texto por João Paulo Barreto
Há uma responsabilidade importante no Cinema como agente social quanto a sua abordagem relacionada a temas ligados à depressão. Muito foi dito sobre “Um Filho” (“The Son, 2022), seguAndo filme do diretor francês Florian Zeller a visitar laços familiares atormentados por questões de desequilíbrio emocional. Seus aspectos crus diante do que parece uma ausência de respostas fáceis e de elos que liguem pontos e concedam uma saída fácil para o espectador deixar a sala de projeção com algum traço de uma leveza impossível de se alcançar são características que boa parte da crítica especializada apontou como um problema.
No entanto, é justamente por não trazer uma resposta racionalmente explicável para seus acontecimentos que a obra de Zeller consegue criar um impacto para além da brutalidade de seu tema. O filme, na verdade, rima com a mesma ausência de respostas da vida real diante de fatos tão brutais como o que vemos nessa ficção. Mas isso não significa uma irresponsabilidade de seu autor. Longe disso. Há um cuidado em apresentar as possíveis soluções práticas e pragmáticas para o que vemos. Mas, como na própria vida, os erros emocionais suplantam qualquer traço de pragmatismo.
Após trazer Anthony Hopkins em estado de graça com “Meu Pai” (2020), o diretor e roteirista vencedor do Oscar adapta sua peça teatral e foca ainda na relação familiar entre cria e progenitor, mas, agora, com um viés de desenvolvimento que abarca não um aspecto da sanidade mental abalada por uma doença degenerativa advinda da terceira idade, mas, sim, do mal invisível da melancolia que pode, também, condenar jovens. E é justamente com um jovem que não tem, na superfície, motivo algum para se sentir infeliz, que a história de “Um Filho” se constrói.
Hugh Jackman no papel de Peter, um bem-sucedido consultor de campanhas políticas, traz para aquela figura exatamente a ideia da racionalidade que, quando mais foi preciso que existisse, cede espaço para o emocional que levará ao trágico. Aqui, de maneira semelhante ao que havia feito com “Meu Pai”, Zeller opta por explorar um modo mais sóbrio dentro da atuação de seus atores, escapando, assim, da armadilha de um drama choroso e manipulador de seu público quanto ao uso de músicas incidentais (a escolha de Hans Zimmer se justifica de modo perfeito) ou de atuações em tons desesperados vindos da sua dupla de protagonistas.
Dessa maneira, o que poderia ser visto como uma inexpressividade do jovem Zen McGrath na construção de Nicholas, o atormentado filho de Peter, encaixa-se de maneira precisa nas dúvidas que o adolescente sente diante da dor e do constante estado de tristeza que ele mesmo não consegue explicar o porquê de sentir. E o ator concede à figura de Nicholas a expressão perdida que desenha seus dias enquanto a depressão incompreendida o afoga.
Ao culpar o divórcio dos pais pelo seu constante estado de desespero e tristeza, Nicholas parece usar esse fato que aconteceu anos antes como uma muleta para tentar entender o seu constantemente desesperado estado de espírito. Mesmo que tal possibilidade seja realmente o gatilho para todo turbilhão emocional pelo qual ele passa, as dúvidas e incertezas diante de seus sentimentos suplantam qualquer constatação racional para o que ele sente. E tais dúvidas e tentativas de buscas racionais por parte dele e de seus pais alimentam exponencialmente o desespero interno que aquele rapaz busca esconder, mesmo que, em certos momentos, consiga transformar em palavras aquelas sensações.
Ao apresentar uma relação de conflitos mentais cujo pragmatismo parece não servir como ferramenta que rime com racionalidade, mesmo que seus personagens centrais pareçam insistir nele, Zeller produziu um texto sem respostas fáceis para a tragicidade daquelas pessoas. Mais do que criar uma narrativa na qual as repostas que possam levar seus personagens centrais a um equilíbrio vão, de algum modo, surgir, o autor e diretor foca no modo como a constante insistência por esse “resultado fácil” é o que gera a real tragédia que abarcará aquelas pessoas.
E quando ela chega, é doloroso de se assistir.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.