por Gab Piumbato
“Sling”, Clairo (Fader Label)
Nem a ajuda do super produtor Jack Antonoff consegue trazer as canções de Clairo à vida. Seu segundo disco, “Sling”, lançado em julho deste ano, ainda conta com Lorde nos vocais de apoio. Para quê, não se sabe bem. Inexplicável que ela seja comparada a Elliott Smith. As temáticas sérias das letras não alcançam a profundidade analítica nem o mero desespero do compositor de “Angeles”. A orquestração e os overdubs também não ultrapassam os arranjos genéricos. Muzak indie seria a melhor definição. Clairo nem de longe consegue se comparar às compositoras de sua idade. Aos 22 anos, Frankie Cosmos já possuía “Zentropy” e “Next Thing” em sua discografia. Mais inexplicável ainda é tentar associar Clairo a nomes do calibre de Joni Mitchell, Carole King e Stevie Nicks. Se a delicadeza de “Sling” arremessa o ouvinte para algum lugar, não é pra cama, nem pro sofá, mas para a pura irrelevância do tempo perdido. Talvez daqui a dez anos, caso seja mãe (não de pet) ou tenha desenvolvido uma personalidade, possamos descartar as acusações de que as conexões paternas com a indústria musical explicam a sua presença na mídia. Até aqui, são a melhor pista para um disco que convida ao tédio aparecer em listas de melhores do ano.
Nota 3
“A Color of the Sky”, Lightning Bug (Fat Possum Records)
David Lynch tem aproveitado a pandemia para comunicar diariamente a sua previsão do tempo em seu canal do Youtube. “A Color of the Sky” é a trilha perfeita para o mistério da existência. Não pelo lado místico da realidade, mas pela absoluta estranheza de estar vivo no Planeta Terra em 2021. Shoegaze, post-rock, indie folk, dream pop, americana: as etiquetas do Bandcamp não fazem sentido aqui. O terceiro disco da banda Lightining Bug, capitaneado por Audrey Kang, capta aquela hora mágica em que apenas o olhar não sabe dizer se é o lusco-fusco ou o nascer do sol. Parecido com tudo o que veio antes (Boards of Canada, Kikagaku Moyo, War on Drugs etc) e ao mesmo tempo diferente, estas dez canções são uma contínua alegria e um contínuo espanto. A incerteza de ter um eu (um self), as horas sem nome, as caçadas por palavras que expliquem a experiência. Nada é seguro nestes 38 minutos escorregadios. Apenas a sabedoria dos versos “You’ve made your mistakes, but it’s the path that you take that defines you”. Como Harry Dean Stanton bem sabe em “Uma História Real” (David Lynch, 1999).
Nota 9
“Heavy Sun”, Daniel Lanois (Maker)
Quase tudo em que Daniel Lanois mete a mão dá certo. Na maioria absoluta das vezes em que o seu nome vem nos créditos de um disco como produtor, é garantia de que aquela coletânea de canções será extraordinária. De U2 a Bob Dylan, passando por Neil Young, Bruce Springsteen e Brian Eno, o cartel de artistas que já se beneficiou da associação com este mago musical é extensa. Agora ele retorna a sua carreira “solo”, acompanhado do guitarrista Rocco DeLuca (habitué em suas parcerias com Lanois), do baixista Jim Wilson e do organista Johhny Sheperd (principal vocalista aqui). A veia gospel é de fazer qualquer um subir nos bancos da igreja, e a contrapartida eletrônica com os loops de bateria e os sintetizadores nervosos convidam à dança. Mas não se engane: os efeitos aqui tornam todas as canções bastante quentes, verdadeiras no sentimento e não mera tecnologia sem alma. Um tributo às harmonias vocais e ao poder que a música tem: comunicar a experiência de comunhão com o outro. Daniel Lanois voltou às raízes espirituais da canção para nos mostrar o futuro.
Nota 9
Gab Piumbato é jornalista e autor da melhor discografia comentada de Bob Dylan em português (aqui)