RHCP faz festa própria em Porto Alegre unindo senso pop, experimentalismo, improvisação jazzy e projeções psicodélicas

texto por Homero Pivotto Jr.
fotos de Billy Valdez

O show do Red Hot Chili Peppers em Porto Alegre prometia ser uma apresentação morna, tendo como base resenhas e relatos das apresentações anteriores dessa ‘Unlimited Love’ tour pelo Brasil em 2023. Mas o que se viu foi um espetáculo quente, apimentado por qualidade de som, ciência do que está sendo feito no palco e uma mistura de senso pop, experimentalismo, improvisação jazzy e projeções psicodélicas. Com 1h45 de performance (um pouco mais do que em outras praças), os californianos encerraram a tour 2023 em solo brasileiro (tocaram antes no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Curitiba).

Com estimativa de 50 mil pessoas presentes — maior show do ano na cidade e ingressos esgotados há meses —, a Arena do Grêmio serviu de palco para a segunda passagem do quarteto californiano pela capital gaúcha. A estreia rolou em 2002, durante gira do badalado ‘By The Way’ (2022), no Gigantinho.

Desta vez, brilhou John Frusciante e suas reinterpretações freestyle, com incursões nas possibilidades que uma guitarra oferece fora do tradicional para o instrumento. Não podem ser diminuídas a desenvoltura técnica de Flea (baixo), a mão precisa de Chad Smith (bateria) e um Anthony Kiedis afinado com o momento — e com a tradicional tendência em ficar sem camisa, como era de se esperar. Chris Warren (teclado e sintetizadores) também mereceu menção pelo trabalho de apoio.

Às 21h05 o trio de cordas e percussão do RHCP despontou em ação, com Flea plantando bananeira e trazendo, no baixo, o adesivo “support your local freak”. A jam instigante, sem exageros, mostrando sintonia por cinco minutos, precedeu o hit ‘Can’t Stop’. Foi quando chegou o vocalista em cena, com bermuda preta cravejada de lantejoulas prateadas (ou algo que o valha) formando o coelho da playboy na perna esquerda (a mesma em que usa bota ortopédica). ‘Scar Tissue’ despontou em seguida, sucedida por ‘Snow (Hey Oh)’ e ‘Here Ever After’. Logo, uma sequência de releituras: ‘Terrapin’ (Syd Barrett) e ‘Havana Affair’ (Ramones).

O clima de homenagem seguiu com trecho de ‘The Guns of Brixton’ (The Clash) como intro para ‘Eddie’. O quarteto mostrou que tem bala na agulha — e bons temas na discografia — com ‘Parallel Universe’ e ‘Soul to Squeeze’. O baile foi adiante com novidade no repertório: ‘Me and My Friends’ aparecendo pela primeira vez na gira brasileira. Bola dentro! A continuidade teve ‘Strip My Mind’, a novata ‘Tippa My Tongue’ e a radiofônica ‘Tell Me Baby’. Era chegada hora da comoção — ainda que algo contida — quando o hit ‘Californication’ ganhou execução com Kiedis se embaralhando nos versos iniciais.

Teve também ‘What Is Soul?’ (Funkadelic) e ‘Black Summer’. ‘By the Way’ foi outra que arrancou suspiros saudosistas pouco antes de a banda deixar o palco para o bis. O retorno veio após o telão exibir cartazes que eram empunhados pelo público no estádio, e rolou com o balanço sacana de ‘Sir Psycho Sexy’. A frenética ‘They’re Red Hot’ (Robert Johnson) precedeu uma das linhas de baixo mais marcantes do rock desde os anos 1990: ‘Give It Away’, a saideira.

O RHCP protagonizou uma festa própria, em que talvez tenha se divertido mais do que a audiência. Convictos, fizeram ao menos quatro jams de improviso, possibilitando que Flea e Frusciante demonstrassem química no exercício criativo de tocar sem regras. Enquanto o primeiro surrava de slaps as quatro cordas graves, o segundo entrava em harmonia, quase uma simbiose inconsciente, com sua guitarra. Um belo espetáculo de entretenimento, by the way.

Universo paralelo de abertura

A banda 69Enfermos foi a atração local de abertura, desfilando seu skatepunk em show curto. A Irontom assumiu as honras logo depois. O grupo, que abriu todas as apresentações no Brasil, tem sido mencionado como parte de um combo dessa turnê, o que, de certa forma, desmerece o potencial dos caras. A banda, cujo guitarrista é Zach Irons (filho de Jack Irons, ex-baterista do RHCP), parece ser pintada como um aperitivo enfiado goela abaixo. O que não se confirma na prática. Com personalidade, a Irontom incorporou uma estética visual e sonora que remete aos 1990.

O conjunto apresentou uma mistura convincente de atitude e boas composições. Vestindo calças largas e camisas polo listradas, mostraram autenticidade com uma construção musical alternativa inspirada por — conforme referências do escriba — Asian Dub Foundation, Beastie Boys e Rage Against the Machine. Em alguns momentos, o quinteto mostrou-se também afeito ao pop do Coldplay, como na balada que foi a quarta música do repertório. Além da soar genuína em ação, a Irontom apostou na simpatia, com o vocalista tentado dialogar em português com o público. Fora os temas autorais, surpreendentemente bem aceitos pela plateia, fizeram uma releitura de groove e peso para ‘Feel Good inc.”, do Gorillaz. Ponto negativo para o descompasso da performance ao vivo na matrix e a transmissão no telão (um pequeno delay), situação que se estendeu pela performance da atração principal também.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.
– Billy Valdez é pai da Kaáka, fotógrafo, videomaker, integrante do Coletivo Catarse e baixista da Diokane

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