A menina e o Pink Floyd: três décadas depois
ou
A primeira banda louca que entortou minha percepção sonora!
Texto por Adriane Perin
Fotos por Camila Cara / T4F
Há 33 anos, no dia 15 de março de 1985, entrei no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, aos 14 anos, para ver o show que lembro como o meu primeiro, do grupo porto-riquenho Menudo. Em Curitiba há apenas três meses vinda do interior de Santa Catarina, trazia comigo as boas lembranças de infância e andava tristonha de saudades. A boy band latina, considerada o maior fenômeno infanto-juvenil da década de 80, foi a primeira banda que segui como fã: cantava, fazia coreografias e, se a memória não me trai, foi a única vez que tive um pôster, do Robby. Porém, não tive o disco – era o tempo das rádios AM e fita cassete.
Não vou enrolar: a verdade é que pouco ficou na minha memória daquele tal primeiro show, cuja permissão para ir só tive porque a irmã do melhor amigo do meu irmão ia e as famílias se conheciam. Mal sabia a menina que tudo estava prestes a virar pelo avesso. Cerca de um ano depois tudo começaria a mudar – e começou pela música, isso é bem claro agora!
Em algum ponto daquele longínquo 1985 percebi um rapaz diferente na sala de aula. Roupas pretas, cabelos meio compridos; tinha olheiras evidentes emoldurando um olhar que, pra mim, era triste. Ficava sempre no fundão (eu ainda era menina das primeiras fileiras, rsrsrs) e cheguei a ouvir que ele não era boa companhia, que o esquisitão fumava maconha, coisas do tipo. Não me fiei nas avaliações, mas fiquei na minha. No início do segundo ano, já na mesma turma, mudei de lugar! E puxei a conversa que evoluiu para uma das mais belas amizades que já tive, com direito a cartas e longas horas de conversas ao telefone. Assim conheci a banda preferida dele, o Pink Floyd.
Ele falava muito do “Wish You Were Here”; eu já curtia mais rock nacional e comprara alguns discos. O fato é que ali começaram as trocas musicais que fariam a diferença na minha vida (pessoal e profissional) anos depois. “The Final Cut foi o primeiro disco que me ‘arrasou’. Para desespero de meus pais, eu me trancava no quarto a tarde toda, com um tecido escuro cobrindo a janela: quando não estava estudando estava deitada no chão, com a cabeça entre as duas caixas do meu amado 3 em 1 Gradiente, presente de 15 anos. Não tinha ideia que a banda estava implodindo, não tinha ideia de nada da história deles. Mas, traduzi cada palavra daquele disco mais de uma vez e cheguei num ponto de conhecer cada pausa e respiração. E foi assim que o ‘Pink Floyd do Roger Waters’ mudou a percepção musical da menina.
E eis que no último sábado, 27 de outubro, entrei pela segunda vez naquele mesmo estádio, e posso dizer com toda tranquilidade agora, para ‘ver’ as músicas da primeira banda louca que entortou a minha percepção sonora! Se posso dizer que algum disco mudou a minha vida, ele foi feito pelo Floyd, sob o comando de Waters. O mesmo cara que estava ali na minha frente, infelizmente enfrentando com a gente o ódio e a incompreensão da maioria presente no show da turnê Us + Them.
A ideia era falar sobre a experiência musical, sobre as emoções despertadas e sobre o que a música é capaz de fazer com uma pessoa: em menos de um ano ir de um pop adolescente pasteurizado até uma das sonoridades mais complexas da música mundial. Sob o prisma de Waters, no entanto, não se pode ignorar a questão política, outro elo que une essas experiências distantes no espaço tempo.
Naqueles meados dos anos 80 o Brasil também respirava política, mas o entorno era libertário, o momento era de esperança com o primeiro presidente civil eleito, mesmo que indiretamente, depois de anos de ditadura. Um clima completamente diferente do que vivemos na véspera desta eleição tensa de 2018, marcada por mentiras, pelo desinteresse/desilusão de parte expressiva dos eleitores, ao lado da violência e preconceito de outra parte. A pimenta ficou ainda mais ardida pelo fato de o show ser em Curitiba, um dos epicentros da derrocada em que nos metemos.
Ao sentar-me diante do computador para escrever, primeiro empaquei; depois, entrei na viagem para em seguida desistir. Investiguei meus sentimentos novamente, parei de novo, coloquei o disco para rolar outra vez… Afinal, como começar, o que escrever sobre a minha experiência – tão desimportante – no meio desse clima que a gente tá vivendo?
Não se pode dizer que foi um show pacífico – embora nada de grave tenha acontecido. Roger Waters, que, claro, manteve sua postura política, foi vaiado – e muito. Horas depois, o que já estava claro se confirmou nas urnas. O cantor inglês e sua produção seguem às voltas com uma demanda da Justiça (?) brasileira. Para mim, ficou um gosto amargo na boca, junto com os sons e imagens incríveis e com a certeza de que a maioria não entendeu nada. Eles entenderam menos que uma garotinha assustada de 15 anos, três décadas atrás!!! A garota também seguiu a vida e se transformou em uma produtora e jornalista cultural – e jamais se afastou da música.
Ainda que eu tenha vivido para ver Roger Waters e as canções do Pink Floyd serem vaiadas do meu lado, me sinto mais forte do que nunca – e isso tem a ver com o show que vi e com as canções que continuo a ouvir e que continuam a dar a certeza de que escolhi certo os meus caminhos! Vou continuar colocando Pink Floyd para rodar no toca discos, vou conhecer as novas canções de Roger e David Gilmour, reencontrar velhos amigos. E sei que não sou a única – nem mesmo em Curitiba!
Ah, sim, meu amigo é guitarrista e vocalista de uma ótima banda cover do Pink Floyd!!
1. Breathe
2. One of These Days
3. Time
4. Breathe (Reprise)
5. The Great Gig in the Sky
6. Welcome to the Machine
7. Déjà Vu
8. The Last Refugee
9. Picture That
10. Wish You Were Here
11. The Happiest Days of Our Lives
12. Another Brick in the Wall Part 2
13. Another Brick in the Wall Part 3
14. Dogs
15. Pigs (Three Different Ones)
16. Money
17. Us and Them
18. Smell The Roses
19. Brain Damage
20. Eclipse
21. The Bravery of Being Out of Range
22. Comfortably Numb
– Adriane Perin (fb/adriane.r.perin) é jornalista e uma das responsáveis pela De Inverno, produtora cultural e assessoria em comunicação social
Excelente texto, Adri!
Mana, como dizem os paraenses para pessoas queridas…estive no show do Rio de Janeiro. Fiquei feliz, orgulhoso de pertencer a um lado que é contra o que a republiqueta de curitiba e a avenida paulista pregam.
O Pink Floyd, tantas vezes, como outros progressivos, foi muitas vezes bombardeado por indies, descolados etc…mas se manteve como um ícone pra muitas e muitas gerações. Cada vez mais, quando olho ao redor no cenário musical, vejo que os ‘velhinhos’ são os que menos me decepcionam (não é bruce, patti, u2, paul etc?)
Bela resenha. Estive no show em POA e lá as vaias foram abafadas pelos aplausos e gritos de Bolsonaro vai tomar no cu. Coisa linda.