texto por João Paulo Barreto
Nostalgia vende. Essa máxima do mercado pode se aplicar, também, a diversos aspectos do cinema feito atualmente, quando franquias são reinventadas, personagens ressurgem mais velhos nas versões mais maduras de seus próprios interpretes, e a mesma ideia original que surgiu nos anos 1970 e 1980 é requentada agora no século XXI. Porém, o que proponho refletir aqui não é esse requentar barato de ideias, mas, sim, o aspecto de conceder conclusões a tramas cujos arcos iniciais (que foram fechados, sim, mas sempre fica aquele comichão de curiosidade pelo que poderia vir depois) foram apresentados em uma década tão prolífica no cinema estadunidense de entretenimento quanto a da Era Reagan.
Quando lançaram, em 1984, a comédia de ação “Os Caça-Fantasmas”, Ivan Reitman, Dan Aykroyd e Harold Ramis, nas funções respectivas de diretor e roteiristas, talvez não tivessem noção do potencial que a criação deles teria no imaginário popular da cultura pop durante os anos que se seguiram. Com uma continuação homônima que repetia a mesma estrutura e que, convenhamos, foi feita para não perder o timing da febre gerada pelo original (mesmo tendo estreado cinco anos depois), personagens como Peter Venkman, Raymond Stantz, Egon Spengler e Winston Zeddemore fincaram raízes no afeto de vários cinéfilos que viriam a crescer reconhecendo a música tema do filme, cantada por Ray Parker Jr, e seu potente refrão, “Who you gonna call?”; o som da sirene da ambulância adaptada como viatura de caça aos fantasmas; a armadilha retangular de confinamento dos seres sobrenaturais; o som e gosma trazidos por figuras como geléia, o fantasma que deixa um rastro de ectoplasma por onde passa, bem como o sorriso ingênuo do monstro de marshmallow, sem falar, claro, da mochila de prótons cujo canhão atira raios que não se devem cruzar entre si (mas que se torna a solução em momentos de emergências).
Os quatro personagens citados acima, aliás, conseguiram fincar tamanha presença justamente pela química que se equilibrava entre a seriedade cômica e o humor rasgado de seus intérpretes que, além dos dois atores/roteiristas citados, tinha na presença de Bill Murray o principal pilar do seu humor ácido e sagaz. A junção e carisma daquelas três figuras, que logo ganharia o reforço de Winston (o comediante Ernie Hudson, ocupando lugar recusado por Eddie Murphy), era suficiente para que deixássemos de lado a fragilidade do roteiro do filme, o modo como o conflito se resolve tão facilmente em seu ato final e toda a massificação de sua música tema.
Após uma divertida versão feminina lançada há cinco anos, cujo foco não era em um resgate da trama do original, mas, sim, uma reinvenção dos mesmos elementos, “Caça-Fantasma: Mais Além” (2021) investe em uma redescoberta dos atributos que fizeram a obra de 1984 um filme tão encantador em sua simplicidade. Assim, a busca por elementos que liguem as duas tramas separadas por 35 anos vai além do parentesco dos dois jovens protagonistas com o Dr. Egon Spengler, cuja escolha de elenco acerta na mosca ao escalar Finn Wolfhard e McKenna Grace como seus netos (além de talentosos, suas aparências físicas são idênticas à do jovem Harold Ramis). Jason Reitman, filho do diretor Ivan Reitman, acompanhou o pai ainda criança nas gravações do filme original e, agora, assume a cadeira levando esse legado. Reitman confirma ao espectador uma percepção evidente: a de que sabe o valor afetivo para muitas pessoas daqueles elementos que surgem em tela. Mas, o mais importante, junto com o co-roteirista Gil Kenan (que dirigiu a fraca refilmagem “Poltergeist”) sabe reutilizar tais elementos para além do preciosismo.
Deste modo, quando vemos surgir em tela a viatura caçadora, que ganhou um assento ejetor e um mini carrinho assistente controlado remotamente e que pode levar a armadilha captora para mais próximo das criaturas sobrenaturais; ou quando nos deparamos com uma adaptação dos canhões de prótons para algo ainda mais potente dentro de sua utilidade de conter as forças advindas de outras dimensões; ou, ainda, quando certos personagens surgem em tela ocasionando o que o título desse texto define como “marejar de olhos quarentões”, bom, aí está um equilíbrio tênue que “Caça-Fantasmas: Mais Além” conseguiu alcançar: o de saber ser original ao reaproveitar em uma história eficiente e inovadora marcas tão conhecidas de uma franquia, mas, ainda assim, saber valorizar e homenagear com tamanho afeto algo que significa tanto na Cultura Pop.
São raras as situações que títulos adaptados para o português são felizes em suas versões nacionais. Aqui, o “Afterlife” do original em inglês, ao contar com diversas possibilidades de tradução dentro de uma proposta mais pesarosa que esse novo caça-fantasmas possui, cai como uma luva quando optam pela adaptação como, simplesmente, “Mais Além”. É justamente essa sensação de trajetória desafiadora que o filme nos mostra. E foi onde sua proposta de revisita chegou.
Texto publicado originalmente no jornal A Tarde, de Salvador (BA)
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.
Aquela versão feminina além de ser sem graça só serviu pra agradar ao feminismo.E esse filme novo só serviu pra confirmar isso além de tornar esquecível essa “versão”.