entrevista por Bruno Lisboa
Descrever o que Elza Soares representa para a música popular brasileira é tarefa das mais difíceis. Afinal como retratar, em poucas linhas, alguém cuja longa trajetória acaba por ser reflexo ao nosso país, numa narrativa cheia de altos e baixos? Elza foi do céu ao inferno por diversas vezes, mas tantas idas e vindas não a impediram de seguir em frente, enfrentando uma luta diária em defesa das minorias através da sua arte que segue em franca reformulação.
Sua nova fase foi iniciada com o elogiado “A Mulher do Fim do Mundo” (2015), disco em que Elza abraçou a nova geração da música popular brasileira, produzindo um dos discos mais relevantes desta década, vencedor do Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música Popular Brasileira sendo ainda indicada como melhor canção (“Maria da Vila Matilde”) – foi disco do ano também no Scream & Yell. A sequência com “Deus é Mulher” (2018) manteve a qualidade em alta, recebendo novamente mais uma indicação ao Grammy de melhor disco.
O recém-lançado “Planeta Fome” (2019), que está saindo pela Deck, encerra uma “trilogia” em que a cantora coloca em voga, novamente, um discurso afiado ante o Brasil contemporâneo que insiste em seguir retrógrado em questões de natureza social. O disco tem produção de Rafael Ramos e contou com participações de BaianaSystem, Orkestra Rumpilezz, Virginia Rodrigues, BNegão, Pedro Loureiro e Rafael Mike.
Na entrevista abaixo, Elza fala sobre o novo disco (que traz canções de Pedro Luis, dos titãs Sérgio Britto e Paulo Miklos, de Caio Prado, de Luciana Mello e Pedro Loureiro, de Russo Passapusso e de BNegão, entre outros), o Brasil de hoje, suas motivações em seguir lutando em prol da igualdade, as homenagens que tem recebido, a seleção do repertório do novo álbum, o racismo de ontem e de hoje, planos futuros e muito mais.
Vivemos tempos nefastos onde o presidente da nação afirma, erroneamente, que não há fome no nosso país, sendo que dados comprovam o contrário. “Planeta Fome” pode ser associado como uma crítica ao Brasil contemporâneo?
“Planeta Fome” nasceu para dizer o que diz, é só escutar. Ele não está associado a nada a não ser comigo mesma e o país.
Desde o disco “A Mulher no Fim do Mundo” que você vem trabalhando com músicos da nova geração da MPB. Ali foi com músicos paulistas (Guilherme Kastrup, Romulo Fróes, Kiko Dinnuci). Agora é com uma turma de novos nomes cariocas (sob o comando de Rafael Ramos). Como tem sido esta experiência?
Eu trabalho com todo mundo, inclusive com a nova geração que é maravilhosa e rica para todos.
Você, desde sempre, tem levantado bandeiras em prol da defesa das minorias. Apesar dos avanços dos últimos anos, mundialmente se vê um grande retrocesso quanto a isso. O que te motiva seguir nesta luta?
Eu vou parar por que? Tem que seguir, tem que continuar. Se parar, para o mundo. Quero que o mundo continue lindo, maravilhoso, sorridente, feliz e sadio. Isso que me interessa.
Recentemente você tem recebido uma série de homenagens em alusão a sua vida e obra seja através do musical “Elza” ou da biografia escrita por Zeca Camargo. Num mundo onde artistas acabam por ser homenageados geralmente de forma póstuma como é receber estes trabalhos estando no melhor momento da sua carreira?
Sorrindo, sorrindo muito e agradecendo muito a Deus e a vocês.
A faixa “Menino” traz à tona o seu lado compositora. Canção que, aliás, tem versos que refletem sobre a infância e o futuro do país. Em tempos onde assassinato de uma criança como a Ágatha é relativizado (e justificado) por uma parcela da sociedade a pergunta que fica no ar é: qual é legado que deixaremos para as gerações futuras?
Eu não sei. Sei que a minha quero que seja o melhor. “Venha cá menino, não faz isso não”. Continuo fazendo o melhor.
A canção “Brasis” faz um apanhado do processo de formação histórica de nossa sociedade. Por mais que tenhamos uma trajetória ligada a diversidade, hoje visualizamos um período nefasto onde muitos insistem em seguir num discurso preconceituoso, agindo de maneira excludente ante ao que lhe é tido como diferente. Estaria no reconhecimento das nossas origens a peça chave para mudarmos a atualidade?
Somos todos iguais sempre, sempre, sempre. Não tenho mais nada a dizer. SOMOS TODOS IGUAIS.
No disco há um equilibro entre canções inéditas com releituras. Como se deu a seleção do repertório?
Vocês escutaram o disco. Pelo que estão perguntando escutaram bem. Vocês repararam como o disco é lindo, forte e começa com canções maravilhosas, como “Lírio Rosa”; que é uma música be-lis-sí-ma? Sou apaixonado por ela.
A faixa “Não Tá Mais de Graça” (2019) dialoga diretamente a outra canção do seu repertório “A Carne” (2002). Ambas trazem à tona críticas pontuais ao racismo sempre se fez presente no nosso quotidiano. Passados 17 anos, você acredita que o Brasil tenha melhorado neste quesito?
Não sei, não vejo melhor em nada. Vejo um Brasil lutando pela igualdade de raça, de cor. Tô aqui lutando, quem sabe um dia melhore. Pode até ser que eu não esteja mais aqui junto de vocês, mas eis a minha participação.
Em “País do Sonho” você elenca quais são seus maiores anseios quanto ao que seria o Brasil dos sonhos. Em tempos de muitas ideais e poucas ações, o que precisamos fazer para que consigamos vislumbrar um melhor cenário?
Vamos aprender a votar nesse País, para não dizer um palavrão senão ficaria chato… Vamos aprender a votar; eu não sei, você não sabe, ninguém sabe. Talvez seja melhor aprendermos a votar.
Quais são os planos futuros? Pretende sair em turnê para divulgar “Planeta Fome”?
Estou na estrada, já lancei meu álbum no Rock in Rio, dia 13/10 lancei em São Paulo (no Balaclava Fest) e já até tô pensando em fazer outro disco! Daqui a pouquinho vai ser “Fogo No Planeta”.
– Bruno Lisboa é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Marcos Hermes / Divulgação