entrevista por Homero Pivotto Jr.
O Clutch é daquelas bandas cientes de que o palco é onde quem faz música mostra serviço e atesta o potencial que tem. Versos da faixa-título do décimo álbum dos caras, chamado “Earth Rocker” (2013), indicam isso: “if you’re gonna do it, do it live on stage, or don’t do it at all / if you’re gonna do it, you better take it to the stage, or don’t do it at all (em tradução livre: se você vai fazer isso, faça ao vivo no palco, ou nem faça / se você vai fazer isso, é melhor levar ao palco, ou nem faça). E o baterista Jean-Paul Gaster confirma que tocar em frente ao público é mesmo algo fundamental para ele e os colegas.
“Esse é o trabalho principal de uma banda. A ideia de se reunir e tocar música é para que a gente possa se apresentar juntos, como um grupo. Para mim, essa é a parte mais importante. Claro, há conjuntos que têm músicos que são mais de estúdio, e isso é válido também. Mas nós confiamos em nossa capacidade de colocar os sons que escrevemos no palco”, observa o estadunidense em entrevista via zoom para o Scream & Yell.
Além do cuidado com as performances ao vivo, o Clutch também sabe tirar bons resultados em estúdio. Um exemplo é o álbum mais recente, “Sunrise on Slaughter Beach”, lançado este ano pela gravadora da própria banda, a Weathermaker Music. O décimo terceiro registro de estúdio traz a indefectível assinatura sonora do Clutch — uma mistura entre o peso herdado do rock, a intensidade do blues, o groove do funk e até a ousadia do jazz — sem soar repetitivo. O trabalho acrescenta ainda elementos novos às composições, como vocais femininos e teremim. Outra novidade é a duração, menor que a de costume para o quarteto: são nove temas em 33 minutos.
“Fomos para o estúdio e experimentamos bem mais. Muitos dos sons que gravamos, eu não sabia como iria abordá-los. Geralmente tenho anotações de como tocar, mas dessa vez apenas experimentei para ver o que acontecia. Creio que o disco se tornou uma entidade em si por isso”, confessa Jean-Paul.
Fruto da cena do metal alternativo que ganhou visibilidade a partir dos anos 1990, o Clutch surgiu em Maryland (perto da capital Washington D.C, nos EUA) no ano de 1991. Desde o início das atividades, a formação segue a mesma. Completam o time, ao lado de Jean-Paul, Dan Maines (baixo), Tim Sult (guitarra) e Neil Fallon (voz). Na entrevista a seguir, Jean-Paul avalia as nuances na sonoridade da banda durante suas mais de três décadas, comenta a importância do punk na música e na postura do grupo, elenca influências na bateria, puxa da memória lembranças musicais e explica questões referentes ao álbum “Sunrise on Slaughter Beach”.
Vejo bastante entrevistas do Clutch suas. Pode-se dizer que você é uma espécie de porta-voz da banda?
Eu diria que sou apenas um dos integrantes. Tentamos dividir os pedidos de entrevistas entre todos os membros.
Sendo diretamente envolvido, como percebe a evolução — ou melhor, as mudanças — no som do Clutch desde o debut “Transnational Speedway League” (1993) até o recente “Sunrise on Slaughter Beach” (2022)?
Tem sido uma grande jornada, posso te dizer isso. Fizemos vários álbuns entre esses que você mencionou. Acho que o mais importante é que tocamos muitos shows e que, especialmente no início, cada disco que lançamos mostrava nosso crescimento na abordagem com os instrumentos. Fomos ficando melhores no que fizemos e meio que estabelecemos um estilo, embora eu pense que cada trabalho foi um passo próprio em nosso desenvolvimento. Eu poderia falar por horas das diferenças em nossos discos, mas, enfim, resumo como sendo uma longa jornada.
Você mencionou shows. Há um trecho na faixa ‘Earth Rocker’ que diz: If you’re gonna do it do it live on stage, or don’t do it at all’ (em tradução livre: se você vai fazer, faça no palco, ou nem faça). O Clutch é uma banda que preza pelo que é mostrado ao vivo?
Com certeza, somos uma banda muito do palco. Começamos a tocar com a intenção de fazer apresentações legais e bons álbuns. Era isso que queríamos. O lance do ao vivo apareceu naturalmente e, durante nossa carreira, era algo com o que sempre podíamos contar. Por que muitas vezes, como nos anos 1990, tivemos problemas com gravadoras, pois essas empresas queriam ditar quando e onde nós deveríamos gravar. Era complicado, mas sempre soubemos que poderíamos entrar numa van e sair a tocar para 100 ou 150 pessoas.
Pensa que é ao vivo que uma banda mostra seu potencial?
Sim! Esse é o trabalho principal de uma banda. A ideia de se reunir e tocar música é para que a gente possa se apresentar juntos, como um grupo. Para mim, essa é a parte mais importante. Claro, há conjuntos que têm músicos que são mais de estúdio, e isso válido também. Mas nós confiamos em nossa capacidade de colocar os sons que escrevemos no palco.
Agora, falemos sobre referências musicais: que nomes citaria como influências no começo da carreira e quais se tornaram inspiração ao longo do tempo?
Como baterista, no começo, provavelmente o baterista mais importante para mim foi o Bill Ward (Black Sabbath). Consegui perceber no jeito dele tocar um elemento do jazz que eu já havia escutado, mas, quando garoto, não tinha feito a conexão. Eu não pensaria que o baterista do Black Sabbath conhecia Gene Krupa. Você logo realiza que essas ligações são mais próximas do que parecem. Lembro-me de curtir bastante Gene Krupa, muito em razão do meu pai. E depois escutar Bill tocando com o Sabbath e pensar: “espera, há similaridades aqui!” E essa faísca me fez ter interesse a fundo não apenas em bateristas que vieram depois que Bill Ward, mas, mais importante, nos que apareceram antes dele. Então, comecei a prestar atenção em músicos como Elvin Jones, Buddy Rich e Max Roach. Você começa a entender que bateria não é apenas sobre um gênero musical, ela é um instrumento em si. E quanto mais você sabe sobre esse instrumento, melhor você se expressa. Há outro baterista que foi importante para mim, e eu acabo não falando muito sobre ele, é Brendan Canty, do Fugazi. Ele teve grande impacto, principalmente no meu jeito de tocar ao vivo. Fomos sortudos o suficiente para estar pelas redondezas de Washington D.C e vê-los um bocado de vezes. Sempre uma banda maravilhosa ao vivo! O que eu mais curtia é que parecia haver um senso de improvisação no que eles faziam. Não é dizer que eles eram uma banda de jazz, mas sempre havia algo que poderia sair diferente. Por causa disso comecei a conectar os pontos com outros tipos de música que permitiam improvisação. Brendan tinha uma abordagem muito musical, não era só um cara que tocava a batida. Me inspirou bastante no começo.
Curte hardcore, certo? Li em alguma entrevista que você é fã de bandas como Bad Brains.
Sim, teve muito a ver com nossa educação musical. Nomes como Bad Brains, Cro-Mags e algo do metal também. Lembro-me de ser fã do Morbid Angel e do Sepultura (uma grande influência no Clutch). Pegamos tudo isso — além de Jimi Hendrix, Miles Davis e Allman Brothers —, misturamos e criamos músicas das quais gostamos.
Interessante você falar sobre o Sepultura. A primeira vez que fiquei sabendo sobre o Clutch foi ao ver o Iggor usando uma camiseta de vocês. Aí, fui atrás para saber mais sobre a banda.
(OBS: na verdade, durante a tradução desta conversa, o entrevistador lembrou que a situação foi um pouco diferente: a primeira vez que ele ouviu falar sobre Clutch foi sim com Iggor Cavalera. Mas quando o baterista escolheu um som dos caras para rodar no Fúria Metal, da finada da MTV.
Você falou sobre seu pai. Ele também era músico?
Não. Ele era um grande apreciador de música apenas. E não só de big bands, ele gostava de vários estilos, como blues e bluegrass. Tenho uma lembrança específica de infância: minha família não costumava assistir a seriados na TV, meu pai não curtia. Em vez disso, olhávamos muito canais públicos que tinham programação educativa. E, algumas vezes, eles passavam shows com transmissão simultânea. Isso significa que também era possível sintonizar, via emissora de rádio do canal de TV, no aparelho de som. E aí dava para ver as apresentações em estéreo. Meu pai amava isso! Ele tinha autofalantes instalados no teto. Acho que ele gostava de ver essas performances ao vivo com som de qualidade. Recordo de uma pontual do Buddy Rich. Como nunca tinha o visto, aquilo me marcou, ainda mais em som estéreo.
Assim como o som do Clutch mudou, a indústria da música também. E, acredito, essa deva ser uma das razões pela qual resolveram fundar uma gravadora: Weathermaker Music. Como tem sido lançar seu próprio material desde o álbum “Strange Cousins from the West” (2009)? Quais prós e contras de gerenciar a própria gravadora?
As vantagens são fácies: lançar música quando queremos e gravar onde achamos mais adequado. Sem falar que não precisamos fazer reuniões com executivos dizendo que não gostaram da nossa música nova. Somos bem mais livres e apreciamos isso. A parte ruim é que ainda existe frustração. Agora, somos donos de uma gravadora e temos de lidar com os mesmos desafios de qualquer outro empresário. Tipo: fazer vinis é bem difícil. Coordenar o lançamento de um álbum também pode ser desafiador. Por sorte, temos uma equipe competente que nos cerca e não precisamos fazer tudo nós mesmos diariamente. Mas nos envolvemos bastante nas tarefas. Se algo dá errado, é culpa desse cara! (Jean Paul aponta para si).
Você?
Todos da banda, na real. Começa como um grande acordo de liberdade, mas é também uma grande responsabilidade.
Meio Homem-Aranha: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.
(risos) Assim mesmo!
Já ouviram de pessoas das gravadoras que não haviam gostado de sua música?
Sim! No começo, com certeza. Na verdade, tivemos muito disso (risos). Lembro que, na época do “Elephant Riders” (1998) aconteceu. Foi porque montamos estúdio em uma casa de fazenda que vivíamos à época e gravamos o disco todo lá. Mandamos o material para a gravadora e disseram: “não”. Naquela altura, cheios de frustração, fomos para Nova York bem a contragosto. Tivemos a oportunidade de trabalhar com duas pessoas bem experientes. Uma delas era Jack Douglas, que produziu alguns materiais do Aerosmith, como “Toys in the Attic” (1975). Ele também trabalhou com John Lennon e muitos outros artistas lendários dos anos 1970. Jack tinha muita bagagem, e acho que ele não sabia muito sobre o Clutch. E, para ser honesto, nem nós conhecíamos muito dele. Éramos de gerações diferentes. Mas rolou de ele fazer com que tornássemos as composições melhores. Simplificamos os arranjos e estivemos com ele por muito tempo antes de entrar em estúdio. Foi uma bela experiência! A segunda coisa bacana que tivemos de fazer foi trabalhar com o Jason Corsaro, outro profissional muito gabaritado. Ele ajudou a moldar aquele que, percebo hoje, considero um dos melhores — se não o melhor — som dos discos do Clutch.
Quais foram os acontecimentos fundamentais que fizeram com que o Clutch se tornasse uma banda profissional? Ou essa era a intenção desde que o grupo se formou?
Não era nosso objetivo ser uma banda profissional. A ideia era só fazer shows e álbuns legais. Para nós, uma banda profissional, como você diz, eram aquelas que tocavam no rádio. Caras com cabelos compridos, roupas bobas e calças apertadas. A gente não curtia isso, achávamos brega. Estávamos felizes em ser uma banda underground. Se conseguíssemos abrir um show do Cro-Mags algum dia, estaria ótimo. Falando por mim, eu tinha ambições de me tornar um baterista, embora não tivesse certeza de qual caminho trilharia. Desde cedo me dei conta de que era com a bateria que eu me acertava. Eu conseguia fazer outras coisas, mas não muito bem.
Mais uma vez você citou o Cro-Mags. Falando novamente sobre punk/hardcore: como o estilo influenciou vocês? Não só musicalmente, mas na maneira de se portar como artistas.
A mentalidade “faça você mesmo” sempre nos acompanhou. Lá no início, nós mesmos fazíamos nossos flyers, marcávamos shows e criávamos as camisetas. Sempre nos envolvemos. Houve interesse de uma grande gravadora no começo, e acabamos assinando com eles logo que nos tornamos uma banda. Mas esse senso de fazer as coisas por nós nunca abandonou a gente. É parte daquilo que somos. Inevitavelmente, ao assinarmos com uma gravadora, ela nos daria um adiantamento para gravar o disco e nos largaria. Foi aí que o lema “faça você mesmo” ganhou força. Faríamos o que era preciso fazer por nós. Percebemos que não dava para depender de ninguém. Ninguém vai batalhar duro pela sua banda tanto quanto você. Creio que é algo interessante para músicos jovens de hoje em dia. Só porque você despertou interesse de uma gravadora, apareceu em algum playlist do Spotify ou tocou no rádio, não é o fim da jornada. É onde o trabalho começa, na verdade. Você tem de se envolver e ficar atento aos negócios mais do que nunca. Pessoas de fora estão, mais do que nunca, querendo tirar dinheiro de você. É necessário ficar esperto se você deseja fazer da música seu emprego.
Falemos sobre o disco novo: “Sunrise on Slaughter Beach”. De onde veio esse nome?
Slaughter Beach é uma praia perto de onde moramos, no estado de Delaware. É um lugar bem bonito, já estive de férias lá algumas vezes. Assim como Neil (vocalista). Acho que foi por aí a inspiração. Algo como o Neil dando uma caminhada na areia em Slaughter Beach. Interessante é que, por mais belo que seja o local, o nome soa bem brutal. Há algumas histórias locais de o por quê isso ocorre. Neil é muito bom em criar essas frases carregadas de sentido, que as pessoas podem interpretar de maneira diferente. Se você falar para 10 pessoas “Slaughter Beach”, pode ser que cada uma delas dê interpretações diferentes. E isso legal!
O álbum tem a identidade do Clutch, mas adiciona elementos incomuns na discografia, como vozes femininas e teremim. Como rolaram essas ideias?
Começamos a escrever no início da pandemia, tão logo nos demos conta de que não iriam rolar shows nos meses seguintes. O que fizemos no primeiro ano de trabalho praticamente não entrou no disco. Foi meio que uma tentativa de mantermos o processo criativo e as coisas fluindo enquanto o mundo ia se ajustando. Acho que só compilamos material que realmente foi para o álbum depois de percebermos uma luz no fim do túnel, quando entendemos que logo as turnês poderiam voltar. Isso nos incentivou a focarmos mais nas composições. Foi no segundo ano do trabalho que os temas acabaram por se tornar um álbum. O desafio desse disco foi que não pudemos tocar os sons ao vivo. Tradicionalmente, criamos algumas músicas e as apresentamos em turnê. Colocando esses sons no repertório, independentemente do quão bem acabados estão, nos dá noção de como a música vai sair ao vivo. Quando você pratica na sala de ensaio, não há interação com a plateia. Então, eu fico tentando adivinhar se está bom ou não. Em resumo, tento fazer música que move as pessoas. Quando dá para ver a galera e perceber o que acontece quando entra a bateria, o baixo, o refrão, você pensa: “ok, vai funcionar”. Ou ao contrário, tipo “isso não é tão bacana, temos de mexer em algo”. O palco para nós é como um laboratório, e não tivemos isso para esse trabalho mais recente. Foi um desafio nesse sentido. Mas, definitivamente, isso também fez do disco o que ele é. Fomos para o estúdio e experimentamos bem mais. Muitos dos sons que gravamos, eu não sabia como iria abordá-los. Geralmente tenho anotações de como tocar, mas dessa vez apenas experimentei para ver o que acontecia. Creio que o disco se tornou uma entidade em si por isso.
Sobre as vozes e o teremim, especificamente: lembra como pensaram em usar esses recursos?
Sim! Tudo rolou naturalmente. Nosso produtor Tom Dalgety, que é ótimo na mesa de som, estava envolvido conosco quando estávamos gravando. E ele gosta de tentar elementos novos em nosso som, coisas que não usamos até então. Tem um tempo já que o Neil pensa em trabalhar com vocais femininos. Calhou que um amigo próximo chamado Nate Bergman, que tem uma banda chamada Lionize e também é artista solo, tinha contato de algumas cantoras com quem trabalhou. Então, Neil falou com ele e conseguimos as vozes femininas. Já o teremim estava no estúdio, que é de propriedade J. Robbins, um cara que já trabalhou com o Clutch em álbuns anteriores. O J sabe bem como usar um teremim e, em uma tarde, nos surpreendeu vindo tocar o instrumento. Claro, Tom viu e adorou. Ficamos ali por uma hora e meia vendo J tocar e gravar, e foi absolutamente incrível. Ao vivo, quem faz a parte do teremim agora é o Neil. É divertido!
O Clutch faz algo que acho sensacional: usar expressões e referências do universo rockeiro e do metal nas letras. A faixa que abre o trabalho mais recente, chamada ‘Red Alert (Boss Metal Zone)’ é um exemplo, já que brinca com o nome de um pedal de efeitos. Lembra como essas metarreferências ao estilo passaram a pipocar nas letras do Clutch?
Posso falar pontualmente sobre ‘Red Alert (Boss Metal Zone). Em algum momento durante o isolamento, e nós todos vamos lembrar, havia muitas teorias da conspiração sobre o motivo pelo qual você talvez não devesse se vacinar. E uma delas era de que a injeção teria uma espécie de chip de computador ou algo assim, que poderia monitorar você e sua família. E alguém postou a imagem do circuito desse tal suposto chip. Então, um engenheiro rastreou isso e descobriu que era mesmo um circuito que existe. Só que do Metal Zone, da Boss. Então pensamos que seria maneiro o conceito de injetar um pedal desses no seu corpo. O Neil (vocal) é extremamente talentoso em pegar ideias aparentemente sem relação e costurá-las em uma espécie de universo alternativo. E isso é muito legal! Eu fico constantemente surpreso sobre as coisas que ele canta e como as canta.
Acho isso muito interessante. No disco “Earth Rocker” há alguns bons exemplos dessas citações ao mundo do rock. A faixa ‘The Face’, por exemplo, é espetacular. Eu escuto e fico imaginando os baixos Jazz Master e as guitarras Les Paul voando e caindo no mar.
Concordo, também adoro isso! A imagem que se cria no decorrer de algumas poucas linhas assim é incrível.
Poderia dizer quais suas faixas preferidas no “Sunrise on Slaughter Beach”?
Claro! Uma das que eu especialmente gosto de tocar é ‘Mountain of Bones’. É um som interessante porque, para mim, é um desafio. Essa música surgiu de uma ideia em que trabalhamos por meses. Tom (Dalgety) tem parte grande nisso. Até entrarmos no estúdio, eu estava frustrado, não tinha bem certeza de como abordar essa composição. No fim das contas, acabei fazendo uma batida que achei bem legal. E agora, quando tocamos essa música ao vivo, é uma das minhas favoritas. Acho que tem a ver com o arranjo, que não é muito ortodoxo para nós. E o groove também é algo que não tenho feito muito, uma pegada mid-tempo / up-tempo rock. Um lance meio de fundo que eu penso que não sou tão bom em fazer. Mas acabou saindo superbacana.
Também gosto desse som! Mas, confesso, minha faixa favorita do álbum novo é ‘Skeletons on Mars’. Uma das razões é o jeito que você toca: uma batida que me lembra as do hardcore, porém mais, digamos, contida. Poderia explicar qual a ideia dessa levada?
Nessa batida, colocamos a caixa em cada quarta (unidade de tempo do compasso quaternário). Há algumas situações em que você pode escutar esse beat e pensar que é hardcore. E é, na verdade, pois muitas bandas do estilo adotaram tal batida. Mas ela apareceu com grupos da Motown (clássica gravadora de soul e outros ritmos que lançou inúmeros artistas negros) durante os anos 1960. À época, soava um tanto diferente pela maneira como se costumavam gravar a bateria, usada mais ao fundo. Mas a batida é basicamente a mesma. Também é um beat popular na música funk de New Orleans, em que se manipula esse backbeat e o coloca em espaços que normalmente não funcionariam. É algo que pega referência de estilos antigos. A gente usa isso com novos elementos e funciona. Bateristas de hardcore têm usado isso há um bom tempo, mas é legal que é algo que tem um rico passado para além do hc.
Vamos a algumas curiosidades! Em um vídeo ao vivo recente, no Hammerjacks, aparecem algumas pessoas coladas na grade, curtindo. São parentes dos integrantes?
Minha mãe estava lá (risos), mas ao lado do palco. Ela não ficaria na barricada. Esse lance de terem famílias nos assistindo tem rolado com frequência. Pessoas que iam nos ver antigamente, há uns 20 anos, casaram e algumas têm filhos. E eles acabam trazendo as crianças às nossas apresentações. Não é incomum ver três gerações de uma família. Tipo vó, filho e neto.
Houve uma ocasião em que Dan ficou sem o próprio baixo e quem emprestou um instrumento a ele foi o Lemmy (Motörhead). Como foi isso?
Foi sensacional (risos)! A gente viajou de avião para a Alemanha, onde tocaríamos no Wacken Open Air. Naquele momento, já havíamos feito algumas turnês com o Motörhead, éramos próximos deles. Posso dizer, sem cerimônia, que as duas giras que participamos com eles foram, possivelmente, as melhores da minha vida. Nesses 30 anos como músico, poder ver os caras ao vivo toda a noite foi muito inspirador. Enfim, conhecíamos a banda e éramos parceiros da equipe deles. Quando aterrissamos na Alemanha, o Dan estava sem baixo. Foi perdido em algum lugar na alfândega, acho. Deu acaso que o Dan usa Rickenbacker, e o Lemmy também tocava com um. Então, Lemmy acabou deixando Dan usar o dele. Foi aquele em que está escrito “born to lose”. Incrível!
Posso imaginar o Lemmy, com aquela voz grave: “hey, use o meu baixo”.
E foi isso mesmo! Sensacional!
O Clutch mantém a mesma formação desde o início. Sei que não existe fórmula para isso, mas o que pode ajudar?
Bom, não nos levamos tão a sério. Curtimos fazer muitas piadas. Mas, talvez uma das principais razões, é que quando começamos a banda não havia intenção de termos uma carreira. Como eu já comentei, queríamos apenas tocar e fazer música. Por causa disso, acabamos ficando juntos, porque sempre focamos na música. Sabemos que se a coisa ficar difícil, o que precisamos é sair e tocar, pois será o suficiente para termos a grana do aluguel e para algumas cervejas. Ou seja: dependemos da música. Em razão disso, temos uma relação especial. Cada um aprecia o que o outro faz na banda faz. Gostamos do que construímos juntos e nos respeitamos. Todos nos damos bem. É até meio tedioso no fim das contas. Em algumas situações, depois dos shows, não precisamos nem dizer nada um ao outro. Convivemos tanto que fica cada um fazendo algo diferente. Somos agradecidos por esta parceria.
São amigos para além da banda?
Sim, com certeza. Nos encontramos no galpão onde ensaiamos, tocamos, bebemos um pouco, brincamos e fazemos piadas.
Para fechar: ainda acredita que o Willie Nelson só fuma maconha matadora?
Sim! Não sei agora, mas antes era só da boa, mais pura verdade. Fomos para o Texas há muitos anos, época em que era difícil conseguir erva de qualidade. Talvez fosse possível na Califórnia ou em Michigan. Fora isso, pouco provável. Estávamos acostumados com uma que chamávamos “brown frown” (carranca marrom, em tradução livre), um beque meio marrom. Medonho! Lembro que estávamos em Austin e um amigo nosso conhecia a pessoa que fornecia para o Willie Nelson. Pensamos: “vamos experimentar essa merda, então!” Foi uma das mais fortes que usei na vida. Fiquei detonado.
– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.