Para Entender: Black Crowes

por Leonardo Vinhas

É fácil empurrar os Black Crowes em direção à armadilha do rótulo “classic rock”: afinal, o grupo reconhece beber as fontes abertas por bandas que tiveram seu auge nos anos 1970, como Faces, Rolling Stones, Humble Pie e Grateful Dead. Mas seria igualmente injusto fazê-lo, já que a banda dos irmãos Chris (voz) e Rich Robinson (guitarras) faz mais que “atualizar” a sonoridade setentista de seus ídolos – é bem mais correto dizer que eles estão na mesma sintonia criativa, apontando novos rumos para um período do rock que era vigente quando eles eram crianças, mas que, em seus corações, nunca deixou de ser relevante.

Os Black Crowes começaram, sim, como uma boa cópia dos Stones de “Sticky Fingers” e “Exile On Main Street”. Seu primeiro disco, “Shake Your Money Maker” (1990) emprestava até o tecladista da agremiação de Jagger & Richards, o veterano Chuck Leavell. Mas já no segundo álbum, “The Southern Harmony and Muscial Companion” (1992), mostrava a identidade e a qualidade nas composições assinadas a duo pelos irmãos – únicos membros constantes na formação da banda. Notava-se ali um rock no qual soul e country eram influências fortes, e que cobrariam sua cota maior em discos como “Amorica” (1994) e “By Your Side” (1999) – o primeiro, o magnum opus da banda, uma sonoridade estradeira, empoeirada mais pelo acúmulo de quilômetros rodados do que pela passagem do tempo; o segundo, o trabalho mais pop da banda, acenando para uma versão enguitarrada dos clássicos da Stax.

Ivan Santos, vocalista e violonista da banda curitibana imof, diz que, desde o princípio, “o grande diferencial do Black Crowes é que eles conseguiram fazer um rock clássico que não parecesse excessivamente reverente, derivativo ou retrô de boutique. Sempre mostraram personalidade própria e uma pegada atual, que mostrava que os caras não tinham parado no tempo”.

Ainda que a formação estável não seja o forte dos Crowes, é justo dizer que muitos músicos que passaram pela banda deixaram sua marca e contribuíram para a personalidade de suas diversas fases. Marcelo Gross, guitarrista da Cachorro Grande, aponta Marc Ford (guitarrista entre 1991 e 1997, e também entre 2005 e 2008) como um de seus preferidos. “Curtia muito o estilo dele, marcou um período muito o som da banda”, conta. O tecladista Eddie Harsch, que ficou quase quinze anos como integrante fixo, também deixou sua marca. E até Jimmy Page (precisa apresentar?) dividiu palco com a banda, deixando de legado o álbum “Live at the Greek” (2000), no qual revisitavam juntos o repertório do Led Zeppelin e dos próprios Crowes (só que este ficou de fora do disco por razões contratuais).

Em 2002, a banda “se permitiu um hiato”, durante o qual Chris e Rich lançaram discos solo, até que voltassem para uma turnê em 2005, e um novo disco de inéditas, o ótimo “Warpaint” (2008), que parecia um compêndio de todas as fases da banda embalados em composições novas. Em 2009, veio “Before the Frost… Until the Freeze”, CD simples que trazia o código para o download de um segundo disco, configurando um álbum duplo. “Before the Frost” trazia o lado mais roqueiro dos Crowes, mas já permitindo novidades, como a influência disco e pós-punk de “I Ain’t Hiding”. Já o disco “baixável”, “Until the Freeze”, mergulhava como nunca antes nas raízes folk e bluegrass da banda (posteriormente, ambos os álbuns seriam lançados em vinil duplo, com as músicas em ordem diferente). Depois disso, uma nova pausa, e logo engataram uma sequência de turnês, em que o lado pop da banda vem sendo deixado de lado em favor de execuções cada vez mais longas das faixas, passando tanto por tons psicodélicos como por digressões de livre improviso à Grateful Dead.

Em 2013, os Crowes lançaram o ao vivo “Wiser for the Time” exclusivamente em formato digital. Aliás, 2013 foi também o ano em que a banda excursionou abrindo para Bruce Springsteen e a E Street Band na Europa, e no qual teve a Tedeschi Trucks Band como ato de abertura para os shows nos EUA. Como ambos parceiros de turnê, os Crowes vêm revisitando todo o seu repertório, incluindo faixas obscuras e pouco tocadas, em shows extensos e imprevisíveis. Prestes a completar 25 anos de carreira (começaram em 1989), os Black Crowes seguem fazendo uma música bela, intensa e pouco acomodada, exibindo no palco a experiência de quem já teve altos e baixos tanto em vendas como em criatividade.

“Remedy”: Ainda moleques e cheios de marra, os irmãos Robinson vêm amparados por uma das melhores formações dos Crowes e misturam o balanço de New Orleans ao big rock setentão. Um clássico!


“Wiser Time”: Uma sonoridade esparsa, cujos espaços que podiam passer em brtanco são preenchidos com lirismo. O country deixa marcas indeléveis no caráter da banda, e o resultado é essa beleza.


“Only a Fool”: Rolling Stones e Otis Redding, duas das maiores influências da banda, “cobram pedágio” nesta faixa de “By Your Side”, que traz ainda a indissociável assinatura guitarrística de Rich Robinson.


“In My Time of Dying”: Difícil saber quem presta tributo a quem aqui: se os “discípulos” Corvos estão homenageando o mestre Page, ou se ele está reconhecendo o talento dos seguidores.


“Aimless Peacock”: A faixa de abertura de “…Until the Freeze” não tem medo de misturar cítara com o fiddle típico do bluegrass e uma gaita blueseira. Expressão maior das jornadas musicais atípicas que a banda vem exibindo nos últimos anos.


Depoimentos de músicos que têm nos Black Crowes uma influência indispensável:

Marcelo Gross (guitarrista da Cachorro Grande e autor do recém-lançado álbum “Use o Assento para Flutuar”): “Acompanho a banda desde que ela surgiu. Ela tinha bem aquela cara das bandas que vieram no esquema do rock dos anos 70, mas filtrados com aquele… não sei se seria bem o estilo, mas a pegada dos anos 90. Sempre ouvi muito Free, The Band e The Faces, e quando ouvi os Black Crowes trazendo as influências dessas bandas numa outra ótica, pensei: ‘pô, que lindo isso!´. Gosto dos irmãos Robinson, de eles terem essa coisa de dupla de compositores tão forte como a parceria Jagger & Richards, e curtia muito o Marc Ford, que infelizmente não está mais, mas o estilo dele marcou muito o som da banda. Também acho que tiveram um grande momento quando se juntaram com o Jimmy Page. No “Amorica” eles conseguiram sua identidade própria. Ouvi esse disco até furar, e tenho o vinil até hoje. O álbum tem essa mistura de todas as influências, mas com a cara deles. Também ouvi bastante o “Three Snakes and One Charm” (1996). E venho acompanhando todos os DVDs. Aquele gravado na casa [estúdio] do Levon Helm (‘Cabin Fever”, de 2009) é demais, mostra influências indianas e de country rock ao que eles vinham fazendo. Indiretamente, eu sou muito influenciado por essa pegada rock’n’roll. Tem a slide guitar, tem a presença de palco, o estilo… É uma banda de cabeceira para mim”.

– Ivan Santos (vocalista e violonista da imof): “Parodiando aquela famosa frase, se você lembra dos anos 90, você não estava lá. Felizmente, nesse caso tenho a minha edição nacional em vinil de ‘The Southern Harmony and Musical Companion’ que comprei na época em que saiu por aqui, em 1992, pra me socorrer a memória. Se bem que não me lembro exatamente como cheguei a ela, se por uma resenha da extinta revista Bizz, ou se comprei pela capa e pelo título (sim, nesses tempos pré-internet, quando era difícil ter acesso aos discos ou ouvi-los antes, a gente fazia isso). O que certamente é impossível de se esquecer é o efeito que esse disco provocou quando soou pela primeira vez no velho aparelho de som do apartamento 1001 do Edifício Asa, no centrão de Curitiba. Foi paixão à primeira ouvida. Em época de predomínio do grunge no rock, os Crowes ousaram trilhar seu próprio caminho, com um som encharcado do melhor blues, soul, rhythm and blues e porque não, rock’n’roll. E faziam isso com uma propriedade e autoridade que poucos foram capazes de exibir. Quatro anos depois ainda tive a oportunidade de vê-los ao vivo em São Paulo, no Hollywood Rock, o que só aumentou minha admiração pela banda, pois no palco a música deles era ainda mais coesa e intensa. Pra mim, o grande diferencial do Black Crowes é que eles conseguiram fazer um rock clássico, calcado em Stones (circa “Exile On Main Street”), Faces, Led Zeppelin etc, mas sem parecerem excessivamente reverentes, derivativos ou retrôs de boutique. Sempre mostraram personalidade própria e uma pegada atual, que mostrava que os caras não tinham parado no tempo. Além disso, as canções, as melodias e os riffs eram muito acima da média, inclusive das bandas grunge badaladas na época, que pra mim, nunca chegaram aos pés desses caras.”

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yel

Leia também:
– Para Entender: New Model Army -> Extensa discografia que merece ser vasculhada (aqui)
– Para Entender: The Replacements -> Em seu auge, a banda lançou discos perfeitos (aqui)
– Tedeschi Trucks Band: o que era bom em “Revelator” ficou ótimo em “Made Up Mind” (aqui)
– Discografia comentada: todos os discos de Bruce Springsteen (aqui)
– “Celebration Day”, Led Zeppelin: set list de canções que mereciam estátuas em praças (aqui)

7 thoughts on “Para Entender: Black Crowes

  1. Excelente texto sobre uma de minhas bandas preferidas. Me fez voltar no tempo e colocar meus CDs do Crowes no player. E assim como o Ivan (quando vem um disco cheio da imof?), já comprei muito disco “no escuro” somente com resenhas da Bizz. Era arriscado, mas recompensador quando a gente acertava.

  2. Também comprei muitos discos “no escuro”, tendo só a Bizz como referêcia. Já me dei bem (muitas vezes), mas comprei cada lixo…

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