texto por Fernando Yokota
De “A Filosofia na Alcova” do Marquês de Sade, passando pelas “Meditações Metafísicas” cartesianas, a metáfora da morte de Bergman em “O Sétimo Selo” ou o assalto visual do “Guernica” de Picasso, grandes obras geralmente se permitem camadas interpretativas que se desvelam na mesma proporção do interesse de seu espectador.
Uma análise mais apressada de “Dark Side Of The Moon Redux” (2023), a releitura do clássico do Pink Floyd feita pelo seu principal criador, Roger Waters, atribuirá a motivação ao elemento confrontativo de desfigurar uma obra tão reconhecível. Entretanto, a releitura extrapola a mera provocação aos antigos companheiros de banda (David Gilmour, em especial). Num “segundo nível” de interpretação, indo além da querela Gilmour-Rogers, em “Redux” nos deparamos com um artista tentando ressignificar para si algo que a cultura pop lhe tomou há 50 anos.
Num nível mais profundo, podemos ver um homem que passou a vida inundando sua música com versos sobre seus traumas agora lidando com o passado de uma forma diferente: é como se o Roger Waters de 2023 precisasse desnudar sua obra prima para desvelar a si próprio.
A ideia para a gravação do álbum se deu durante a pandemia. Enquanto uns aprendiam a fazer pão e outros compravam equipamentos de academia para se exercitar em casa, Waters apaziguou sua mente inquieta gravando uma versão de “Comfortably Numb” com um arranjo que refletia o tempo em que vivíamos: sombrio, solitário e triste (e sem solos de guitarra).
Em tom confessional, começa sua releitura dizendo que “as memórias de um homem em idade avançada são os feitos de um homem em seu auge”. Apenas com novos arranjos e o timbre grave da voz – algo entre um Johnny Cash tardio e Leonard Cohen – e o clima introspectivo, mas com as mesmas canções e as mesmas letras, em “Redux”, Waters oferece nova perspectiva à narrativa: o lado escuro da lua, o lado da loucura, é objeto, mas também é narrador.
O tom soturno e a escolha dos novos arranjos em “Speak To Me/Breathe” dão o tom cinemático que sua versão original até tinha, mas que era atenuado pela voz jubilante de David Gilmour.
“On The Run”, que em 1973 trouxe às massas o uso de arpegiadores, tão abusados 50 anos depois, tornou-se pano de fundo para uma crônica da batalha entre o bem e o mal travada em mesas de restaurantes, estações de trem e estacionamentos, não é mais sucedida dos rototoms e a pujança da voz do jovem Gilmour em “Time”. O solo de guitarra – seu melhor, em empate técnico com “Comfortably Numb” – perdeu o tiro da largada e deu lugar a um assombrado solo de theremin. “The Great Gig In The Sky”, que encerraria o lado A do original, se despede da icônica performance de Clare Torry por uma homenagem a Donald Hall, poeta estadunidense de quem Rogers se tornou amigo antes de sucumbir ao câncer.
A segunda metade, mais reconhecível que a primeira em comparação ao original, começa com uma versão de “Money” que mantém os pilares de sua versão original (o tempo composto e o inconfundível riff) mas se arrasta um pouco mais do que deveria.
Também não muito mexida,” Us And Them” não tem a parede de coral e não tem o piano tão proeminente, mas mantém o respeito a Richard Wright, cujo DNA é indissociável na faixa. “Any Colour You Like”, que originalmente era quase uma jam, vira, assim como as outras faixas instrumentais, música de fundo para a voz de Waters e, assim como no original, é o momento menos impressionante do álbum. Com exceção do arranjo mais minimalista, “Brain Damage” e “Eclipse” figuram no fim do lado B e encerram o álbum ao som dos mesmos batimentos cardíacos de 1973.
“Redux”, um álbum de um artista que nunca fugiu do debate e das polêmicas, certamente despertará a ira da corja reacionária usurpadora que tomou um gênero musical para si e fez dele seu porto seguro da hipocrisia. Não é preciso um gênio para deduzir que a mesma plateia de hienas que engrossará o coro do “estragou o disco” é a mesma que brada “não se mistura música com política” (não devemos esquecer, tampouco perdoar, os horrores dos shows em 2018 em que até às crianças no coro de “Another Brick In The Wall” foram vaiadas), tudo em nome de um conservadorismo injustificável para um gênero musical que nasceu no espirito contestador de gente como Sister Rosetta Tharpe.
Ao retomar “Dark Side Of The Moon” para si, Waters livra o rock da síndrome de Peter Pan que o tornou o terreno fértil, adubado com o excremento conservador de quem acha que “bom era no meu tempo”. Discutir qual é a melhor versão é como comparar Pelé a Maradona ou Messi: fazer uma escolha apaixonada é abdicar da razão para, no máximo, dar uma dica da década em que nasceu.
Com sua releitura, Waters antagoniza o ideal de Dorian Gray e se mostra como realmente é e não como acha que deveria ter sido: não se trata de negar o passado (“original é insubstituível”, disse recentemente) mas de dar um desfecho à história. Numa comovente deferência à finitude, a maquiagem dos solos de guitarra de David Gilmour e a produção do genial Alan Parsons dão lugar aos poros e às rugas, o croonismo coheniano e, 50 anos depois, o magnum opus do cânone floydiano, assim como seu idealizador, finalmente pode envelhecer em paz.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: instagram.com/fernandoyokota/
Certamente, estragar, não estragou com a obra original q continua lá..mas, q ficou uma merda, ficou! Waters, cagou, limpou a bunda com a mão e esfregou na própria cara!
Um texto sobre uma versão musical duvidosa de um clássico carregado de um rancor desmedido das palavras do autor. Juízos de valor sobre conservadores do bem. Adjetivos como hienas e corja reacionária não fazem de Waters ou sua pseudo nova obra,uma obra nova. Apenas reforçam que não se trata de uma nova obra de arte mas sim de uma tentativa frustrada de crítica ao que foi feito,em conjunto, e de maneira brilhante. Talvez se não houvesse tento rancor o novo velho álbum não fosse tão ruim
Conservador como diz o autor.
Concordo meu caro. Se a moda pega teremos mais cagadas estragando obras com The Black Album Metallica, Appetite for destruction Guns ‘n’ Roses e até mesmo o inigualável Sargent Peppers dos Beatles.
Crítica certeira. Articula com maestria os propósitos de Roger e a lavagem política que os anos de culto fanático realizaram em obra icônica.
O álbum é tão ruim quanto a cabeça do old Waters, esse texto também é bem ruim, passando pano para uma fraca releitura de uma obra prima e atacando gratuitamente quem não concorda com ele, típico. Infelizmente passei aqui, li e entendi que ambos são medíocres e frustrados, o old Waters e o desconhecido Fabrício.
Pois é. O problema é que nos atuais tempos sombrios, existe uma vontade tão grande de criticar pessoas pelas suas posturas, que até uma boa resenha vira alvo de quem quer fazer sua “lacração”.
Excelente fotógrafo. Suas fotos magistrais não justificam a agressividade e o rancor contra os ” conservadores”. Excepcional fotógrafo,péssimo e pré conceituoso texto.
Falou muito e ainda conseguiu falar merda. Artigo claramente escrito por alguém de esquerda liberal que se propõe ao papel burguês de tentar ser crítico de arte. Reconhecer que o álbum ficou ruim não é ser reacionário (ser de esquerda liberal, no contrário, é) mas reconhecer um fato. Mesmo que o álbum seja cheio de significado para o autor que o fez, não conversa nem um pouco com o público, o que faz as pessoas terem o total direito de não gostarem sem serem taxadas de fascistas, que é o que você tentou fazer.
Eu gostei dessa nova versão. Sombria como os tempos atuais. Gosto da antiga também, há 50 anos. Tantos autores fazem releitura, Walters fez a dele. Gostar ou não é um direito de quem ouve.
É o que acontece com um músico que não entendeu que passou da hora de parar.
Interessante texto enquanto descrevia o disco, qdo passou p opinião própria tudo bem tbm mas a crítica feita sobre pessoas não gostarem do disco é um direito ou não? vc vai e fala algo que eu mesma nunca gostei da voz desse e prefiro o David Gilmour e aí virei Hiena???
Tipo de argumento raso que busca se blindar com prévios ataques a quem ousar discordar dessa ladainha pseudo filosófica embebida em verniz de superioridade moral. Estive no show de 2018 e me indignei da mesma forma com a diarréia mental daqueles que vaiavam o manifesto que foi aquele fascinante espetáculo.
Logo, nem todo mundo que achou essa versão desnecessária é um reaça ou coisa que o valha. O autor pode fazer quantas versões de sua obra original ele quiser, mas ninguém é obrigado a lhe render reverências por isso. Ficou um tédio o resultado final, o que só demonstra a falta que faz a química que havia entre a banda. Enfim, duas enfadonhas obras: a versão do álbum e esse texto.
Pra quem busca mais do mesmo, o “Is This the Life We Really Want?” de 2017, que, ao meu ver, vai entregar mais do que você está procurando.
Pra quem busca a versão original do clássico, basta procurar as várias reedições/remasterizações, a edição em DVD/Blu-ray Audio ou a espetacular versão quadrifônica (nesse caso, bem mais difícil de produzir a experiência original tentada pela banda), as versões ao vivo anteriores e posteriores à do disco, dentre outras.
Eu, por outro lado, estou escutando bastante a versão redux do disco nos últimos dias e achei mais um trabalho de excelência de Roger Waters.
Adorei as versões de Great Gig e de Us and Them.
Roger Waters, muito obrigado por toda genialidade que apresentou ao mundo, por inovar, por errar ao buscar inovar, por inovar após errar, pelos inúmeros erros, pelos acertos em maior quantidade, pelos shows incríveis, enfim, por tudo.
Quando se for, você fará muita falta…
Muito mais interessante os comentários que o próprio texto em si. Em 5 linhas, já sabíamos que vinha lacração, e a crítica musical, em si, fica perdida.