Ao vivo: Duda Beat reafirma vocação pop e conquista o Circo Voador

texto por Gustavo Almeida
fotos por Michelle Castilho

Se existe algo como um rito de passagem para artistas estabelecidos no Rio (e/ou que se apresentam no Rio) é o Circo Voador, um dos palcos míticos da cidade (e do Brasil). Duda Beat é pernambucana, mas sua carreira é carioca e, pela segunda vez esse ano, passou pelo teste do Circo. Ingressos esgotados com antecedência, lona abarrotada e coros ensurdecedores são alguns dos ingredientes de uma noite emocionante, para Duda e para o público. E no mesmo ano em que estreou no Circo Voador, com Mahmundi em janeiro, a casa de 2800 lugares já parece ter ficado pequena.

Mateus Carrilho, ex-vocalista da banda Uó, foi o responsável por esquentar o público e abrir a noite. O show de abertura começou cedo, enquanto muita gente ainda esperava na fila para entrar, mas o artista se garantiu na tarefa de colocar o público dançar. Conforme se desenrolava o show, mais gente aparecia pra cantar com ele músicas de sua antiga banda como “Búzios do Coração” e “Faz Uó”, e até o hit nacional que alavancou sua carreira solo: “Corpo Sensual”, colaboração dele com Pabblo Vittar.

Mateus se atrapalhou com os nomes na hora de apresentar seus músicos, mas se desculpou explicando que era sua primeira vez com instrumentistas e se corrigiu para que não entendessem sua confusão emocionada como desrespeito. De qualquer forma, a recém formada banda, com Bernardo Ibeas, Pedro Amparo, Diogo Viola, Pedro Tambellini e Lucas Freitas, fez um ótimo trabalho em sua estreia com o cantor.

Pouco antes da meia-noite, Duda Beat subia ao palco com mais um de seus figurinos únicos, dessa vez vestida de coração partido e ao som de “Bédi Beat”, obrigando os P.A’s a competirem com as vozes ensurdecedoras da plateia. A batalha seguiu nas canções seguintes, a emocionante “Bolo de Rolo” e “Só Eu e Você na Pista”, recente colaboração com a cantora Illy. O primeiro e único álbum da cantora, “Sinto Muito”, lançado em 2018, segue sendo tocado integralmente em suas apresentações, e não poderia ser diferente. A força do repertório, com letras simples e melodias cantaroláveis, é talvez o maior mérito da artista e principal razão do seu sucesso. Por isso o setlist seguiu com “Back to Bad”, “Ninguém Dança”, “Derretendo”, “Pro Mundo Ouvir” e “Egoísta’, todas do disco.

Chegou então o grande convidado da noite: Lucas Santtana, pela primeira vez tocando ao vivo “Meu Primeiro Amor”, sua música lançada no início do mês com a participação de Duda. Em seguida, emocionou o público com um discurso inspirado por Luiza Erundina, dizendo que “os sonhos não podem caber no período de uma vida” e cantou a composição de Herbert Vianna, “Mensagem de Amor”. Ficou ainda para aquele que foi o momento mais bonito da apresentação, ajudando Duda Beat a conduzir as milhares de vozes presentes pelo refrão que mais parecia um mantra, repetindo que “todo carinho do mundo, para mim, é pouco”.

Para formar o baile que guiou a reta final da apresentação, ela chamou de volta ao palco Mateus Carrilho e, juntos, coreografaram “Chega”, lançada por eles esse ano. Para dar tempo de se enfiar em mais um figurino exuberante, Duda deixou suas ótimas cantoras de apoio, Camila e Luiza de Alexandre, tomarem a frente enquanto a banda puxava um dos maiores hits do ano, “Evoluiu”, de Kevin O Chris. Banda impecável que, aliás, é formada por Lux Ferreira nos teclados, Gabriel Bittencourt na bateria, Felipe Vellozo no baixo, Reinaldo Godói e Vitor Costa nos metais e, é claro, o produtor do disco Tomás Tróia na guitarra.

“Meu Jeito de Amar”, com Omulu, e “Chapadinha”, a versão brasileira de “High by the Beach”, da Lana del Rey, foram as próximas. As duas que, provavelmente, são as melhores dos vários singles lançados após o disco deram ao público um último gás para, mais uma vez, cantar a plenos pulmões. Para fechar, emendaram as duas versões de “Bixinho”, seu maior hit e música que a colocou num patamar que já vai além do alternativo, para delírio do público que apesar das súplicas, não teve direito ao bis.

No momento em que o interminável debate sobre a qualidade da música brasileira atual reaparece, entre sensacionalismos e equívocos, vale destacar a posição artística corajosa de Duda, que declaradamente não só quer tocar pra todo mundo, como trabalha pra isso. Não é mérito pra nenhum artista independente se contentar com a arrogante posição de que “poucos me escutam, pois poucos me entendem”. Não se trata de minimizar a influência da excludente indústria do pop, que limita os padrões de música vendável, mas também não é sobre se vangloriar de um alcance limitado. A música independente resiste e dita tendências, mas não está num patamar moral e estético superior à nenhuma outra forma artística, e certamente não é uma pretensa pureza de intenções que define sua relevância. Duda Beat tem o impulso artístico de não se contentar com um nicho e a simplicidade honesta de uma cantora pronta para enfrentar o desafio de cruzar a fronteira entre alternativo e mainstream. A conquista do Circo Voador marca mais um passo importante em sua carreira. E, como ela não para, vem muito mais por aí.

– Gustavo Almeida é estudante de Comunicação Social na UFRJ e responsável pelo podcast Nos Palcos do Rio (ouça aqui).

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