texto de Davi Caro
O quinteto sueco The Hives, com o endiabrado Howlin’ Pelle Almqvist à frente, possui uma trajetória interessante: 2023 marca o trigésimo aniversário de existência da banda, o que os situa em uma geração anterior a muitos daqueles que chegaram aos holofotes no começo do novo milênio, ainda que – devido a Universal Music, que os tirou do selo indie Burning Heart em 2001 e relançou o álbum “Veni Vidi Vicious”, que havia saído independente em 2000 sem muito alvoraço, mas foi reembalado em 2002 pela major batendo no número 63 da Billboard – eles tenham sido encapsulados na cena do “novo rock” capitaneada pelos novaiorquinos Strokes, Yeah Yeah Yeahs e Interpol. Vieram na sequência mais três álbuns de inéditas e, 11 anos desde seu último LP (o subestimado “Lex Hives”, de 2012), chega agora “The Death of Randy Fitzsimmons”, o sexto disco do grupo.
Porém, não é como se o grupo tivesse, em algum ponto nesta última década, realmente saído de cena. Além de apresentações em festivais e do lançamento de um single, “Blood Red Moon”, em 2015, os fãs também foram agraciados com “Live At Third Man Records”, disco ao vivo registrado na sede da gravadora de Jack White, em 2019. E, se tem uma coisa que se pode ouvir daqueles que viram algum de seus shows mais recentes, é que o The Hives de atualmente não é muito diferente do visto em 2008 ou 2013 (quando passaram pelo Brasil no Orloff Five e fizeram “um dos grandes shows do Lollapalooza Brasil“, respectivamente) – e com a mesma energia que os distinguia das outras bandas que surgiram para a mídia ao mesmo tempo que eles. E, como pode ser ouvido em seu LP mais recente, o quinteto (que ainda conta com Nicholaus Arson e Vigilante Carlstroem nas guitarras, Chris Dangerous na bateria e, em seu primeiro álbum com o grupo, The Johan and Only no baixo) não perdeu seu talento em trazer a mesma energia para o estúdio.
E o segredo está em não mexer em time que está ganhando: fica claro o quão os membros do The Hives são cientes e se valem de suas virtudes em preservar as características mais marcantes de seu som: volumosas harmonias de seis cordas, bateria acelerada, sólidas linhas de baixo e vocais furiosos, além de um senso de humor no mínimo peculiar – o título do disco faz referência ao personagem fictício Randy Fitzsimmons, que supostamente teria agido como um antigo empresário do conjunto lá nos anos 90. Todos estes elementos criam uma experiência imersiva desde a primeira música, “Bogus Operandi”. Uma introdução mais lenta dá lugar a uma combinação de ritmos pulsantes e backing vocals que poderiam ter aparecido em “Tyranossaurus Hives” (2004). A velocidade só aumenta no punk rock de “Trapdoor Solution”, e os cinco (Dangerous em especial) pisam fundo no acelerador na inquieta “Countdown to Shutdown”. Depois de uma abertura tão agitada, as palmas e o ritmo mais dançante de “Rigor Mortis Radio” abrem espaço para respirar, mesmo que por pouco tempo.
Ouvintes menos habituados podem estranhar a presença de sopros na cinematográfica “Stick Up”, com guitarras que soam como teclados. “Smoke and Mirrors” e “Crash Into The Weekend” apresentam com clareza dois lados proeminentes da sonoridade dos suecos: a primeira, com o contrabaixo à frente, remonta aos valores pós-punk defendidos pelo grupo no início de carreira, enquanto a segunda, marcada por palmas e guitarras que remontam aos clássicos dos Stones, deixa fluir a influência de classic rock que eles nunca se preocuparam em esconder. Com uma introdução que faz uso de efeitos sonoros para criar ambiência, e Almqvist explorando bem seu alcance vocal, dá para dizer que a faixa seguinte, “Two Kinds of Trouble” parece menos memorável em comparação. O groove retrô de “The Way the Story Goes” se distingue mais, e “The Bomb” se sobressai como a faixa mais veloz de um disco que já as tem de sobra, mas não faz feio.
Mais uma surpresa é guardada em “What Did I Ever Do To You?”: os primeiros dois minutos são repletos de baterias carregadas de efeitos, sequenciadores e linhas mais quadradas de guitarra, no mais perto que já chegaram de soarem como um grupo de synthpop – isso é, até a reta final da música, que nos traz de volta à sonoridade dominante do resto do disco, inclusive com os metais de “Stick Up” retornando altos no mix. Um álbum com um início acelerado como este não poderia terminar de outra maneira, e “Step Out of The Way”, com a sessão instrumental da banda se encaixando em uma dinâmica hardcore impressionante, na segunda faixa mais rápida do disco (perdendo apenas para a também furiosa “Trapdoor Solution”).
É difícil dizer que os fãs mais devotos da banda vão se surpreender com o repertório trazido aqui. Grande parte das faixas, senão todas, são projetadas para funcionarem muito bem ao vivo, e vai ser realmente impressionante ver como as novas canções vão se encaixar nos shows futuros do The Hives, ao lado de clássicos como “Hate To Say I Told You So” e “Tick Tick Boom”. Neste sentido, talvez o grupo contemporâneo que mais se aproxima dos suecos seja o Queens of The Stone Age: ambas são bandas com atividades regulares e agenda de lançamentos intercaladas por hiatos (um pouco mais curtos, no caso da banda de Josh Homme), e que conseguem mostrar confiança preservando suas identidades musicais ao mesmo tempo que furtivamente adicionam novos elementos à sua paleta de sons.
Trata-se de algo que faz do The Hives uma das bandas que soam mais vitais junto a geração millenial de salvadores do rock. Em meio a uma turnê que os levou à novas audiências como abertura para os Arctic Monkeys e que tem uma passagem confirmada pelo Primavera Sound deste ano, é só uma questão de tempo até os brasileiros poderem testemunhar de perto a jovialidade dos cinco sobre um palco. Chamem de nostálgico, ou de repetitivo, ou até mesmo de “cringe”: o fato é que o som do The Hives (ainda) funciona, e muito bem. O próprio vocalista disse recentemente que “o rock and roll não consegue crescer, é um adolescente perpétuo, e essa é a sensação de ouvir este álbum”. Ao contrário do personagem-título, a entrega e o dinamismo exibida em “The Death of Randy Fitzsimmons” mostram que a vida do The Hives ainda pode ser muito longa.
– Davi Caro é professor, tradutor, músico, escritor e estudante de Jornalismo