entrevista por Bruno Lisboa
Nascido na Califórnia (EUA) e crescido em Minas Gerais, Leo Moraes é veterano na música com mais de 20 anos de carreira divididos entre as bandas Valsa Binária e Gardenais como também a produção de discos de artistas locais como Nobat, Dibigode e A Fase Rosa. Atualmente, Léo também gerencia a casa de shows A Autêntica, importante espaço destinado à música autoral na capital mineira, que tem em sua programação uma variada agenda de apresentações nacionais e internacionais.
Três anos após “10”, ao lado do grupo Valsa Binária, Leo agora se arrisca em sua primeira viagem solo, “Dia Verde Escuro” (Under Discos). Produzido de forma artesanal pelo próprio artista desde 2015, o disco aposta em letras que fazem ode ao cotidiano de forma agridoce e pessoal, acompanhado por melodias introspectivas. Em “Dia Verde Escuro”, Leo é acompanhado pelo bateria Lucas Mortimer (Confeitaria / Grupo Porco de Grindcore Interpretativo), Fernando Persiano (Vitrolas / Mordomo) no baixo e o violoncelo de Henrique Toledo.
Nesta entrevista Leo fala sobre o processo de criação do disco, minimalismo e a ideologia do “faça você mesmo” (“Eu sempre acredito em fazer o melhor com o recurso que se tem disponível”), o tom agridoce das letras (“Eu queria fazer algo leve, justamente que tirasse minha cabeça de grandes questões, sobre as quais não tenho poder”), as participações e colaborações do disco (“O músico especialista no instrumento acaba arredondando algumas arestas, tornando as linhas menos duras do que o que está escrito”) e a parceria com o selo Under Discos (“A chancela do selo transformou o disco em algo bem maior do que era a intenção inicial, e ter outras pessoas remando junto acabou me dando um fôlego enorme”).
Leo também falou se sua experiência como produtor cultural e de como ela influenciou o seu fazer musical (“A gente abre a cabeça pra muita coisa, e é muito inspirador”), a falta de espaço na mídia para novos artistas (“As pessoas que dominam esse cenário hoje são excessivamente conservadoras, não investem em coisas que são consideradas minimamente arriscadas”), a necessidade de formar parcerias para o crescimento da cena (“Eu acho importante que os artistas tenham consciência do momento em que estão nas suas carreiras, e da realidade da cena contemporânea”), planos futuros e muito mais. Confira!
“Dia Verde Escuro” é um disco belo, introspectivo e soa um tanto quanto diferente de seus projetos anteriores. Como foi o processo de composição e gravação do disco?
Dois anos atrás comprei um teclado pros meus filhos aprenderem. Acabou que fui eu que comecei a aprender brincando com o instrumento. Eu nunca havia tocado piano, e fui aprendendo sozinho, aplicando o que eu sei de música, de violão e guitarra. Não demorou pra ideias começarem a surgir, e percebi que cada instrumento induz a um pensamento musical diferente no processo de composição e me empolguei bastante com o novo horizonte que aquilo me abriu. Quando decidi que essas canções virariam um disco, pensei em me impor alguns desafios, pra me forçar a explorar novos territórios. O primeiro foi de não utilizar guitarra, que em todos os meus trabalhos anteriores havia sido o instrumento condutor. Num primeiro momento a ideia era fazer algo minimalista ao extremo, com apenas eu acompanhado de mais um músico. Eventualmente tive a ideia de um trio bem “classudo”, com baixo, violoncelo e bateria, e foi assim que pensei nos arranjos. Restringir o formato, com esse trio acompanhando meu piano e/ou violão, me permitiu visualizar uma identidade estética para o álbum como um todo. Tenho uma tendência ao ecletismo, e se deixar faço uma salada, pensando cada canção de uma forma totalmente diferente. O trio foi minha âncora. Outro desafio foi de escrever todos os arranjos. Sempre fui um cara muito de banda, adoro o processo de criação coletivo, mas dessa vez eu queria experimentar ter total controle criativo. Então, quando chamei os músicos que gravariam, todos os arranjos estavam definidos, com as partituras escritas. Não fizemos nenhum ensaio, mandei as partituras e as demos que eu havia gravado sozinho, e o pessoal já chegava no estúdio pra gravar.
O minimalismo e a ideologia do “faça você mesmo” estão cada vez mais presentes nas nossas vidas e no universo da música não é diferente. Você vê esta junção com bons olhos?
Eu sempre acredito em fazer o melhor com o recurso que se tem disponível. Muitas vezes as limitações estimulam soluções criativas então, pesando as vantagens e desvantagens, eu tendo a gostar da ideia de que é possível que uma pessoa domine todo o processo. Mas, por estar acostumado a sempre trabalhar no limite, às vezes sinto falta de produções mais confortáveis, com mais gente e recursos envolvidos.
As letras do disco, de modo geral, oferecem um olhar agridoce do cotidiano. Em tempos dolorosos, como os que vivemos hoje, encontrar beleza no dia a dia é o melhor dos remédios para seguir em frente?
Certamente é. As primeiras letras que escrevi para o disco foram extremamente caseiras e pessoais. “Domingo Ao Pesto”, “Dois” e “Fahrenheit” foram as primeironas. Eu queria fazer algo leve, justamente que tirasse minha cabeça de grandes questões, sobre as quais não tenho poder. Mas uma sequência de acontecimentos muito pesados acabou contaminando, me incomodando muito, e é difícil sentimentos tão fortes não saírem na sua arte. A onda de linchamentos virtuais, que atingiu várias bandas do nosso meio, algumas de forma até injusta, me abalou muito, e acabou gerando músicas como “Ódio” e “A Turba”, que falam sobre esses impulsos negativos, que são universais, mas que hoje em dia são potencializados pelas redes sociais. E esse surto de conservadorismo, que culminou naquela onda de movimentos pedindo a censura de obras de arte, acabou gerando a música que é, a meu ver, a mais esquizofrênica do disco. “Esperança” tem uma melodia alegre, foi composta para ser uma música sobre Nuno, meu filho mais novo. E a letra acabou virando uma coisa sombria.
Sei que o Lucas Mortimer e Fernando Persiano foram alguns dos músicos que colaboraram com a gravação do disco. Quem mais contribui nesta empreitada? E quais contribuições eles trouxeram ao disco?
Mesmo eu tendo escrito todas as partituras, é lógico que quando os músicos entram na equação algumas coisas mudam, pra melhor. O músico especialista no instrumento acaba arredondando algumas arestas, tornando as linhas menos duras do que o que está escrito. Além disso, Fernando Persiano ainda assinou a letra de “Biel” junto comigo. Henrique Toledo tocou os violoncelos.
“Dia Verde Escuro” teve a chancela do selo Under Discos. Como se deu esta parceria? E qual a importância de ter o seu primeiro disco sendo lançado por um selo estreante?
A ideia inicial era lançar o disco sem muito alarde, mais como um registro dessas composições. Com as gravações já em fase avançada, tive uma conversa com o Nobat, meu amigo e parceiro antigo. Ele me contou sobre a ideia do selo, que ele vinha construindo junto com o pessoal da Ultra, que também são parceiros de longa data. Nobat disse que meu disco poderia ter o perfil que eles estavam buscando para compor o selo, e o timming acabou sendo perfeito. A chancela do selo transformou o disco em algo bem maior do que era a intenção inicial, e ter outras pessoas remando junto acabou me dando um fôlego enorme.
Você, além da carreira de músico, também gerencia uma das melhores casas de show de BH: a Autêntica. Ela tem como perfil o ato de ceder espaço à cena independente. A experiência de conviver diariamente com a logística de apresentações influenciou o seu fazer musical?
Certamente a experiência com A Autêntica influenciou muito. Eu acabo sendo “obrigado” a assistir a todos os shows mais relevantes do momento, e tenho um convívio diário com artistas incríveis, de todo o país. A gente abre a cabeça pra muita coisa, e é muito inspirador. Mas o dia a dia na Autêntica, do ponto de vista administrativo, é muito pesado e estressante, então o oposto também é verdadeiro. Voltar ao estúdio, e aos palcos, com um trabalho artístico, me ajuda a lembrar os motivos que nos levaram a abrir A Autêntica, e o por quê de ser tão importante segurar essa barra. Faz todo o sacrifício fazer sentido.
Para quem acompanha in loco a cena independente, como você vê o cenário brasileiro hoje, principalmente se pensarmos que hoje há muitos fazendo obras incríveis, mas há pouco espaço para aparecer?
Realmente existe uma produção significativa, tanto em quantidade quanto em qualidade, como nunca se viu. Mas ela ainda fica restrita a nichos, e a verdade é que o grande público nunca se interessou em procurar nova música. A maioria das pessoas só conhece coisas novas quando são colocadas na sua frente. A música tinha que tocar no rádio, estar na trilha da novela, o artista tinha que ir aos programas de auditório, e coisas do tipo. Isso não mudou, só que as pessoas que dominam esse cenário hoje são excessivamente conservadoras, não investem em coisas que são consideradas minimamente arriscadas. Antes rolava muito mais dinheiro, então era comum executivos de gravadora correrem mais riscos, investirem até em coisas esquisitas e fora dos padrões. Hoje isso acabou. Havia uma expectativa de que a internet acabaria com isso, mas isso não aconteceu. O que a revolução digital trouxe foi a possibilidade de se existir estando fora do esquema, mas para aparecer de verdade, romper os limites do nicho, é muito difícil sem ter acesso aos veículos realmente populares. Imagine artistas como Maglore, Letrux, e diversos outros nos quais enxergo um enorme potencial de popularização, com o apoio e investimento com que contam os artistas do chamado mainstream. Imagine agora bandas como Paralamas do Sucesso, Titãs, etc, batalhando no mercado de hoje.
Ainda aproveitando da sua expertise musical quais os trabalhos você tem acompanhado e recomenda?
Eu sou da canção, então gosto muito do Tim Bernardes, Maglore, Carne Doce, Moons, Nobat. Falei da Letrux, que tem um dos shows mais incríveis do momento, e o disco é muito bom também.
Te acompanho no Facebook e regularmente você faz postagens falando sobre a logística interna da Autêntica, sobre o mercado da música e principalmente da necessidade de se formar parcerias. Você acha que a falta de profissionalismo, muitas vezes originada da vontade de querer fazer tudo sozinho, atrapalha no crescimento da cena?
Não diria falta de profissionalismo, mas uma não compreensão do significado de profissionalismo. Ainda vejo certo ranço do mercado antigo, onde rolava muita grana. A gente de vez em quando vê artistas que não colocam mais de 100 pessoas na Autêntica fazendo exigências mirabolantes, de pop star, totalmente fora da realidade. Acho importante que os artistas tenham consciência do momento em que estão nas suas carreiras, e da realidade da cena contemporânea. Ainda tem gente que acha que profissionalismo é fazer exigências, dar ordens, e reclamar. Mas isso é minoria hoje, acredito que está todo mundo caindo na real, percebendo que estamos vivendo um momento de construção, que está todo mundo trabalhando em condições longe das ideais, e que pra melhorar é preciso que todas as partes tenham uma boa dose de jogo de cintura. Quando você fala da vontade de fazer tudo sozinho, acredito que em muitos casos é mais uma necessidade do que vontade. É, de novo, termos que trabalhar em condições longe das ideais.
Na apresentação de estreia da nova turnê você levou uma senhora banda de apoio contigo. Pretende excursionar com esta estrutura? Quais sãos seus planos futuros?
Sim! Quero tocar o máximo o possível. Uma agenda já está começando a se desenhar, acredito que no segundo semestre conseguiremos levar o show a várias cidades. Quero também lançar uma pequena tiragem em vinil, uma das minhas paixões, e já estou, em conjunto com o selo, buscando parcerias para viabilizar isso. A própria ordem do disco já foi pensada em termos de lado A e lado B, então é algo que vou me esforçar pra que aconteça.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) escreve no Scream & Yell desde 2014. Leia outras entrevistas dele aqui. A foto que abre o texto é de Rodrigo Valente / Divulgação.