texto de João Paulo Barreto
São diversos os sinais lançados por “Cry Macho” (2021), mais recente trabalho da lenda viva Clint Eastwood, para que, na visita ao filme, sigamos por uma estrada de reflexão acerca das experiências de vida; arrependimentos; perdas e ganhos; erros e acertos, bem como sobre os anseios por dias melhores, mesmo quando a contagem desse tempo parece se aproximar de um fim. As imagens do seu protagonista dirigindo sua caminhonete pareada a cavalos que correm livremente; a sutil mensagem de ida ao sul, algo comum a pássaros em busca de calor e conforto; além, claro, da ideia do homem que perdeu seus laços e que apenas espera a chegada da morte, mas que tem uma última missão (mesmo que quase suicida) a cumprir. Todos estes pontos de reflexão enriquecem o mais novo trabalho de Eastwood. Mas tal riqueza de aspectos acaba sendo ofuscada por um roteiro com poucos atrativos emocionais para suprir essa expectativa do que pode ser o último longa do cineasta de 91 anos.
Mas há de se fazer uma separação aqui quando a proposta é a de se analisar os méritos dessa nova empreitada do diretor de “Os Imperdoáveis” (1992), filme que também trazia um cowboy (e assassino aposentado, claro) que é contratado para um serviço que o faz sair de sua inércia para cumprir esse supostamente último papel em vida. Diferente do clássico western dirigido por Clint há trinta anos, a história de “Cry Macho” não rende o mesmo tipo de profundidade em uma reflexão sobre a passagem do tempo e o esgotamento do mesmo. Neste novo filme, há, sim, toda essa profunda análise da velhice, um encontro com fantasmas do passado e uma merecida nova chance para um combalido homem. Mas a história que leva tal redenção à frente decepciona um pouco pela falta de profundidade de seus outros personagens centrais para além de seu protagonista, o único, aqui, que parece ser tridimensional.
Mike Milo, vivido pelo próprio diretor, é um peão de rodeios desempregado, viúvo e sem filhos, que se vê em uma encruzilhada de sua vida. Idoso e sem quaisquer perspectivas, aceita retribuir a ajuda de um amigo, e dirige do Texas ao México para buscar o filho do companheiro, um garoto que supostamente sofre abusos de sua mãe. Apesar de focar em um inevitável (e até previsível) laço afetivo que surgirá entre o adolescente e o idoso, o roteiro de Nick Schenk, baseado no livro de N. Richard Nash, não se esforça muito para tornar crível o suposto sofrimento pelo qual passa o jovem, bem como torna o personagem confuso na definição de suas emoções. Da mesma forma, a inserção da mãe do garoto na trama apenas confirma certa preguiça em desenvolver mais camadas para tais figuras, colocando-a apenas como alguém que descreve o filho como um monstro (algo que até decepciona quando finalmente conhecemos o frágil e inseguro adolescente que batizou de Macho seu galo de estimação).
Assim, o esforço afetivo e foco da audiência centra-se totalmente em Mike, cuja história de vida é trazida à superfície no decorrer daquela viagem, e seu apelo emotivo ganha mais força ao vermos como a trama vai desenhando um futuro feliz para os últimos anos do veterano peão de rodeios. Vale dizer que o Mike Milo que Clint encarna aqui é alguém diferente do Walt Kowalski, de “Gran Torino” (2008), cujo roteiro é do mesmo Nick Schenk. Mas trata-se de um personagem que não se difere tanto do Earl Stone, de “A Mula” (2018), filme mais recente que também conta com Eastwood como ator principal e diretor e Schenk como roteirista. Da mesma forma que no papel do condutor de drogas para dentro dos Estados Unidos na obra de 2018, temos uma semelhante motivação para seu protagonista, alguém que se encontra em um ponto sem muitas perspectivas e percebe algo a que pode dedicar-se com mais energia.
Tais comparações, aqui, no entanto, são feitas pela simples percepção de que o mesmo parece se passar com Eastwood, que, obviamente, possui muito mais perspectivas em seus próximos e últimos anos de vida, mas que pode nos dar algo bem mais profundo e de acordo com sua trajetória do que este apenas este mediano “Cry Macho”. E confesso que ver Clint Eastwood sentado em um cavalo, ao 91 anos, em terras mexicanas, mesmo que em cena mais calma e sem galopes, só nos faz pensar no que ele faria em um derradeiro e legitimo revisitar ao faroeste, algo que brilhantemente fez há trinta anos dedicando aquele trabalho aos mestres Sergio Leone e Don Siegel, que o guiaram em seus passos como diretor.
Texto publicado originalmente no jornal A Tarde, de Salvador (BA)
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.