Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota
O Balaclava Fest chegou a sua décima edição com mais ousadia, apostando em nomes femininos e buscando mais diversidade, em um passo natural de um evento que se tornou fundamental no calendário musical de São Paulo. Organizado pelo selo Balaclava Records, o Bala Fest trouxe o Ride, em abril, num dos grandes shows do ano. Por isso mesmo, a tarefa era complexa em sua décima edição. A saída encontrada pela curadoria foi por um caminho distinto para os padrões do festival, apostando em nomes que não são atrelados necessariamente ao indie, como Elza Soares e Kelela, balanceando com artistas mais alternativos, como Battles, Shame e Ryley Walker.
Essa escolha do festival se confirmou como um acerto nesse último domingo (13/10), quando um público diverso encheu a Audio Club, em São Paulo, para passear entre shows de indie, math rock, R&B, folk e música eletrônica. Sendo bem claro, quando se fala em público diverso, realmente estamos falando em mais pessoas negras e LGBTQs circulando pelo evento – em comparativo com suas edições anteriores –, no que é claramente um efeito de um line-up que abre mais horizontes e dialoga com públicos mais amplos. Inclui-se nessa equação também o valor bastante acessível dos ingressos, que foram vendidos a partir de 80 reais – o que é uma pechincha em comparação com outros festivais.
Com boa organização, dividindo o line-up entre os dois palcos do espaço e criando pequenos áreas de convivência, o Balaclava Fest também teve o lançamento da quinta edição da Revista Balaclava, projeto de distribuição gratuita, editado por Helo Cleaver e Isabela Yu. No espaço de convivência ainda era possível silkar sua camiseta com uma ilustração assinada por Thata Jacoponi. A produção avisou pelo Instagram, assim o público levava aquela camiseta que tinha guardada e as meninas silkavam na hora e pronto: você levava pra casa a sua lembrança gratuita do festival.
A tarde se abriu com o show de Papa M (a.k.a. David Pajo, do Slint), no palco menor do evento, que apresentou-se sozinho, a ir de suas canções mais experimentais até passagens mais folks. Logo na sequência, o palco principal se abriu com o Boogarins, que conseguiu levar um grande público logo cedo para o espaço. Apresentando algumas faixas de seu mais recente disco, “Sombrou Dúvida” (2019), a banda mais uma vez reafirmou porque é presença constante em tantos festivais (brasileiros e internacionais), com um show forte e grandioso.
Em uma aposta ousada, o palco menor recebeu ainda no final da tarde ÀIYÉ, novo projeto de Larissa Conforto (baterista da extinta Ventre). Tendo lançado apenas um single até o momento, essa foi a estreia do projeto em SP. ÀIYÉ é o encontro da música eletrônica com o lado mais místico e íntimo de Larissa e por isso a apresentação foi simbólica, com a multi-artista até se perdendo em lágrimas em meio a uma das canções. Em um bom show-experimento, fica a curiosidade pelo disco que ÀIYÉ lançará ainda esse ano pelo selo Balaclava, chamado “Gratitrevas”.
No início da noite, o Battles assumiu o palco principal do festival. O grupo nova-iorquino que já foi um quarteto, se apresentou em sua nova formação, enquanto duo. Eles mostraram faixas de diferentes fases da carreira, incluindo um dos singles mais recentes, “A Loop So Nice They Played It Twice”, porém a sensação ao vivo ainda é um pouco gélida, pois a falta dos outros elementos instrumentais da banda é sentida em alguma medida. De todo modo, não deixa de ser curioso vê-los tentando replicar o complexo universo dos discos no palco, o que é confirmado pelo grande público que se aproximou para vê-los com bastante interesse.
Já à noite, Ryley Walker apresentou seu folk completamente sozinho no palco menor, apenas acompanhado de seu violão. De universo melancólico e um quê de “sábio-maluco”, as canções de Walker se acomodaram bem no espaço pequeno, para um público diminuto, que parecia atento aos devaneios dele. O músico norte-americano até contou histórias e falou com surpresa sobre a beleza das árvores e flores do Brasil, bem como sobre um saboroso suco de manga que ele havia bebido por aqui. Curioso de se ver.
No palco principal, Kelela reuniu um grande público para apresentar o seu aguardado show – a cantora havia cancelado sua apresentação por aqui no ano passado, no Meca Festival, quando foi substituída por Elza Soares. Kelela se apresentou toda de branco, em palco esfumaçado e sem a presença de banda, sendo acompanhada apenas por bases eletrônicas. Sua figura sensual e chique é ladeada no palco por um grupo de quatro dançarinas, que faz piruetas e serve de apoio para que a própria Kelela também dance – incluíndo aí passos de vogue. Com setlist baseado em seu disco “Take Me Apart” (2017) e na sua mixtape “Hallucinogen” (2015), a cantora de R&B mostrou classe e elegância em um show belo, mesmo que morno em determinados momentos.
Enquanto Kelela ainda estava no palco principal, os ingleses do Shame já estavam botando fogo no palco menor. Apresentando as canções de seu disco de estreia, “Songs of Praise” (2018), a banda levou o público a loucura, tanto que era usual ver algum fã sendo carregado no alto pelos outros. Com uma energia alucinante, o vocalista Charlie Steen também se jogou na plateia e inclusive cantou uma das canções em pé sobre os fãs. Showzão com cara de punk clássico que pode ser colocado na lista de shows que serão relembrados no futuro, do tipo “lembra quando o vocalista do Shame fez o caos no palquinho do Balaclava”?
Para fechar o dia, Elza Soares subiu ao palco principal para apresentar seu novo disco, “Planeta Fome”, em noite de estreia do novo espetáculo. “Planeta Fome” é um disco inferior se comparado aos discos da safra mais recente de Elza e isso se reflete no novo show. Sentadinha em uma espécie de pedestal, Elza passeia por sua trajetória e entoa gritos de chamamento para a platéia, defendendo as mulheres, os negros e a população LGBTQ. Com uma banda completamente masculina, há momentos que ainda pareciam precisar de ajustes no palco, como na importante “Maria da Vila Matilde”, faixa de caráter feminista, em que a voz dos backing vocals parecia mais alta que a de Elza. Questões estruturais de uma estreia a parte, Elza levou um grande público jovem a cantar junto e bem alto as suas canções de diferentes épocas, mostrando mais uma vez por que é uma das vozes mais importantes do país.
O saldão final da décima edição de Balaclava Festival é mais uma vez reafirmar a importância das movimentações feitas pela Balaclava no cenário nacional. O fato de eles conseguirem montar um line-up diverso e preocupado com o equilíbrio entre gêneros já mostra avanços e deixa claro que a equipe está atenta e aberta as mudanças. Bem estruturado, com poucos atrasados, o Bala Fest é sempre um momento de encontros, bons shows e a sensação de um festival leve, em que se consegue ver muitas apresentações sem aquela sensação de exaustão final. Mais uma vez, dizemos: vida longa ao Festival!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/