na maravilhosa faixa de abertura, “Desintoxicação”, na revisão de “Ars Longa Vita Brevis II” (presente no primeiro álbum, e muito mais encorpada aqui), na climática faixa título (que abre com o verso “Acossado e só, estou cansado de tudo que fiz / você é o sol lá em cima e não existe amor feliz”) e na ótima versão de “Come Together”, dos Beatles.

Onde ouvir: O álbum nunca foi relançado em CD nem em digital, mas circula pela web em versão ripada do vinil.


– “O disco dos mistérios ou 3 diabos e ½ ou Sexplícito visita o Sítio do Pica-Pau Amarelo ou tributo a H. Romeu Pinto”, Sexplícito (1991)
O correto seria citar nesta lista o álbum de estreia do Sexo Explícito, “Combustível para o Fogo”, lançado em 1989 pelo selo Eldorado, mas o preferido da casa é este segundo disco, de título quilométrico e muito mais palatável do que a histeria caótica da estreia (mas não deixe de ir atrás de “A Obra” e “Cuidado com Nixon”, duas do debute). Formado por John Ulhoa, Rubs Troll, Roger Bacoom e Marompas, o Sexplícito fez de seu segundo disco um “Greatest Hits” ignorado pelas rádios: a balada “Faca”, aqui na segunda versão acrescida dos teclados de Luiz Schiavon, é total trilha de novela. “O Filho Predileto do Rajneesh” foi regravada pelo Pato Fu no álbum “Isopor” (1999) e uma sobra de estúdio, “A Necrofilia da Arte”, apareceu no álbum “Televisão de Cachorro” (1998). Há mais: a levada pop com grande vocal de Rubs em “Bonanza Exorcista”, a ótima “Coisa Linda”, a sensacional “Speak Ou Morra” (que riff, que letra), a balada anti-alistamento “No Thanks” e, não presente no disco por veto de Prince, mas liberada no Soundcloud, “Sem Ninguém”, versão de “Purple Rain”. Clássico… e desconhecido.

Onde ouvir: O disco foi digitalizado no começo dos anos 2020 e está disponível em streaming, mas o Soundcloud da banda traz não só o disco na integra como raridades e versões de canções inéditas que acabaram entrando no repertório do Pato Fu: https://soundcloud.com/sexo-explicito.


Leia também:
– Rock Brasil, 10 Discos (Legião, RPM, Ira!, Ultraje, Sepultura), 30 Anos (leia aqui)
– Assista ao documentário sobre o disco “Rock Grande do Sul, 30 Anos” (leia aqui)
– O rock nacional anos 80 e a Censura Federal (Blitz, Lobão, Ultraje) (leia aqui)

35 thoughts on “10 discos que são pérolas raras do Rock Brasil anos 80

  1. PIcassos Falsos….tenho esse k7, demais…..procuro a Mão de Mao a décadas….Fellini….só coisa ótima….sem falar no Defalla.

  2. Boa lista mas faltou só aquele que talvez seja o melhor disco brasileiro da década de 80, Harry, Fairy Tales.

  3. Sou fã de listas. Tenho livros e revistas que são listas (1000 capas, 500 capas, 500 músicas, 500 artistas, 1001 discos, 1001 músicas, etc. etc. etc.) Neste caso, as citações de produção, participações, faixas favoritas, datas de lançamentos e relançamentos, disponibilidades físicas e virtuais, etc, etc. são informações enriquecedoras. Listas são especificamente personalizadas por aquele instante em que nasceram mais o DNA do criador. Por isso, não são “complementáveis” e nem “mutáveis”, depois de publicadas, já era (vide Rob Fleming). Esta é a lista de “10 pérolas raras do Rock Brasil anos 80” gerada por Marcelo Costa e com aquela data de nascimento. 10.

  4. Gostei tanto das resenhas na lista que depois de lida fui baixar os discos. Mas não consegui alguns. Porém algumas audições me decepcionaram bastante pela expectativa que criei. Fellini, Mercenárias e Nau não gostei dos álbuns. Já Picassos Falsos, Kid Vinil e DeFalla (único que já conhecia e tinha ouvido e que agora re-ouvi ) realmente muito bons e interessantes. Mas nenhum chegou perto do Sexplicito que achei o disco mais loucura, sujeira e diversão que ouvi em muito tempo.

    1. Nossa, acho os discos das Mercenárias e do Nau, sensacionais. Curioso como é a questão do gosto. O Fellini é uma banda que sempre brinquei dizendo que reunia os quatro primeiros discos e teríamos uma boa coletânea. Sempre os achei muito superestimados pelo bairrismo paulista da época. O primeiro das Mercenárias também é uma obra prima.

  5. Mas as cobranças são legais, Juni. O primeiro do Violeta; “Fairy Tales”, do Harry; “Corredor Polonês”, da Patife Band; a estreia do Hojerizah e o segundo do Hanoi Hanoi (“Fanzine”, um disco que adoro), poderiam fácil frequentar a lista acima. Acaba ampliando o alcance: era uma lista de 10 álbuns e já estamos com 15 🙂

  6. Adoro listas. As vezes concordo e outras discordo, entretanto, sempre me chamam a atenção pra algo que não tinha percebido ainda.
    Sou mega fã do Supercarioca do Picassos Falsos e Mão de Mao do Metrô. Do Defalla prefiro o Kingbullshit e o 2º disco. Outro que não está na lista mais que amo é o “Em toda parte” do Violeta de Outono (gosto muito, muito, muito mais do que o primeiro).

    1. a questão é que nenhum outro disco do Defalla tem ‘não me mande flores’, a canção definitiva deles. Aquela que se eles só tivessem composto essa já os reservaria um lugar na história

  7. Rapaz, sou fã do “Wombs in Rage” (1990), do Úteros em Fúria. Discaço com sabor de anos 80, mas com lançamento ligeiramente postergado para 1990.

    Mas esse do Sexplícito realmente é unanimidade. Sou doido atrás do vinil dele.

    Parabéns pela lista!!

    1. A minha lista, Johann. Se a lista fosse sua teria May East, Violeta de Outono e Harry no lugar de outros três, e eu não diria que você estaria louco, mas que sim seria uma lista respeitável porque tenho os discos da May East, do Violeta de Outono e do Harry (inclusive o box da época e o disco novo lançado ano passado) e também Vzyadoq Moe (que acho supervalorizado) e Patife Band (“Corredor Polonês” é um clássico e doeu deixa-lo de fora, mas tentei focar em álbuns que as pessoas realmente não conhecem – esse da Patife é cult no nível do Fellini, digamos). Espero que você conheça os 10 discos acima.

      1. acho que a questão do vzyadoq é mais da produção. tem umas coisas ótimas ali, mas numa produção bem aquém…tanto que muitas vezes entender a letra é complicado.

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