Literatura: “Na Contramão da Liberdade”, “O Reformatório Nickel”, “Os Testamentos”

Resenhas por Adriano Mello Costa

“Na Contramão da Liberdade – A Guinada Autoritária Nas Democracias Contemporâneas’’, Timothy Snyder (Companhia das Letras)
Como chegamos até aqui? Como a democracia em grande parte do mundo passou a sofrer ataques constantes colocando em risco o sistema e até mesmo o destruindo em alguns casos? Como que ideias estapafúrdias, mentiras em larga escala e figuras autoritárias influenciam tanto no mundo em que vivemos? É isso que o escritor e professor de história Timothy Snyder (do ótimo “Sobre a Tirania”) objetiva responder em “Na Contramão da Liberdade – A Guinada Autoritária Nas Democracias Contemporâneas’’ (“The Road to Unfreedom: Russia, Europe, America”), publicado aqui no Brasil em 2019 pela Companhia das Letras, com 432 páginas e tradução de Berilo Vargas. Baseado em vasta pesquisa, o autor divide o trabalho em seis partes que cobrem os anos de 2011 a 2016 indo da volta do pensamento totalitário com mais relevância no mundo até a eleição de Donald Trump para presidente dos USA, passando pelos protestos na Ucrânia e posterior invasão russa em 2014 e pelo continente europeu em geral, com ênfase no Brexit no Reino Unido. Snyder versa de modo hábil em como o uso de mentiras, manipulação de mídia, robôs em redes sociais e a infestação de fake news bizarras devastam países. Muitas das táticas e procedimentos que estão no livro vemos com frequência em nosso próprio solo dia a dia nos últimos anos e cada vez mais. Na opinião do autor, o mundo está em marcha firme rumo ao abismo do autoritarismo, contudo, ao mesmo tempo, ele indica caminhos para que isso seja interrompido caso haja combate nas causas e aprenda-se com os erros do passado.

Nota: 8,5

“O Reformatório Nickel”, de Colson Whitehead (Harper Collins Brasil)
Em 2017, o escritor Colson Whitehead ganhou o Pulitzer de melhor ficção com o ótimo “The Underground Railroad” e em 2020 repetiu a dose com “O Reformatório Nickel” (“The Nickel Boys” no original) que tem edição nacional pela Harper Collins Brasil com 240 páginas e tradução de Rogério Galindo. O tamanho do feito é imenso. Ele se tornou apenas o quarto autor na história a ganhar duas vezes o prestigiado prêmio. Antes dele somente Booth Tarkington (1919 e 1922), William Faulkner (1955 e 1963) e John Updike (1982 e 1991) tiveram essa honra. Mas isso não foi por menos: “O Reformatório Nickel” é um daqueles livros de narrativa poderosa que apresenta uma história inspirada em fatos reais que é extremamente relevante, ainda mais no momento em que vivemos hoje. Ambientado na maior parte no início dos anos 60 enquanto a marcha pelos direitos civis avança nos USA, “O Reformatório Nickel” traz Elwood Curtis como um protagonista que mesmo bem jovem é atento ao movimento e começa a participar de atos públicos e sonhar com um futuro melhor, um futuro com mais oportunidades e igualdade. Enquanto trilha o caminho para a desejada universidade sofre uma injustiça absurda que o arremessa dentro do sistema penal americano onde a brutalidade é quem dita o ritmo ferozmente. Anos e anos depois, por acaso, se descobrem todos os crimes ocorridos na instituição que interrompeu o caminho de centenas de jovens e a história se amarra entre presente e passado de modo brilhante com direito a uma reviravolta de tirar o fôlego. Um livraço.

Nota: 9

“Os Testamentos”, de Margaret Atwood (Editora Rocco)
A escritora canadense Margaret Atwood publicou “The Handmaid’s Tale” (“O Conto da Aia”) em 1985 e desde então o livro foi angariando fãs e mais fãs com transposição de sucesso para outras mídias, sendo a mais recente uma série muito bem realizada. Há muito se esperava uma sequência para saber como o futuro distópico imaginado por ela (e hoje infelizmente já não tão distante assim da realidade) continuaria, se Gilead continuaria sua espiral de delírio ou teria uma derrocada. Em “Os Testamentos” (“The Testaments”, no original), a autora responde isso. Com lançamento no final de 2019 pela editora Rocco com 447 páginas e tradução de Simone Campos, trata-se de uma leitura daquelas que o livro insiste em ficar na mão, ainda mais para aqueles que já conhecem a história e o seu poder de crítica social, política e de costumes. São três narradoras nesse novo romance de Atwood: de uma tia que de juíza de vara familiar virou um dos alicerces do regime, de uma testemunha criada já dentro desse regime e de outra testemunha que vê e interpreta a situação diretamente do Canadá, fiel opositor de Gilead mesmo que com algumas peculiaridades. A partir do avanço da trama a autora cuidadosamente vai não somente entrelaçando esses três depoimentos para contar os rumos que Gilead toma, como também arregimenta os laços com o livro anterior. Totalitarismo, política, opressão, misoginia, estupidez, medo e, claro, uma esperança brilhando lá no fundo (esperança que precisamos tanto agora) faz dessa continuação tão recomendável quanto o trabalho de 1985.

Nota: 9

– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop ( http://coisapop.blogspot.com.br ) e colabora com o Scream & Yell desde 2009!

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