por Marcelo Costa
Os anos 60 na Irlanda do Norte não foram bastante tumultuados. Questões políticas e religiosas dividiram o país fortemente (protestantes contra católicos) culminando no trágico Domingo Sangrento, em 1972, quando o exército inglês matou 14 ativistas católicos em uma passeata. O surgimento do IRA (Exército Republicano Irlandês), uma dissidência do fortemente marxista Official IRA, colocou mais pólvora no cenário – ao longo de mais de duas décadas de luta armada, ocorreram mais de 3500 mortes.
A história de Terri Hooley começa em 1948 em Belfast, com seu nascimento. Ainda criança, Terri é atingido por um dardo (arremessado por uma turma de garotos protestantes) e perde a visão de um dos olhos, sendo obrigado a colocar um olho de vidro no lugar. Corta para o começo dos anos 70: Terry, um apaixonado por música pop, se apaixona por uma garota, se casa e tem uma visão: salvar a alma dos irlandeses espalhando o reggae pelo país. Como? Abrindo uma loja de discos. Nasce a Good Vibrations.
A loja de discos sobrevive a trancos e barrancos, mas tudo muda quando Terri, em meio a uma balada (e uma batida da polícia), assiste ao show da banda Rudi, cinco garotos que tocavam covers de rock and roll e glam rock que, influenciados por Sex Pistols e Buzzcocks, começam a compor material próprio. Inebriado pelo show, Terri Hooley decide bancar o primeiro single do Rudi no que viria a ser o primeiro lançamento do selo Good Vibrations: o compacto “Big Time” é lançada em 1978. “Agora precisamos encontrar 3 mil compradores para o single”, diz o personagem em certo momento.
O país seguia em quase guerra civil e Terri continuava lançando singles pela Good Vibrations: o segundo foi “Strange Thing By Night”, do Victmin, o terceiro foi “Just Another Teenage Rebel”, do Outcasts, e o quarto foi aquele que faria a fama de Hooley além de obter o respeito eterno do radialista e DJ londrino John Peel, que, ao vivo em seu programa na BBC, assim que tocou o single que Terri enviou pela primeira vez, avisou aos ouvintes: “Eu nunca fiz isso, mas a música é tão boa que vou tocar de novo”. A canção era o hino punk “Teenage Kicks”, dos Undertones.
Tudo isso é apresentado ao espectador no filme “Good Vibrations” (2012), dirigido pelo casal Glen Leyburn e Lisa Barros D’Sa, e pouco comentado neste lado debaixo da linha do Equador (não entrou em cartaz no Brasil), um pecado porque “Good Vibrations” é uma deliciosa aula sobre punk irlandês safra 77, com uma trilha sonora empolgante e um retrato interessante de um personagem hippie fadado ao fracasso, mas que sobreviveu a todas as bancarrotas e segue tocando a loja (e arranjando brigas) aos 65 anos.
Interessante que a história de Terri em muitos momentos lembra a de Tony Wilson, um dos caras responsáveis pelo lançamento de Joy Division, New Order e Happy Mondays, mas que também se importava mais com a arte do que com o dinheiro: se Tony tem o mérito de lançar um single do New Order cuja design o fazia ficar mais caro do que o preço que era vendido (e esse single, “Blue Monday”, bateu recordes de venda), Terri Hooley concorre com o concerto que fez na casa mais famosa de Belfast, que visava arrecadar fundos para a loja, mas que deu prejuízo porque praticamente ninguém pagou ingresso (“Terri, você tem a lista de convidados mais longa que eu já vi na vida”, diz um amigo).
Exemplo interessante de homens levantando o dedo médio para o capitalismo, Tony Wilson e Terri Hooley tem trajetórias bastante parecidas, o que faz de “Good Vibrations” um primo próximo de “A Festa Nunca Termina” (”24 Hour Party People”, 2002). No caso de Terri, sua história de altos e baixos também vem costurada por uma trilha sonora empolgante, que além dos grupos lançados pelo selo (Rudi, The Outcasts, Undertones) ainda conta com Stiff Little Fingers (a grande banda do punk irlandês não saiu pela Good Vibrations), David Bowie, Suicide e The Saints, resultando num retrato interessante sobre uma bela cena musical e um país.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– “A Festa Nunca Termina”, de Michael Winterbottom, é uma obra prima pop (aqui)
Muito bom o filme e o som é demais mesmo, se entende porque colocaram duas vezes seguidas a música do Undertones. Uma safra muito boa de filmes falando sobre as bandas do reino unido, colocaria junto com este o Svengali que é outro filme excelente e falando sobre as mesmas coisas, a paixão pela música.
Olá Marcelo. Onde tu viste o filme em questão? Baixaste? Ou viste no Netflix?
André, não cheguei a conferir se ele tem no Netflix. Baixei no O Melhor da Telona (RMVB já com legenda).
Muito bom artigo!!!