entrevista por Renan Guerra
Com sua voz forte e calma, Arthur Nogueira fala com encanto sobre música, poesia e arte. E é essa tríade que guia o olhar do artista sobre o mundo, é sob essas lentes que ele consegue transformar nosso cotidiano e nosso país em canções e poemas. “Brasileiro Profundo” (2022) é seu sexto disco e chega ao mercado atrelado a um livro de poesias e a um vídeo álbum gravado em diferentes cidades do país.
Pela primeira vez composto majoritariamente por letras do próprio paraense, “Brasileiro Profundo” reúne ainda duas parcerias inéditas com importantes poetas-letristas: Antonio Cicero e Jorge Salomão. O disco tem produção de Leonardo Chaves; o vídeo álbum é assinado por Vitor Souza Lima; e o livro foi editado pela Amo!, editora do Pará focada nos autores contemporâneos da Amazônia, conta com prefácio de Adriana Calcanhotto e posfácio de Antonio Cicero – letristas que influenciam Arthur –, além de orelha de Cleilton Silva, professor e mestre em literatura da Bahia.
São muitas credenciais, mas o que salta aos olhos e ouvidos é a força de letrista de Arthur Nogueira, que soa ainda mais seguro e forte em seu novo trabalho. “Brasileiro Profundo” é um olhar atento sobre o nosso tempo, o nosso país e a nossa gente, em canções que conversam mais diretamente com o formato pop e com os ritmos percussivos. Produzido de forma independente, o disco ganhou corpo em diferentes linguagens e se torna o projeto mais ambicioso da carreira de Nogueira.
Para entender mais sobre “Brasileiro Profundo”, o que motiva e o que inspira Arthur Nogueira, nós conversamos com ele via chamada do Zoom e você pode ler o papo na íntegra abaixo:
Para começar, essa que se tornou a minha pergunta de praxe desde 2020: como você está? Como você está nesse Brasil de agora?
Estou à flor da pele. Acho que essa é a definição, porque estou muito feliz com tudo que consegui realizar da ruína, sobrevoar as ruínas, todos os momentos em que eu pude voar. Mas ao mesmo tempo é muito cansativo, né? Porque os artistas realmente se tornaram multitarefas para poder sobreviver. E não falo isso com nenhum tom de reclamação, porque só tenho o que comemorar, mas é cansativo, por isso me sinto à flor da pele. Sempre tem muita coisa para estar ligado: é a música, é o canto, mas é também a promoção disso, são as redes sociais, eu fiz uma pré-venda do meu livro também, assinei todos os livros, conversei com as pessoas. São muitas demandas e acho que a minha geração também de certa forma é cobaia, porque a gente está pavimentando um novo momento que vai ser melhor, no futuro.
É como um espaço de transição, não?
É, é isso, por isso é à flor da pele mesmo, porque é intenso, porque no fundo a gente também não sabe fazer, a gente está aprendendo errando. Mas isso também acontecia muito antes, lembro da Marina falando que ela só fez no “Fullgás” (seu quinto álbum) o que ela realmente gostaria como artista, e essa descoberta é natural, porém a diferença é que ela fez antes discos numa multinacional, com uma grande estrutura e tal, então esse aprendizado, eu acho que hoje é um aprendizado mais à flor da pele.
Antes de a gente falar do disco novo, nesse tempo já de pandemia você trabalhou na produção do disco da Adriana Calcanhotto, “Só”, e também já foi um processo à distância. Eu queria que você falasse um pouco como foi essa experiência e como ela colaborou, posteriormente, para a produção de seu próprio disco nesse espaço de pandemia.
Foi desafiador e difícil. É claro que a gente sempre usou a tecnologia, a internet para produzir, meus discos eu sempre fiz com pessoas que não estavam necessariamente perto de mim colaborando, seja como compositor, como músico e tal, mas fazer um álbum inteiro à distância e ainda por cima num momento que ninguém está bem psicologicamente – hoje eu acho até que está pior, mas naquela época a gente não estava bem também, a gente estava com muito medo, ninguém sabia o que era isso, quando que ia acabar, ainda não acabou, então tinha toda uma pressão. Mas ao mesmo tempo eu acho que ter me mantido produtivo me ajudou a sobreviver, sem exagero. Me lembro de um dia específico em que acordei muito desestimulado e triste, achando que tinha acabado tudo e aí recebi [a música] “Tive Notícias Suas”. A Adriana mandou essa canção e me lembro que fiquei emocionado com essa coisa de “cá no mundo da lua / tive notícias suas”, porque no fundo é o que acusam os poetas, os compositores, de a gente viver com a cabeça nas nuvens, tem uma música que eu falo disso no meu disco, mas isso foi o que me salvou. Pegar essa carona assim para a lua com a Adriana me inspirou e me salvou daquela sensação ruim. Então é isso, e por outro lado, o resultado do “Só”, que é um álbum muito sofisticado, a gente tem muitos músicos, a gente tem cordas, tem sopros, então não é nada do que se espera de “vamos fazer um disco aqui em casa”, porque a coisa de em casa ainda tinha uma ideia – acho que a Billie Eilish acabou com isso – de demo, o que é feito em casa não é finalizado.
Aquela ideia de lo-fi.
Sim. E eu trabalhei com todo mundo para que o “Só” não fosse isso, de forma alguma. E aí isso também me libertou e me deu segurança para fazer o meu. Então logo depois do “Só” eu pensei “não, é agora, eu estou há 5 anos querendo fazer um álbum autoral depois do ‘Rei Ninguém’ e ainda não fiz porque fico esperando patrocínio, fico esperando edital, não”. Falei com o Leonardo Chaves, que é co-produtor do “Só” e o produtor do “Brasileiro Profundo” e falei “vamos fazer agora? Acho que agora é a hora” e ele foi muito parceiro e a gente fez. Então é isso, é a dor, mas também como a gente aprende nessas situações.
E aí quando você tomou essa decisão de “vamos criar o ‘Brasileiro Profundo’”, você já tinha canções escritas, você já estava num processo, como foi essa parte de escolher as canções e entender o que formaria esse novo disco?
Olha, eu não escolhi, eu sentei pra compor. E eu fui compondo. Não tenho sobras, digamos assim, do “Brasileiro Profundo”, porque o que eu compus basicamente eu gravei, sabe? Acho que tem algumas canções que às vezes não dão certo, que a gente começa, mas simplesmente elas não dão certo e elas ficam num lugar, isso teve, me lembro de algumas ideias de canções que não rolaram e ficaram inacabadas, mas tudo que fiz, eu gravei. E fiquei pensando muito sobre a desilusão, a desilusão com o Brasil que me moveu, uma vontade de me libertar pela página. Por isso que a capa do álbum é também desse jeito, porque eu não me colocaria jamais como “o brasileiro profundo”, porque acho que isso é uma ideia assim do “ser-brasileiro” e que o objetivo é que todo mundo se reconheça nessa história, afinal de contas o Brasil não é uma coisa só, então penso muito nisso, nessa coisa de “Brasil acima de tudo”, não, a ideia de Brasil não está acima de nenhum brasileiro, entendeu? Então por isso que “Brasil profundo” é uma expressão que vem do Sul e do Sudeste e que tudo que não se conhece, tudo que não é do Sul e Sudeste, é Brasil profundo, não é isso. Isso é uma generalização opressora. Por isso prefiro pensar nos brasileiros, nessa diversidade estonteante. Então ao invés de pensar em qualquer coletividade que possa ser opressora, a própria ideia de pátria é opressora, tanto que regimes fascistas usam “pátria, família, religião”, então contra essa ideia de pátria, eu quero pensar nas pessoas, eu quero celebrar a diferença de cada um de nós, brasileiros.
Eu acho que a gente teve uma cisão nesses últimos tempos, em que a gente se sentiu meio que não pertencente a essa ideia de Brasil e de pátria, é como se eles tivessem, de algum modo, nos tirado o Brasil.
A nossa referência, sim.
E é muito estranho a gente ter que se reconectar com aquilo que a gente gosta e aquilo que a gente acredita no Brasil. Também é um processo novo esse de tentar se reconectar com o que a gente acredita que é a nossa arte, a nossa música, as nossas pessoas, aquilo que nos torna o que é tão interessante.
E como também eles sempre querem respostas, definições: o Brasil; o Deus, que é um Deus, que ignora todo o sincretismo; a família, que ignora toda a diversidade, a liberdade, as discussões de gênero e tudo. E aí que está, pois também não me interessava e não me interessa falar sobre essas pessoas também, eu vejo que há muitos trabalhos que a pessoa fala diretamente, mas não me interessa isso, pois acho tão pequeno e acredito que seja passageiro, me interessa muito mais pensar desse ponto de vista do que é realmente importante, sabe? Então tem uma canção no disco específica que falo sobre isso, que falo diretamente para esse tipo de gente, é uma música chamada “Mundo Aberto”, em que digo que “quem viver na morte não entenderá o que alumbra aqui no meu mundo aberto”, porque o que me interessa é o mundo aberto, é um sem fundo assim como uma página, então todas essas definições, essas caixinhas, essas coisas que querem colocar a gente eu acho que realmente não me interessam, sabe? Nós não somos fechados.
Pra produzir esse disco você contou com uma gama de artistas em diferentes lugares do país, eu acho que isso também é interessante para essa construção do álbum, queria que você explicasse um pouco como foi essa conexão com todas essas pessoas à distância.
Engraçado porque me dei conta disso depois. Pensei “nossa, esse time é diverso como o Brasil”, pra você ver como é natural a nossa diversidade. Então, acho que na verdade a diversidade é um trunfo, apesar da nossa história horrorosa, e falo um pouco disso em uma música chamada “Treva Branca”, mas mais ligada à questão da Amazônia, especificamente, do Pará. Essa música surgiu por causa de um filme do Hector Babenco chamado “Brincando Nos Campos do Senhor” (1991), que foi gravado em Belém e que fala sobre essa questão de como foi violenta, terrivelmente violenta, a catequisação dos indígenas e a exploração do espaço da floresta. Esse filme é sobre isso [o gato de Arthur aparece na chamada, entrando em frente à câmera]. Esse é o Orlando, meu gato, também tem uma música que eu fiz pra ele. Mas então, ainda assim, o que a gente tem hoje é a diversidade, né, então quando me dei conta desse time, pensei “nossa, que interessante, um álbum chamado ‘Brasileiro Profundo’ que tem pessoas tão diferentes”, então tem por exemplo o Zé Manoel, que estava em Recife quando gravou, o Allen Alencar em Aracaju, o Diogo Gomes no Rio de Janeiro, o Luiz Pardal e o Leonardo Chaves em Belém, eu uma época estava lá em Belém, depois voltei pra São Paulo e terminei o disco já aqui. Enfim, muita gente, muitos lugares e muitas pessoas com muitas histórias diferentes de vida num mesmo país dando a sua contribuição. E foi isso, acho que é uma prova que a nossa diversidade é um trunfo, por que ela se manifesta naturalmente.
Outra frente do disco é transformar essas canções também em um álbum visual e eu acho interessante como elas também apresentam, pelo menos nos vídeos que a gente já pode ver, um pouco desse seu Brasil. Tem um clipe no Pará, outro em São Paulo, e eu queria entender como foi chegar nessa decisão de transformar as canções também em um álbum visual.
Brinco que se pudesse eu seria um Gorillaz, eu sou um artista que não faz muita questão de aparecer, se pudesse eu não apareceria nunca, então tenho dificuldade com esse tempo da imagem e da coisa que é muitas vezes a imagem do artista que chega antes que a sua música. A minha primeira ideia nesse disco era fazer um vinil, exatamente por ele ser um álbum, e é uma coisa que a gente já falou, como os álbuns, os discos marcaram a minha vida, essa coisa física deles, então eu queria fazer um vinil, mas diante da crise, as fábricas sem matéria-prima, os preços aumentaram, os prazos aumentaram, o vinil ficaria pronto apenas muito tempo depois do lançamento do disco. Então foi a Juliana Sá, que trabalha comigo com comunicação, que falou “vamos fazer um vídeo-álbum, por que é importante para você ter um material de imagem”, e fiquei pensando como eu poderia fazer de um jeito que eu curtisse, que fosse mais fácil pra mim, e pensei no Vitor Souza Lima, porque primeiro é uma pessoa que me conhece há muito tempo, ele é de Belém, é um amigo desde a adolescência, e segundo porque ele tem um trabalho, ele é documentarista, o trabalho maior dele no cinema é com documentário, então ele já tem uma visão que é mais profunda a respeito das coisas; por ser um documentarista, ele quer pensar mais profundamente sobre as coisas, e ele também tem um jeito muito poético, o cinema dele, as coisas que ele faz, então achei que ele me deixaria à vontade, porque ele pensaria junto comigo na canção, na mensagem de cada canção. Aí a gente foi fazendo e acabou que eu adorei, foi uma experiência em que me diverti, me joguei, sabe? A gente teve altas ideias e topei todas, porque acho que a gente estava fazendo com foco no trabalho, tanto que acho que a faixa-título “Brasileiro Profundo” tem exatamente isso, de não me me colocar como um modelo de brasileiro profundo, então a ideia do clipe são as páginas em branco, aquilo é uma cortina de páginas em branco, e digamos que sou eu visto através da página, é esse ser poeta dançando nas páginas e visto através das páginas, que é o que eu acho que é esse álbum, então esse tipo de coisa foi possível graças ao jeito como o Vitor trabalha, à sensibilidade dele.
Você falou nessa questão de ser poeta, isso também é um ponto importante nesse novo trabalho, pois além do disco e do visual, vem também um livro. Acho que você se coloca cada vez mais como um artista, um cantor, um poeta que conecta todas essas frentes. Qual é a importância para você de lançar esse livro de forma conjunta com o disco?
É uma libertação, exatamente pelo fato de gostar muito de poesia e de também ter ouvido muita música brasileira, pois aqui a gente tem uma qualidade muito grande, muitos poetas do livro que também escrevem letras de canção. Eu me cobrava muito nesse lugar, tanto que os meus outros álbuns todos têm letras minhas, mas esse é o primeiro que tem muitas canções que eu fiz sozinho, letra e música, então foi uma libertação. E aí foi curioso, porque aí, exatamente nesse momento, de me assumir nesse lugar, veio o convite da editora. Então pensei “nossa, mas será que as minhas letras podem se sustentar numa página, assim que coisa ousada”, e pensei, pois não sou um poeta, eu escrevo letras. Reuni e acho que por gostar de poesia, quando faço letras também penso não só na música, mas também naquela letra com rigor mais ligado à poesia escrita, e acho que foi por isso que quando reuni o material e mostrei para algumas pessoas, elas me incentivaram, como a Adriana [Calcanhotto], o Antonio Cicero e o Cleilton Silva, que escreveu a orelha do livro e é um grande amigo, um mestre em literatura, então enfim, eu creio que foi uma libertação. Acho que faltava isso pra mim, sabe? Tento também ver o meu trabalho como um aprimoramento, um desafio que me imponho, fazer algo que nunca fiz, sabe? E acho que esse disco tem isso, por causa da poesia. Por isso também que a capa eu acho que tinha que ter uma referência desse ser poeta, então sou eu também misturado à pagina, por que acho que o que sou não é tão importante como a música que faço, como a poesia que faço. Vi a Nara Leão dizendo no documentário dela que ela gostava mais dela própria do que da cantora, algo assim, eu sou o contrário, eu acho que o sublime da existência é poder compor e gravar, acho que nesse lugar assim a gente está mais perto do sublime do que no dia a dia ordinário, né?
Falando enquanto ouvinte, eu acho que esse disco tem coisas bastante diferentes dos anteriores, ele tem uma produção diferente, é como se você explorasse novos caminhos, outros instrumentos aparecem, e aí eu queria entender se isso foi uma coisa deliberada ou se foi surgindo. Como que se formaram essas canções?
Tudo meu é muito pensado, tem algumas coisas que acontecem assim pela inspiração, pela surpresa, mas no geral eu penso bastante. E eu vinha já, há algum tempo, com uma vontade de marcar minha história, no sentido de explorar percussões, eu cresci no Pará ouvindo carimbó, ouvindo esses ritmos que são muito percussivos, e agora senti que era o momento, porque antes eu queria muito marcar o meu lugar como um lugar de não prender à terra, sabe? Eu não queria ter raízes, eu queria ter asas, então por isso que eu falo na música “Valente”, “eu planto coragem nos pés e cravo a terra no coração”, que é pra onde quer que eu vá isso tem que ir comigo, eu não posso ficar preso no chão. Então achei que depois de tudo que eu tinha feito, agora eu poderia ter uma relação mais tranquila com a questão da terra, sabe? E por isso decidi que esse seria um álbum que seria fundamentado nas percussões e não nas levadas eletrônicas ou na bateria, como nos meus álbuns anteriores. Então essa já era uma coisa que já cheguei com o Leonardo Chaves, produtor do disco, dizendo “esse é um álbum percussivo, quero fazer com percussão”. E o próprio Leonardo me disse quando eu mandava as músicas, eu comecei a compor e gravar em casa, eu mandava para ele um voz e violão da música e ele dizia “eu acho que a gente tem que fazer assim, partir exatamente desse jeito que você compôs”. Também foi uma libertação muito grande, porque muitas vezes eu quis desconstruir isso para criar uma defesa, sabe, e nesse [disco] não, eu acho que eu estou ali totalmente como eu sou. Nem todas as faixas sou eu que estou tocando, porque também sou muito chato com a questão técnica e não sou um violonista, sabe? Então achei mais legal em algumas chamar o Renato Torres, que é um grande violonista. Mesmo que ele tocasse do jeito que eu estava tocando, ele ia executar isso de um jeito tecnicamente melhor, sabe? Mas é isso, partiu do meu violão, da minha vontade de falar da minha história. A primeira canção fala sobre Belém, sobre a minha mãe, então é o ponto de partida, o mesmo ponto de partida da minha vida, digamos assim.
Você falou um pouco dessa coisa de ser um disco mais pessoal, em que você se coloca cada vez mais como compositor, mas também é interessante ressaltar essas importantes parcerias que você faz dentro do disco, como o Antonio Cicero e o Jorge Salomão. E eu queria entender como é, pra você, ter essas trocas com artistas que também são inspirações pra você e formam esse seu arcabouço de referências.
Eu só faço música por causa dos poetas, então pra mim é sempre instigante poder ter no meu disco uma parceria com Antonio Cicero, imagina, ter uma parceria com Jorge Salomão, então são as exceções que eu abro com prazer ao falar que eu estava querendo escrever e tal. Mas como aconteceu? “Tem Horas Que Pareço Eu” foi o último poema escrito pelo Jorge Salomão, ele escreveu no hospital essa letra e ela chegou até mim por causa do filho dele, o João. Eu mostrei a música para o Claudio Leal, que é um jornalista que foi muito amigo do Jorge, e ele também apoiou, então tem essa coisa assim também de que honra né poder ter essa letra, uma coisa tão forte escrita pelo Jorge. E o Cicero foi assim: eu estava com vontade de pensar sobre o Brasil, desiludido com o Brasil e aí um dia eu liguei pra ele, falei que estava fazendo um disco, que eu queria pensar mais assim sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos, e ele me disse “ai Arthur, eu tô deprimido, eu não quero fazer nada, não tenho cabeça, sinto muito, não tenho como fazer agora”, e aí eu falei “poxa, que pena, eu estou avisando você que eu estou fazendo um disco porque pra mim é importante você saber e você participar, mas eu entendo perfeitamente”. E fiquei triste com aquilo, claro, mas dois dias depois ele me mandou um e-mail com “Brasileiro Profundo”, a letra, e aí eu fiz a música. Como sempre o Cicero é muito marcante, estava pensando, geralmente uma canção com letra dele se torna uma canção importante nos repertórios, a gente pega vários trabalhos em que ele está como compositor e a faixa título é a faixa que ele assina, e aqui acabou acontecendo isso. Quando ele veio com essa coisa de “brasileiro profundo”, pensei assim “nossa, caramba, é uma boa sacada mesmo, relativizar essa ideia de Brasil profundo, pensar no indivíduo, pensar no direito a diversidade de cada um de nós”, então foi assim que surgiu essa música que acabou se tornando o título.
Você está nessa fase de lançamento do disco e eu acho que produzir as coisas de forma independente também te coloca em muitas frentes de trabalho. E eu queria que você falasse um pouco sobre como você está se sentindo nesse momento em que você tem que assumir outros espaços que estão além da criação artística, que é fazer todo esse meio campo.
Eu estou sem dormir há uma semana, praticamente, porque primeiro tem a ansiedade normal de um artista, estou colocando um trabalho no mundo, “o que o crítico vai achar, o que o público vai achar, o público que me acompanha será que vai gostar, será que não vai”, então a gente já fica com essa ansiedade de como é que as pessoas vão receber isso. Tem também uma série de demandas que a minha geração tem que dar conta, desde a assessoria, que tenho uma parceira incrível que é a Juliana Sá, mas tenho também que estar junto com ela em tudo, tem a distribuição disso, eu próprio participo das reuniões com distribuidoras para entender o que a gente vai fazer, qual é a faixa que vai ser trabalhada nas plataformas, aí tem o cronograma. E aí tem o vídeo-álbum, ele é um projeto que tem um patrocínio do governo, então tem toda uma questão burocrática que tem que dar conta. É um trabalho independente, para o álbum, eu não tive patrocinador, então eu fiquei nesses últimos dois anos viabilizando esse projeto por conta própria, fazendo uma ginástica assim no meu próprio orçamento, pra poder também pagar todo mundo. Então, você imagina, é muita coisa e ainda tenho que cantar e ainda tenho que compor e ainda tenho que fazer fotos e ter a cara boa numa live, numa entrevista. Então é louco assim, e sou muito ansioso, muito dedicado com as coisas, então não consigo me desconectar, acho que só vou conseguir relaxar depois de 15 dias que o álbum estiver no ar e que o vídeo-álbum estiver no ar, enquanto isso fico a cada momento vendo as coisas, lendo o que saiu, conversando com amigos, conversando com jornalistas, com artistas sobre o disco e é maluco, é bem maluco esse tempo que a gente vive.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.