No ano de 2018 fui convidado pela Escola Projeto, de Porto Alegre, RS, para participar de uma atividade chamada Encontro com o Músico, que dura um trimestre e acontece anualmente. Durante três meses todos os alunos da escola estudam a obra de um artista e a partir dela produzem suas próprias obras. Ao final, num encontro presencial, apresentam seus trabalhos e conversam com o convidado, além de assistir ou realizar com ele alguma atividade artística.
Entusiasmado com o potencial do encontro e ansioso por dedicar-me às crianças na intensidade com que elas se dedicariam a mim, propus à Projeto algo até então inédito para todos: compormos juntos uma canção. Eu faria uma música e, em algumas aulas, ensinaria as crianças a escrever a letra.
Na impossibilidade de realizar a ideia com todos os alunos, do ensino infantil ao 5ª ano, ficou definido que eu trabalharia com os alunos das 3º e 4º anos, de idades entre 8 e 9. No total, 64 crianças. Já era um desafio enorme. Como seria trabalhar com tantos e tão pequenos parceiros?
Fiz a música de “Acordei Sonhando” cantarolando na estrada, enquanto dirigia de Pelotas a Porto Alegre para nosso primeiro encontro. O trabalho com eles foi surpreendente e emocionante. Avançamos passo a passo, escrevendo para a melodia, as crianças dando sugestões e eu coordenando enquanto explicava, entre outras coisas, quando uma palavra podia ou não ser usada em determinada passagem musical. Os alunos tiveram noções de prosódia, de uso de rimas, da escolha de metáforas ou das muitas possibilidades de sentido da poesia. Na prática, as do 3º ano escreviam uma frase e saltavam a seguinte, deixando lacunas para as do 4º, e vice-versa. Foi maravilhoso acompanhar o surgimento daquela arquitetura a partir da imaginação infantil.
A experiência com os pequenos parceiros e demais crianças da Projeto, bem como com o corpo docente, todos em evidente sintonia, foi das coisas mais bonitas que já vivi. Além da canção “Acordei Sonhando”, surgiram muitos desenhos, pinturas e textos incríveis a partir das minhas canções. Guardo parte deles até hoje com muito carinho.
Findos os trabalhos, fiz outra proposta à escola: gravarmos e filmarmos “Acordei Sonhando” e depois realizarmos um show beneficente com o objetivo de apoiar alguma instituição que se dedicasse a crianças e jovens, em especial aqueles em condição de vulnerabilidade social, proporcionando-lhes uma formação ampla através da música e outras formas de arte-educação. Para os meus pequenos parceiros, gravar em um estúdio profissional (estúdio Audio Porto, apoiador do projeto) seria mais uma experiência importante. Quanto à ação social, seria também educativa, para sua formação humanista.
Buscamos uma instituição reconhecida por trabalhar nessa direção, que tivesse uma história relevante e para a qual um apoio financeiro ajudasse a fazer a diferença. A escolha final foi pelo Instituto Sociocultural Afro-Sul/Odomode, de Porto Alegre, que, coincidentemente, completa 50 anos de atividades em 2024.
No dia 6 de outubro, no show beneficente “Acordei Sonhando”, no Salão de Atos da PUC RS, contarei com as participações das crianças que compuseram a canção com comigo, mais os atuais alunos dos 3º e 4º anos, regidos pelo professor Ianes Coelho. Além deles, os músicos do show Ramilonga, Edu Martins (contrabaixo) e Roger Scarton (harmonium), mais Thiago Ramil e Ian Ramil, que também têm um histórico de trabalho com crianças. O Afro Sul/Odomode também marcará presença com seus líderes Iara e Paulinho, mais os Lanceirinhos Negros.
Vitor Ramil
Setembro de 2023
Lindo.