entrevista por Renan Guerra
2020 marca uma espécie de retorno de Rico Dalasam à mídia, depois de cerca de dois anos sem lançamentos. Esse afastamento é chamado por ele de “tempo de ausência”, um espaço de se reconectar consigo mesmo e de entender a importância de sua voz na música nacional. O retorno vem a primeira parte de “Dolores Dala Guardião do Alívio” (2020), EP com menos de 15 minutos, mas com intensidade que reverbera de forma como poucos discos nesse ano.
Rico Dalasam tem no portfólio uma gama de hits, canções de refrão pegajoso e fez sucesso nacional como poucos de sua geração, por isso é interessante acompanhar as suas investigações musicais e poéticas em “Dolores Dala”, num processo de construção bem mais complexo do que qualquer tag possa colocar sobre ele. Rico nunca pareceu tão sincero e tão sem medo do que se espera dele (ou mesmo do que se cria sobre sua figura), como ele diz “parece que a gente tá sempre falando de racismo, de luta, mas na verdade a intenção é garantir que as nossas subjetividades estejam plenas e protegidas”.
De fala inteligente, que vai e volta de forma instigante, o artista tem uma lucidez sobre seu espaço na mídia e sabe bem como lidar com os meandros da indústria, por isso mesmo parece ainda mais livre em sua arte. Conversamos com Dalasam via whatsapp durante quase meia-hora: falamos sobre afeto, poesia, discos e amores. De forma aberta, Rico conta sobre sua carreira, sobre a importância de sua organização financeira e sobre como o Brasil cada vez mais inspira seu trabalho.
Confira a entrevista na íntegra abaixo:
Para começar, gostaria de saber como você está nesse tempo de distanciamento social?
Estou bem, estou olhando as coisas, equilibrando tudo: esse semestre, esse ano, o que ainda tem pra se ver, mas em paralelo a essas mudanças todas, a essa confusão toda, a minha vida no modo pessoal talvez entrou num estágio mais calmo, mais tranquilo, mais leve. Apesar de tudo, na contramação de tudo, isso tem me feito bem.
Já nessa fase de distanciamento é que o seu EP “Dolores Dala Guardião do Alívio” foi lançado. Como você sentiu a recepção do público, já que tudo foi à distância, sem shows, apenas com lives?
Sim, a gente já estava até com algumas datas de lançamentos em algumas capitais e tal. De algum modo, essas músicas da primeira parte do “Dolores Dala Guardião do Alívio” são músicas que, talvez, se fossem numa intenção festiva, numa intenção noturna das coisas, mais profano ou pra outras linhas, talvez elas soassem estranhas, não só contraditórias, mas não ia combinar com a lógica do pensamento coletivo nesse instante. (Por isso) Elas são músicas que caem de forma ok dentro desse instante e isso pode estar nos ajudando a fazer as pessoas consumirem refletirem a mensagem.
Você entende que em algum momento as pessoas te colocaram numa caixinha que era a do “rapper gay negro” e elas esperavam determinadas coisas de você? Isso é, você entende, de alguma forma, que é até subversivo você lançar um EP que fala de afeto, de amor e que fala dos seus sentimentos de uma forma que vai contra essas expectativas que são criadas?
As pessoas têm planos, elas criam mercados, causas, e é natural também isso na arte – sobretudo na arte. Eu vim desse tempo de prática de ausência, que é esse tempo que eu fiquei sem lançar as coisas, refletindo, pensando, vindo do último trampo que era o “Balanga Raba” (2017), que obedecia todos esses códigos de artista queer, tendo uma relação com o pop, e aí a gente volta com outra coisa, porque, inclusive, a vida está em outro estágio, ninguém mais está no mesmo lugar, nem na frente e nem atrás, e existem essas outras coisas, que são outras demandas. Na verdade, eu estou escolhendo os mesmos códigos para criar uma narrativa do álbum, só que por outro viés, eu estou muito mais interessado em colocar subjetividades no prato do que as outras lógicas que eram menos subjetivas e mais luta, fervo, outras dualidades, diferente de agora, que é a dor e o alívio.
E você entende que isso também é parte de um processo seu de se sentir a vontade de falar dessas coisas tão íntimas?
É um processo, antes de tudo, de desencanto. Porque entre eu e os meus amigos, entre as pessoas com quem faço música, eu sempre vinha fazendo canções como essas, como tantas outras que existem. Talvez o meu problema nem seja ter canções, mas eu estava muito atendendo uma demanda de um momento, de tempo, da construção de uma coisa, porque fundar um lugar que não existe ainda – você entende que não existe, mesmo existindo vários artistas aí fazendo rap e vindo de periferia, cruzando essa estética de periferia e sexualidade –, um lugar que não é natural, desnaturalizado, recorrente na cultura brasileira, não tinha uma ancestral do Rico Dalasam na música brasileira. Eu posso ir um pouco mais longe, ao norte da América e tentar achar quem é esse ancestral do Rico Dalasam, mas ele não existe de fato, sobretudo aqui no sul da América. Então é fundar um lugar e isso ainda está acontecendo, isso não está posto, você pode cruzar várias coisas, no pop, no rap, num monte de coisas, mas é um lugar que não necessariamente é interessante para o mercado e para as marcas ou para uma série de organismos que ajudam a legitimar um segmento dentro de uma cultura popular.
Voltando um pouco no tempo, você teve esse espaço em que você estava muito pop, muito grande, e ao mesmo tempo você teve respostas do público e da internet quando você questionou os seus direitos enquanto criador e tudo mais. Como você entende, então, esse tempo que você teve de ficar afastado, em que você teve todas essas reações contrárias a essa cobrança sua pelos direitos?
Acho que isso tem rolado muito nessa sociedade que vive das polarizações, ao mesmo tempo em que a gente está tendo de novo um episódio que é recorrente na música brasileira. Isso é recorrente, só que as pessoas, seja artista ou seja o público, elas estão condicionados ao silencio ou ao silenciamento das coisas que ocorrem, e prejudicam pessoas que às vezes estão meramente inocentes criando versos. Mas com a mudança e o andar do tempo as pessoas têm se informado e às vezes um artista como eu tem a possibilidade de não seguir seu caminho com esse sofrimento de entender que fez algo relevante nacionalmente, mas que vai morrer sem o reconhecimento daquilo, sem poder ter nenhuma atitude retroativa que seja a isso, que seja recuperar o que é seu de propriedade. Acho que hoje essa possibilidade é maior. Os recursos que anteriormente eu vim juntando também me deram essa possibilidade, porque às vezes você precisa de dois, três advogados para resolver uma coisa. Enfim, no fim de tudo, a gente sabe que isso é uma grande distração, porque nesse processo de construir um lugar numa cultura que ainda não existe, todo tempo é muito precioso e um acontecimento desses te põe para observar e recalcular a rota por dois anos. No caminho você entende que a missão é muito maior e muito gigante, tá ligado? E o verso e o poema precisam ver o que ela pensa, pelo menos nesse instante. Eu gosto de fazer farofa, de fazer coisas que eu sei que vão bater na pista, o que vai funcionar numa festa popular, numa festa de largo, num carnaval e tenho várias coisas aqui feitas e guardadas, interessantes nessa pesquisa e nessa análise de Brasil. Mas o tempo nesse instante é para esses versos, é para que eu consiga, não só compartilhar com as pessoas, mas também criar em mim subjetividades. Porque parece que a gente está sempre falando de racismo, de luta, mas na verdade a intenção é garantir que as nossas subjetividades estejam plenas e protegidas.
Você acha que talvez esse seu caminho no pop e esse seu acesso a outros espaços também te deram alguma segurança e estabilidade econômica para que você consiga agora assumir outros passos que te são mais interessantes?
O rap tem um teto muito baixo, porque ele não é um expoente natural da cultura brasileira, então apenas alguns expoentes do rap conseguem fazer uma grana enquanto tem um montão de gente que consegue sobreviver e tem mais um outro montão que é muito mágico, muito talentoso, mas que não consegue ganhar nada de grana. E então você vai entender o sistema da coisa, que se as pessoas têm alguma possibilidade de flertar com o popular, ou com esse lugar aí da MPB, elas fazem porque o teto aumenta, é outra grana, é outra coisa. E talvez eu tenha trabalhado uns quatro anos, sem parar, sem entender esse negócio de férias, porque no meio várias diversões aconteceram e várias coisas legais. Ter uma vida muito simples me fez ter uma grana, pra me assegurar de algumas coisas e talvez num momento tão crítico como esse eu não esteja enfrentando uma série de problemas que uma série de pessoas do mesmo ramo que eu estão enfrentando. E tem a certeza meio do que você está fazendo: eu não tenho certeza nenhuma sobre o país, certeza sobre o consumo, o nicho, sobre pra onde as coisas vão, eu só tenho certeza do que eu estou narrando, da minha síntese de país, que inclusive pode estar muito certa pra mim hoje e amanhã eu veja que eu estava enxergando errado uma série de coisas. E a liberdade é meio que por aí.
E, hoje, como que você olha para todo esse caminho que você já trilhou, já que você teve um bom tempo sem lançamentos, meio que low-profile?
Eu chamo esse tempo de prática de ausência. Mesmo assim continuei fazendo música, fazendo outras coisas, mas é difícil você tirar dois anos da sua prática profissional, num ritmo com todas as máquinas funcionando. Pude fazer isso, e acho que olhar pra tudo isso, pra minha vida pessoal e para a recuperação dentro de um ecossistema de música, num país tão grande e com um teto tão baixo para a cultura, acho que me fez rever e redimensionar, entender o que eu tinha vivido. Porque às vezes você lançou sua música no 14 de dezembro sem ninguém saber quem era você e no 3 de janeiro você está na Rede Globo, nos programas de TV, depois você já está cruzando em rolês com pessoas que estão 20, 30 anos no mercado e você está no caldo ainda sem saber direito o que é fazer um show e o que é ter repertório e todas as coisas que envolvem a prática dessa arte da música. E quando você vê você está na Europa e fazendo várias coisas e as pessoas achando inúmeras coisas de você que você ainda nem tinha elaborado, sabe? Tem uma verdade em tudo que eu tive nos dois, três primeiros anos, era uma grande verdade, mas muito pouca técnica de como processar e operar essa verdade. Hoje tenho muito mais tranquilidade para entender o que estou fazendo, minha respiração, meu corpo. E como isso é e como junto tudo isso quando vou conceber uma imagem, a construção estética das coisas e isso me dá uma sensação de paz pras minhas ambições.
Falando dessas questões estéticas, isso é algo muito importante pra você e sempre foi. Como você se alimenta de referências, de ideias, o que te inspira nesse sentido?
No primeiro instante, foi algo muito americano, nesse universo do rap, tanto que a primeira coisa que fiz quando pingou uma possibilidade foi ir pra Nova York, entender tudo. Fui pras festas de queer rap que existem lá – inclusive aqui elas nem existem, a gente tem uma Batekoo, uma coisa que não são as festas que tem lá, de orgulho negro gay, e enfim, fundar isso é uma outra coisa, um outro business, aqui a coisa funciona de outro jeito. No meu processo também fui viajando o Brasil, fui para vários lugares que eu não conhecia, e fui me identificando mais, fui conseguindo criar uma correlação com o meu bairro, lá em Taboão da Serra, com esse conceito das pessoas sendo retirantes de várias extremidades do país no mesmo quintal e consegui talvez passar num lugar e pensar “ó aqui é de onde veio a fulana, que é minha vizinha”, “aqui é de onde veio a minha outra vizinha, outro vizinho”, “aqui é a terra do pai de não sei quem”, e fui entendendo essas pessoas nesse recorte da zona sul de São Paulo e a grandeza do lugar de onde elas vêm, isso foi me instigando enquanto poeta. E depois ainda os lugares que fui no sul da América, poder cantar e fazer as coisas. Fui me entendendo politicamente sem Estados Unidos, e cada vez mais tirando os Estados Unidos das intenções das coisas e colocando a magia das coisas que eu encontro pelo Brasil, pelo sul da América.
Eu achei uma entrevista sua de 2017, no Tenho Mais Discos que Amigos, em que você falava sobre o disco “Luz”, do Djavan, que era um disco que nunca estava totalmente consumido. E aí eu te pergunto agora, nesse 2020, além do “Luz”, quais outros discos que você acha que não estão totalmente consumidos e que você está sempre aprendendo com eles?
Ah, o Brasil é mágico nisso. “Refazenda” [disco de 1975 de Gilberto Gil], é um deles, com certeza. Djavan tem muitos, mas tem um que eu já era nascido quando saiu, que é o “Coisa de Acender” (1992), que é um disco mágico. Tem João Bosco, em um disco que é João Bosco e Aldir Blanc, esse disco é extremamente mágico. E tem os discos de rap que as pessoas passam batido: os discos do Pentágono são discos que precisam ser revisitados; a primeira mixtape da Flora Matos é um disco que precisa ser revisitado em algum momento.
Falando em disco, “Dolores Dala Guardião do Alívio” terá uma segunda parte. Você já tem alguma previsão, como está esse processo?
Não tenho previsão ainda. Na real, tenho algumas coisas ainda pra fechar. Apesar de tudo, na real, estou feliz, com um gás, com um monte de coisas. Queria estar fazendo a turnê do “Dolores Dala Guardião do Alívio”. E estou com essa história pra encontrar esse lugar que é quase da literatura praticamente, porque estou tratando essas canções como a trilha sonora de uma obra literária. Tanto que no outro ano eu quero trazer o livro de poemas “Dolores Dala Guardião do Alívio”, que são coisas que escrevo e não quis transformar em música, mas situam a gente nesse processo aí que eu estava desenhando um coração no sul da América, um corpo preto aqui no sul da América. Mas já tenho as músicas todas que quero. Na verdade, acho que é muito sobre escolher o que eu acho que não é pra entrar, do que produzir. Esses dias mesmo estou terminando de fazer o interlúdio e entendendo o que é esse interlúdio. E também de você tratar um disco, pois a segunda parte completa e transforma ele num álbum cheio, aí vai dar pra entender melhor a história, porque agora quem ouve o EP vai ver o “DDGA”, o enunciado, ele já segue de “Mudou Como?”, depois “Braille”, depois o outro interlúdio [“Circular 3”], que é minha mãe, depois o “Vividir”. E agora a história se completa: antes do “DDGA” vem outra coisa, vem outra coisa antes de “Braille” e “Mudou Como?”, no meio tem outra coisa e “Vividir” não é o fim, tem outra coisa depois, é meio que por aí. Só que tem um interlúdio que ainda estou na busca de achar o que é, já fiz umas três músicas aqui pra achar esse interlúdio e tô nessa, mas na soma de tudo eu sei bem o que é, está na minha cabeça, no meu coração.
Eu li em uma das suas entrevistas no lançamento desse trabalho que você falava sobre a importância de se falar desses afetos negros e de como, de alguma forma, você demorou para ter um namoro, por exemplo, como essas coisas foram mais lentas para você. Eu queria que você falasse um pouco sobre esse processo e como é importante para você escrever sobre isso nesse momento?
É um processo que não é passageiro, que não é só sobre mim, é sobre uma série de pessoas, a maioria das com quem convivo, inclusive. Tá posto, você vê ali nos primeiros passos, na escola, ali quando a gente vai descobrindo os primeiros passos afetivos e sexuais. O corpo preto, um corpo preterido, ele não tem ali um lugar do desejo. E às vezes tem um corte seco do corpo preterido para o corpo hiperssexualizado e pula toda uma fase de descobrir coisas, de afetos, de namorar e terminar, de andar de mãos dadas, de coisas muito simples, de coisas muito naturais que se vive no primeiro amorzinho, na adolescência, muito mais do que sexo, e você corta para coisas realmente violentas. E tentando ser compacto, é tudo sobre esse processo de admitir em mim, de deixar de me anular, deixar de me negar pelo medo também de entender que as coisas estão sempre sendo medidas por essa régua violenta, que enxerga o corpo preto para tantas coisas e não consegue enxergar subjetividades nele. E aí quando eu estou falando de um relacionamento inter-racial em “Braille”, ou estou falando de uma situação abusiva e tóxica em “Mudou Como?”, estou só tratando aí de coisas que são tão naturais, infelizmente, nas relações, coisas que podem acontecer em qualquer relacionamento heteressoxeual, em qualquer relacionamento, mas que nem tem no imaginário enquanto um corpo preto, porque parece que não está disponível. E não está disponível para o corpo preto discutir as suas emoções e acho que, assim como em outro momento eu discutia fervo e luta, discutia outras coisas, agora uso esse mesmo código trazendo para um lugar muito profundo da minha vivência, para continuar sendo o mesmo Rico Dalasam lá de “Aceite-C”, lá de “Deixe”. Se você for no “Modo Diverso” (2015) e pegar “Deixa” e “Aceite-C”, você entender que eu não consegui dar muitos passos enquanto afetos, em relação a “Braille” mudou pouco, parece que eu não consegui fazer nem um supletivo, eu consegui fazer uma pré-escola dos afetos, das experiências. As pessoas tiveram experiências com 15, 17, 20, 22 anos, namorou, sei lá, morou junto, não deu certo, é natural também, da vida, mas sei lá, eu devo ter uns 5 anos de experiência e eu tenho 30 anos.
Quando você surgiu estava muito inserido nesse cenário que se chamava de queer, ao lado de alguns outros artistas que estavam surgindo. Agora a gente vê que há uma diversidade muito maior de artistas que falam de diferentes vivências e histórias, e eu queria saber um pouco como você tem lidado com isso. Por exemplo, você é amigo da Jup do Bairro, está no álbum dela, tem novas vozes surgindo cantando outras coisas.
Sim. Pensando em produto, mercado e indústria, a gente junta toda essa prateleira mágica: Jup [do Bairro], Alice Guél, os meninos do Quebrada Queer, o Hiran – eu estou falando de estética de periferia e de pessoas que tem proximidade com o “Modo Diverso”, pessoas que eu passei a encontrar a partir do “Modo Diverso” e que hoje estão lançando seus trabalhos – Ventura Profana, Ceci Dellacroix, a Bruna BG, a Cronista do Morro. Acho que toda essa prateleira é muito rica, pois você está falando de uma estética de periferia, e agora você também está saindo desse eixo cafona que é Rio/São Paulo, indo pra Salvador, pra Minas, pra Belém do Pará, São Luís do Maranhão e acho a qualidade que vem nas análises do que cada um desses artistas fazem mostra que, inclusive, era para isso aí estar dominando os line-ups, sabe? De todas as coisas. Só que a gente sabe que é uma força muito maior e um empenho muito maior para poder emplacar em qualquer coisa. E quando emplaca, quando a gente consegue emplacar, o Rico Dalasam, consegue emplacar a Jup, consegue emplacar a Linn [da Quebrada], e aí a Linn traz um montão de fulanos, o Rico traz fulano e fulano, a Jup traz fulano e fulano, aí você cria uma possibilidade, porque você começa a demandar o mercado e aí quem quiser continuar reproduzindo só branquitude, doideiras que às vezes nem tem relevância para aquele tempo, mas pela pressão dos escritórios, dos agentes, e dos petit comités, vai fazer, mas quem quiser narrar Brasil, narra. E quando as pessoas querem narrar Brasil é nós que eles procuram, quando eles querem pautar emergências brasileiras não é o telefone do Silva que toca, não é o telefone de vários caras aí que tocam. Sem querer citar nome de ninguém… Quando falo Silva, Duda Beat, são pessoas que eu tenho um carinho e que eu consigo reconhecer o trabalho que eles fazem e achar bonito e me emociona, mas eu estou falando de uma estrutura que vai sempre reproduzir o que eles consideram viável e mercadologicamente possível de reproduzir, mas quando eles querem enaltecer emergências ou se acessar o token da emergência, eles procuram a nós e não existe nenhuma disparidade de qualidade. E aí fazendo juízo de valor sim, tá ligado?
Pra terminar, eu queria saber o que você tem escutado, o que tem te divertido e tem sido interessante nesses últimos tempos?
Ah, eu estou escutando tudo que sai, que aparece, estou com tempo e escutando tudo, mas eu tô muito ouvindo o disco do Afrocidade, que o Mahal [Pita] está fazendo – Afrocidade é uma coisa massa, acho que ano que vem é isso, Afrocidade, o disco não saiu ainda, mas estou aqui com o Mahal ouvindo, é um disco foda pra caramba. Enfim, tô ouvindo uns raps que a galera está fazendo e manda aqui. Além disso, o “Modo Diverso” faz cinco anos esse ano e aí eu tô fazendo, paralelo a segunda parte do “Dolores Dala Guardião do Alívio”, uma edição de aniversário do disco. E vai ter um montão de gente dentro, revisitando essas canções e tal, estou muito empenhando nisso, e acabo ouvindo essas coisas. Fora isso, de playlist, eu estou escutando só interlúdios, eu botei ali interlude de todas as ordens para entender o que é essa coisa que ajuda o álbum a contar história.
Acredito que era isso. Agradeço muito seu tempo. Sua disponibilidade.
Eu que agradeço também as perguntas inteligentes, massa. É, eu tento ao máximo não criar nenhuma possibilidade de polêmica nas coisas que falo, nem criar nenhuma possibilidade de aspas que vão me levar para esse lugar de que as pessoas já esperam, que quer arrumar briga com fulano e não sei o que. Inevitavelmente, uma hora ou outra, sai alguma coisa assim que é só de uma análise sociocultural das coisas, é só uma faceta social de uma análise de alguma coisa, não tem nenhuma pretensão de criar nenhuma aspa, como falei aí de fulano quando as pessoas querem alguma coisa ligam pra um, quando querem outra coisa ligam pra outro. Quando estou falando de uma multiplicidade, não é pra diminuir ou tratar com desvalor ou desmerecer alguém.
No S&Y a gente sempre publica as entrevistas na íntegra pra evitar isso, porque cada vez menos se publicam entrevistas na íntegra, então é o nosso padrão editorial, para também não tirar de contexto essas falas.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz. A foto que abre o texto é de Larissa Zaidan.