por Karina Lacerda
Quem nunca perdeu meia hora da vida rolando pelas opções da Netflix buscando o quê assistir que atire o primeiro Chromecast (ou mude a aba do navegador). Eis que esse texto vem pra te trazer não uma, mas oito: a série documental “Re-Mastered” (2018/2019). Independentes entre si e com duração média de uma hora, os documentários começaram a pipocar no serviço de streaming em outubro de 2018.
Criada pelos premiados irmãos Jeff e Michael Zimbalist (cujo currículo destaca os elogiados “Favela Rising”, de 2005, e “The Two Escobars”, 2010), cada episódio investiga um mistério do mundo da música, contextualizando historicamente e mostrando o impacto da música na sociedade, não só no momento em que as polêmicas aconteciam, mas seus efeitos até hoje.
Se num primeiro momento chamam mais a atenção os episódios com personagens mais conhecidos, o jeito como a narrativa é construída ao misturar animações com entrevistas com especialistas e personagens das histórias, logo o espectador se vê amarrado às histórias e prestes a emendar documentários com paradas estratégicas para uma busca rápida no Google: “como isso aconteceu e eu não fiquei sabendo?”.
Em todos os episódios, o mote é o mesmo: mais do que falar de música, é relembrar a importância da apuração e da investigação jornalística, especialmente nesses tempos de pós verdade onde quem grita mais alto ganha a palavra final da narrativa. Vale a pena ver cada um com atenção. Abaixo, um pouco sobre cada um dos oito episódios:
Brian Oakes dirige “Diabo na Encruzilhada” – talvez um dos episódios mais saborosos – que conta a vida de Robert Johnson, músico que viveu pouco mas se tornou uma figura mítica do blues. Segundo a lenda, para melhorar suas habilidades Johnson fez um acordo com o diabo em uma encruzilhada no Mississipi. Amaldiçoado ou não, Johnson influenciou gerações de músicos. E são eles quem contam suas interpretações do mito.
Em “Who Shot The Sheriff”, dirigido por Kief Davidson, a história mostra o envolvimento da agência americana CIA e a repressão ao movimento roots reggae no país até chegar ao tiroteio envolvendo Bob Marley em dezembro de 1976, dois dias antes de um show gratuito em meio a uma disputa eleitoral acirrada.
“Nixon e o Homem de Preto”, dirigido pela dupla Barbara Kopple e Sara Dosa, discute o embate interno do patriota Johnny Cash encurralado pela Casa Branca para demonstrar um apoio a um presidente e a uma guerra com a qual ele não concordava.
Coube a BJ Perlmutt o único episódio envolvendo a América Latina – e um dos mais trágicos: “Massacre no Estádio” conta a história de Victor Jara – o “Bob Dylan Chileno” que usava suas canções para combater a ditadura de Pinochet. Oficiais do exército e a viúva contam a história do mítico artista, uma das 300 pessoas que foram torturadas e mortas pelos miliares chilenos no Estádio Nacional, em Santiago, justamente por escrever uma música sobre os assassinatos com quem discordava do regime.
Brian Oakes é o único diretor a cargo de dois episódios: o segundo nos leva ao universo do hip hop: “Quem matou Jam Master Jay?” mostra o assassinato de Run Jam DMC Jam Jay, baleado e morto num estúdio de gravação da Jamaica, em 2002. Seis pessoas presenciaram o crime, mas até hoje ninguém foi condenado.
“Lion’s Share”, dirigido por Sam Cullman, vai até a África do Sul pra mostrar o que acontece quando se mistura um pouco de culpa, um sistema viciado e um bocado de dinheiro. O episódio mostra a busca do jornalista sul-africano Rian Malan pelo verdadeiro autor e pelos herdeiros da música “The Lion Sleeps Tonight” que teve inúmeras regravações e arrecadou mais de 15 milhões de dólares – para outros músicos e para a gigante Disney. Malan encontra os herdeiros em Soweto e contar o resto da história é exagerar no spoiler.
Miami Showband, apesar do nome, era uma banda que surgiu em Dublin e fazia muito sucesso tanto do lado católico quando do lado protestante da Irlanda, no meio dos anos 70 – auge do conflito entre Reino Unido e Irlanda. Em 1974, o grupo de rock apolítico caiu na mira de um grupo paramilitar, que matou quase toda a banda. Em “O Massacre Showband de Miami”, Stuart Sender traça uma ligação entre o atentado e o governo da rainha.
O movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos tinha Sam Cooke como uma das suas principais vozes. Mas, após sua morte aos 33 anos, sua obra quase caiu no ostracismo. Kelly Duane de La Vega traz entrevistas com Quincy Jones e Dionne Warwick e relembra o caso: Cooke foi encontrado morto em um motel em circunstâncias nunca esclarecidas. Além do mal explicado assassinato, uma outra dúvida: teria a indústria tentado apagar a história do cantor?
– Karina Lacerda (@naoeakazinha) é jornalista, trabalha na TV Cultura.