por Daniel Tavares
“Ai Meu Deus, vai começar”, diz alguém quando o DJ que ajudava o tempo a passar deixou o palco e roadies da Banda do Mar começavam a trazer os instrumentos. Ainda demoraria alguns minutos para que o trio luso-brasileiro surgisse, mas a comoção e o alvoroço já tomavam conta de cada um dos presentes na Praça Verde do Centro Dragão do Mar, um dos locais mais bonitos da cidade de Fortaleza.
“Cidade Nova”, canção que abre o disco de estreia da Banda do Mar, também abre os shows da primeira turnê do trio, que surge acrescido de baixo (Marcos Gerez, do Hurtmold) e uma terceira guitarra (André), e bastam os primeiros acordes da música para que o público faça sua festa: nenhum braço ficará sem estar para cima, nenhuma garganta ficará sem gritar (e a maioria permaneceria assim até o fim do show).
Numa opção questionável, o maior sucesso do disco, “Mais Ninguém”, já aparece no início do show (é a quarta do set). Com suas estrofes de cinco versos, a música é pegajosa e já recebeu clipe com o passinho de Fezinho Patatyy e o trio dançando (ou tentando) – no vídeo, o bom baterista Fred aparece com dois pés esquerdos enquanto Marcelo Camelo não faz feio, mas parece estar sempre vestido como se tivesse assaltado o varal do vizinho.
“Mais Ninguém” não abre o show, mas é uma das primeiras faixas, logo após “Me Sinto Ótima”, canção em que Mallu corteja um blues, alegre, que deve refletir a boa fase do casamento/namoro com Camelo. Outras bandas guardariam o hit para um bis ou algum outro momento em que a apresentação já estivesse se encaminhando para o final. Aqui, a ordem não faz a mínima diferença. O público permanece extasiado durante toda a duração do show.
Ao vivo, o figurino do trio para esta turnê é uma camiseta azul simples apenas com o nome da banda no lado esquerdo do peito (outros três modelos de camisetas podem ser adquiridos na banca oficial de merchandising ao preço de R$ 40). A banda herdou a paixão dos fãs de cada um dos componentes. Eles celebram o próprio amor e cada show é quase como uma festa de casamento, com o fiel escudeiro Fred Ferreira como sacerdote no centro do palco.
Dos três músicos que acompanham o casal, o baixista Marcos Gerez se destaca bastante. É fato que deve apenas executar linhas de baixo já criadas anteriormente por Camelo em estúdio, é fato que pode ser substituído por outro numa digressão portuguesa (esse é o nome além-mar), mas é impossível não sentir um pouco de sentimento de injustiça, especialmente no bloco “Mais Ninguém”, “Pode Ser, “Mia” e “Faz Tempo”.
“Mia” tem um solo que poderia estar num disco setentista de Caetano ou Gal e, nela, os talentos de Fred são mais bem explorados. Devido ao grande número de bandas para as quais contribui, um site português chegou a dizer que ele é o baterista de todas as bandas de Portugal – algo que aprendeu com o pai, Kalu, da Xutos e Pontapés (e diversos outros projetos). Exageros a parte, Fred é a conexão da dupla Mallu-Marcelo com Portugal, grande amigo de ambos e parece ser a quem Marcelo dedicaria “Solar” mais adiante.
Simpático, alegre e diferente da imagem que muitos podem ter dele, Marcelo Camelo dá início a um breve discurso: “Onde a gente passa, a gente encontra essa onda de carinho. A gente não sabe nem o que dizer quando vê esses rostinhos…”, mas é interrompido por uma fã, que dribla a segurança e lhe tasca um beijo. Mallu, à direita do palco, apenas aplaude. “Foi lindo vocês, lindo, muito obrigada”.
Após sete canções da Banda do Mar, o primeiro extra da noite surge numa versão de “Velha e Louca”, do repertório solo de Mallu, e causa nova invasão. Agora é ela que recebe um beijo de uma fã. Camelo, do lado esquerdo do palco, dança feliz Thomyorkamente (lembra de “Lotus Flower”?). Eles tocam um pro outro. “Olha, menininha, eu tenho que dizer. Tudo o que eu faço é só por você”, canta ele enquanto ela dança. “Ter você é privilégio”, devolveria ela, mais tarde.
O show, energético até aqui, dá uma acalmada em “Vermelho”, do álbum “Toque Dela” (2011), que retrata bem a discografia solo de Marcelo: introspectiva, noturna, delicada. A metade do show reserva, segundo o set list, o momento solo de Camelo, e para “Além do Que Se Vê” (do repertório do Los Hermanos), o “noivo” fica só no palco, mas diz que tem a companhia do público. E é esse público que canta apaixonadamente mais da metade da canção.
Segue-se o momento solo da “noiva” com “Olha Só, Moreno”, do álbum “Pitanga” (2011). O show segue com o casal se alternando no palco como no disco, e a vantagem do debute da Banda do Mar sobre, por exemplo, “Double Fantasy” (disco de John Lennon com Yoko Ono) é que dá pra ouvir o disco (e assistir ao show) sem sentir necessidade de pular faixas (as de Mallu, inclusive, rivalizam bem com as canções de Marcelo, criando um belo conjunto).
O show se aproxima da parte final, e a moça responde tímida ao coro geral de “Mallu, eu te amo” com um “Eu te amo, Fortaleza” – “Marcelo, eu te amo”, também diria um rapaz mais tarde. Alguns dos convidados do tal casamento fogem do comportamento esperado, declarando, a plenos pulmões, seu amor pelos “noivos”. Ao longo de todo o show, episódios de invasão do “altar” aconteceriam muitas outras vezes.
Depois de “Doce Solidão” (outra solo de Camelo), Marcelo novamente agradece todo o carinho, mostra-se surpreendido pela receptividade do público ainda em um dos primeiros shows da banda. Essa surpresa também foi o único pecado da produção do show, que não imaginaria (não tinha como) que uma grade junto ao palco facilitaria as invasões de apaixonados (naquele momento já bastante inconveniente).
A paixão do público presente transformou o dueto “Janta” em um coro de mil vozes, culminando com um “beija, beija, beija”. Enfim, o “noivo” pode beijar a “noiva”. Era o ápice daquele “casamento” que tinha o Dragão do Mar como “igreja”. “Eu também quero beijar a Mallu”, diz um dos “convidados”, abraçado com a namorada (!!!) no meio da plateia. “Tu deixa?”, eu pergunto à moça. “Se ela deixar eu a beijo também”, é a resposta.
Como qualquer cerimônia, esta também tinha que acabar, e a hora do arroz se aproximava. Mesmo dizendo que iria até o “Dia Clarear” na música seguinte, Camelo avisa que aquela seria a última. “Fortaleza, a gente não vai esquecer”, diz ele enquanto o público grita: “mais um, mais um, mais um”. Ninguém arreda o pé da praça. Todo mundo sabe que essa saída é só uma pausa para uma água, um cigarro, é só cena. E é “Cena”, da carreira solo de Mallu, que abre o bis.
“Isnesquecível” [SIC], completa ela. “Não falo muito, porque sempre me enrolo”, justifica tímida. E se não dá para receber massagens no pé, ela recebe muitos chocolates, jogados no palco pelos “convidados” como se fossem grãos de arroz (não disse que era um casamento?). E é a jovem-guardiana “Muitos Chocolates” que dá fim àquela noite “isnesquecível”. Por uma noite, o Dragão do Mar também fora da Banda do Mar.
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista, mora em Fortaleza e já escreveu sobre Amadou Diallo e Bruce Springsteen (aqui), Nando Reis (aqui) e Roberto Carlos (aqui). As três primeiras fotos são de Marcelo Costa (@screamyell), registros do show da Banda do Mar em São Paulo. As duas últimas são de Daniel Tavares.
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