por Karina Lacerda
Há décadas a música dos quatro cabeludos de Liverpool faz a trilha sonora de pessoas em todo o mundo. E as canções (com toda a mítica que elas carregam) também inspiraram vários filmes: por aqui a gente faz uma pequena lista afetiva (spoiler: tem estreia no final).
Antes de levar Marty McFly nas suas viagens pelo tempo, Robert Zemeckis já brincava com elementos dos anos sessenta em “I Wanna Hold Your Hand”, lançado em 1978. O filme, que no Brasil recebeu o nome de “Febre de Juventude” (e está ganhando relançamento em DVD), é particularmente divertido porque recria toda a histeria da beatlemania durante a expectativa da primeira aparição da banda no programa do Ed Sullivan, nos Estados Unidos em 1964. Quatro garotas (e uns outros mocinhos disfuncionais e perdidos) sem ingressos para a plateia enfrentam mil e uma confusões para estarem mais perto dos seus ídolos. Uma típica comédia de sessão da tarde, com músicas da fase mais comercial e “boy band” (basicamente “Please Please Me” e “With The Beatles” – pra serem precisos, nada lançado depois de fevereiro de 1964 entrou na trilha) e uma profusão de gritarias e hormônios em fúria em um dos momentos mais épicos da cultura pop. Pura diversão típica adolescente. (antes do show, Ed Sullivan avisou para a equipe: “Eu quero que vocês estejam preparados para gritos excessivos, histeria, hiperventilação, desmaios, convulsões, espasmos … até mesmo tentativas de suicídio. Tudo perfeitamente normal.”)
Ainda em 1978, um “intercâmbio” entre os comediantes ingleses do Monty Python (“A Vida de Brian”, “Em Busca do Cálice Sagrado”, “O Sentido da Vida”…) e os americanos do Saturday Night Live virou um especial para a BBC capitaneado por Eric Idle. “The Rutles – All You Need is Cash” é um falso documentário sobre uma banda formada por quatro rapazes talentosos que… bom, acho que a essa altura você já entendeu que é uma paródia dos Beatles, certo? Eric Idle fez o papel de Dirk McQuickly, a versão Paul McCartney da banda e o indiano John Halsey fazia o papel de George Harrison, sob o nome de Stig O´Hara. O John Lennon do “Rutlesverso” ficou a cargo de Neil Innes – sob o nome de Ron Nasty, o vocalista que se envolve com uma estrangeira (mas dessa vez não era japonesa, mas alemã…). Kevin, o baterista era interpretado por David Batley. Claro que rolou uma substituição do baterista na banda. Mas o ator continuou o mesmo. Humor inglês, right? O mockumentary mostra a trajetória da banda – da busca pela fama até a separação – versões divertidíssimas das músicas dos cabeludos ingleses e até a rivalidade com os Stones, com direito uma ponta de Mick Jagger. Aliás, participação especial é o que não falta nesse filme que teve até o George Harrison como um repórter. Para os “não iniciados” talvez uma piada ou outra se perca, mas é sempre um prazer ver Eric Idle em ação.
“Backbeat – Os Cinco Rapazes de Liverpool”, dirigido por Iain Softley, foi lançado em 1994 e conta a saga do então quinteto em Hamburgo, tocando em bares de reputação duvidosa e ganhando experiência de palco. Além de mostrar uma versão menos “limpinha” dos músicos, aproveita pra contar a história de Stuart Sutcliffe, baixista sofrível e pintor talentoso que Lennon arrastou para a banda, e o encontro deles com os estudantes de arte Astrid Kirchherr e Klaus Voormann, responsáveis em parte pela mutação dos topetes de típicos teddy boys de Liverpool para o mop top que escandalizou e virou marca registrada da primeira fase dos Beatles. Mas o ponto alto do filme é a trilha sonora: os caras montaram uma verdadeira banda dos sonhos dos anos 90 pra tocarem o repertório dos 4 em Hamburgo – nos vocais Greg Dulli (Afghan Whigs) e Dave Pirner (Soul Asylum), Thurston Moore (Sonic Youth) e Don Fleming (Gumball) nas guitarras, Mike Mills (R.E.M.) no baixo e – (insira aqui um rufar de tambores para aumentar a expectativa) o arroz de festa mais divertido e gente boa do grunge: Dave Grohl (Nirvana/Foo Fighters) na bateria (e eles tocaram ao vivo). A trilha saiu pela EMI até ANTES do filme ser lançado (e ganhou um BAFTA por melhor trilha sonora) e vale a pena ouvir em qualquer tempo: uma versão mais “feia, suja e malvada” dos primeiros anos dos Beatles.
Em 2007 a cineasta Julie Taymor (“Frida”) lançou “Across the Universe”, uma viagem colorida, sensorial e de alto orçamento pelos anos 60 e 70 conduzidas pelas músicas da banda mais famosa do mundo. Jude (Jim Sturgess) sai da Inglaterra para “fazer a América” e encontra um país em ebulição, entre o clima de amor livre, a guerra do Vietnã e a luta por direitos civis. Claro que ele se apaixona por uma mocinha linda de boa família, e é claro que Lucy (Evan Rachel Woods) é loira, encantadora e inocente, e claro que os dois passam por poucas e boas até ficarem juntos de vez. E, claro, eles cantam. Cantam muito. A produção conseguiu o direito de usar TRINTA E QUATRO canções no filme, com participações de Bono, Joe Cocker e Salma Hayek. Lançado no festival de Cinema em Roma causou comoção (aqui, na Mostra de Cinema de São Paulo também teve muito marmanjo chorando emocionado). Me arrisco a dizer que a versão de “Being For The Benefit Of Mr. Kite” é a melhor já feita. Assista e rebata.
Em 2009, a cineasta inglesa Sam Taylor-Wood fez duas escolhas certeiras. A primeira foi a parceria com o roteirista Matt Greenhalgh, de “Control” – o filme sobre Ian Curtis, vocalista do Joy Division, para fazer o filme “Nowhere Boy” (“O Garoto de Liverpool” no Brasil). O recorte aqui é sobre a adolescência de Lennon, o início da parceria com McCartney e o equilíbrio delicado entre suas relações com tia Mimi e a mãe Julia baseado – em partes – no livro da sua meia-irmã Julie Bard, “Imagine: Crescendo com meu irmão John Lennon”. A segunda foi escalar Aaron Taylor para viver o rebelde e confuso John adolescente. Mesmo que não seja um grande ator, Aaron traz um pouco de sex appeal para Liverpool. E um pouco de amor, também. Cineasta e ator se envolveram durante as filmagens e estão juntos até hoje e tem duas filhas lindas. Assim como John, que depois de casado assumiu o sobrenome de Yoko, Aaron também agora assina Taylor – Johnson.
Agora, em 2019, é a vez do inglês Danny Boyle (‘Trainspotting” e “Quem Quer Ser Um Milionário”) se divertir com o espólio em “Yesterday”. Imagine acordar em um mundo sem nenhum vestígio dos Beatles, onde ninguém no planeta conheça uma única canção sequer da banda – além de você, claro. Foi o que aconteceu com o guitarrista semifracassado Jack Malick (Himesh Patel) depois de um apagão mundial de energia elétrica, um acidente de trânsito e dois dentes perdidos. De músico medíocre a uma enciclopédia de pérolas musicais… ele acaba virando um superstar. Se é bom? Descobriremos juntos no final de agosto (estreia dia 28) quando o filme chegar aos cinemas brasileiros. Mas vá se emocionando com o trailer ai embaixo.
– Karina Lacerda (@naoeakazinha) é jornalista, trabalha na TV Cultura.