por Renan Guerra
Primeiro disco solo de Otto (após sua saída do Mundo Livre S/A) e o primeiro disco lançado pela gravadora Trama, “Samba pra Burro” (1998) foi uma aposta de Carlos Eduardo Miranda, produtor lendário falecido recentemente. Misturando folclore, forró e rap com jungle, techno e drum’n’bass, a estreia do artista recifense foi saudada como “o som do novo milênio” que se aproximava.
Sucesso nacional e internacional, “Samba pra Burro” foi escolhido o disco de 1998 pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, ganhou uma luxuosa edição com remixes em 2000 e abriu as portas para a carreira de Otto. De lá pra cá se passaram 20 anos, agora Otto é figura respeitada (entre adoradores e detratores) numa carreira com cinco discos autorais e um estilo muito particular de se expressar e de expor sua música. Celebrando os 20 anos do disco, “Samba pra Burro” surge finalmente reeditado em vinil (via Polysom) e, como festa de lançamento, o cantor se apresentou em duas noites no Sesc Pinheiros – 22 e 23 de setembro.
Curiosa a escolha de se colocar um show que celebra o disco mais dançante de Otto no Teatro Paulo Autran, tanto que já na primeira música, “Bob”, era possível notar aglomerações nos dois cantos da platéia, com pessoas que preferiam assistir de pé, dançando. E esse foi o clima da noite: uma platéia que parecia não se conter nas cadeiras do teatro e queria vibrar com aquelas canções. O show especial foi direto: “Bob”, “TV à cabo/O que dá lá é lama”, “Low” e “Renault/Peugeot” foram tocadas numa sequência matadora. Em um momento mais calmo, ele chamou ao palco sua esposa Kenza Said, que timidamente o acompanhou na triste “Distraída pra Morte”, finalizada com uma homenagens às mulheres brasileiras – dando eco ao movimento do #EleNão e relembrando Marielle Franco e o fóssil de Luzia.
Na sequência, o hit “Ciranda de Maluco” fechou o primeiro ato de celebração. Dali pra frente misturou-se diferentes temas: desde canções do recente “Ottomatopeia”, lançado em 2017, até canções de discos como “The Moon 1111” (2012) e do excelente “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranqüilos” (2009). Entre cada música, Otto seguia seu ritual tradicional, que sempre torna seus shows particulares: ele contava histórias, falava coisas ora indecifráveis, ora engraçadas, posando como um guru um tanto quanto alucinado.
O show todo, aliás, é marcado por atitudes que se espera de um show do Otto, naquilo que poderíamos chamar de “Otto-ismos”: ele dança desengonçado, tira a camisa, se joga água, joga-se no chão, corre pela platéia, salta do palco, faz estripulias com a banda e, claramente, se diverte enquanto canta. Além de sua figura apoteótica, sua banda é um espetáculo a parte: Junior Boca (guitarra), Bactéria (teclado), Carranca (bateria), Meno del Picchia (baixo), Malê (percussão) e Buguinha (programações eletrônicas) conseguem dar o tom que cada momento pede, passando pelas eletronices do “Samba pra Burro”, pela força roqueira de algumas canções e dando pano inclusive para pontos de macumba entoados de forma intensa por Otto.
A diversão do cantor e o sentido de celebração do show é que deram o tom da noite, transformando o Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros, em um espaço de festa – nas canções finais, inclusive, o público todo se levantou e aproximou-se do palco. No final das contas, a celebração dos 20 anos de “Samba pra Burro” reforçam a força da figura de Otto, que segue elétrico em suas confabulações e composições, mostrando que o disco precisa ser revisitado e (re)compreendido com o olhar de nosso tempo, inclusive por aqueles que desconhecem a obra. Quanto ao show, no palco Otto segue sendo uma festa para quem está aberto a ela, do tipo que se deve ir preparado para o papo e o rebolado do recifense.
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014. As duas fotos usadas no texto foram cedidas por Jamer Guterres de Mello!
Leia também:
– Ao vivo no Sesc Pinheiros: a linha fina em que Otto caminha, por Mac (aqui)
– Otto, alegria e redenção no Ibirapuera, por Marco Tomazzoni (aqui)
– “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos”, de Otto, por Marcelo Costa (aqui)
– Entrevista com Otto em 2005, por Marcelo Costa (aqui)
Musicalmente, sou fã do Samba Pra Burro, Condom Black e Certas Noites. Show não vou mais, ele virou um personagem de si mesmo, e sempre estraga músicas e banda incríveis. Uma pena.