entrevista por Gil Luiz Mendes
Quando o Cordel do Fogo Encantado decidiu parar as atividades em 2010, após três álbuns e pouco mais de 10 anos de estrada, o mundo era outro. Se ouvia música de outra maneira e até a forma das bandas se relacionarem com seus fãs era diferente. Em fevereiro deste ano, o Cordel anunciou sua volta e também um disco novo. E se há algo que não mudou nesses oito anos é a forma de interação mais sincera que existe entre artista e público: o palco.
É esse ambiente que Lirinha, Clayton Barros, Nêgo Henrique, Rafa Almeida e Emerson Draugth dominam como poucos na música popular brasileira. Quem já conhecia as apresentações ao vivo do grupo pernambucano ainda sente surpresa ao se deparar com o novo espetáculo, “Viagem ao Coração do Sol” (2018). A geração mais nova que está sendo apresentada agora ao Cordel vê que o grupo passa longe de ser apenas música. Poesia e teatro continuam presentes nesse retorno.
Em conversa por telefone com o Scream & Yell, Clayton Barros conta sobre as motivações que levaram os integrantes se reunirem novamente (“A gente pensou no momento político e social que vivemos hoje”), a necessidade de não parecer uma banda datada (“A gente quis apontar setas para o futuro”), o novo disco (“Fernando Catatau nos orientou muito sobre a melhor forma de executar as músicas desse novo disco”) e como a banda ver novos fãs e novas tecnologias nessa volta as palcos.
Antes da volta deste ano, a banda tinha se reunido em 2016 para gravar uma música para o filme “Largou as Botas e Mergulhou no Céu”. Essa reunião foi o primeiro passo para o retorno do Cordel?
Foi uma ramificação para o resultado atual esse encontro em torno dessa música para o filme. Quando o Lira recebeu o pedido dos diretores do filme (Paulo Junior, Raoni Gruber, Bruno Graziani e Cauê Gruber), a gente ainda não estava dialogando sobre volta. Digamos que isso foi o primeiro passo. Até porque a gravação foi feita à distância. Eu, Emerson, Rafa e Nêgo gravamos em Recife, com a produção de Yuri Queiroga, e mandamos o material para São Paulo para o Lira terminar de gravar. A partir do resultado dessa música que começa a brotar a possibilidade do que seria uma volta.
E como foi essa volta?
Foi construída toda em cima de uma continuidade de trabalhar um disco novo. A gente pensou no momento político e social que vivemos hoje e falamos sobre que tipo de disco que queríamos, com essa mensagem de esperança, da força, da luta. Outra coisa que nos influenciou muito para a volta foi a partida e passagem de plano de Naná Vasconcelos. A gente se encontrou no velório e a gente viu olho no olho que era hora da gente realmente juntar as forças e reascender a chama. Eu nunca me considerei um ex-Cordel.
Houve mudança no som de vocês depois dessa pausa?
Nesses oito anos cada um percorreu uma trajetória e a gente está congregando estes conhecimentos nesse disco. A gente quando pensa no trabalho novo, a gente pensa na continuidade do que já tinha feito e não voltar para fazer show apenas com músicas dos discos antigos. A gente quis apontar setas para o futuro. No final de 2016 a gente começou a se encontrar para começar a ensaiar numa casa em que montamos um estúdio em Recife. Começamos a levantar o que a gente tinha. Quando paramos em 2010, estávamos às vésperas de começar a produção de um quarto disco que não veio. Tínhamos uns 12 temas, evoluções rítmicas, melodias, pedaços de música. Começamos a juntar esses pedaços para compor esse disco.
Como foi para tornar todas essas partes em um disco?
Algumas coisas ainda eram muito ligadas ao passado e a gente queria uma coisa que tanto fale a época em que a gente parou, mas que seja um sinônimo desse intuito de sequência. Parte do material que a gente tinha deixado parado foi mesclado com coisas novas que compomos nesses seis meses de estúdio. E para isso tomar forma era necessário um produtor que todo mundo curtisse, por isso chamamos o Fernando Catatau. Tinha muita coisa a ser feita por sermos uma banda com muita percussão e apenas um instrumento harmônico. Eles nos orientou muito sobre a melhor forma de executar as músicas desse novo disco. Nesse disco, por exemplo, eu passei a usar violões de 12 cordas e de cordas de aço, coisa que antes eu só fazia com violão de corda de nylon.
Esse foi o processo de estúdio, mas como se deu essa volta nas apresentações ao vivo?
A gente fez de tudo para não criar expectativa. Há um processo muito grande para gravar um material novo e depois tem mais uma bateria infinita de ensaios para montar o show. Foi preciso levantar todas as músicas de todos os discos para juntar com as do álbum novo. Isso foi uma batalha hercúlea (risos). Depois de revisitar toda a nossa obra, porque não tem como fazer um show só de músicas novas, e principalmente em um retorno depois de tanto tempo fora dos palcos. O nosso show está com quase duas horas de duração. A gente percorre os três discos anteriores e toca quase todo o disco novo, tudo isso costurado dentro de um roteiro. E um brilho especial é a parte feminina com Isadora Melo, cantora e atriz pernambucana, fazendo os vocais.
O que faz o Cordel ser uma banda tão cultuada mesmo depois de oito anos longe dos palcos?
Eu que costumo dizer que o Cordel é baseado por três pilares: a poesia, o teatro e a música. Mas a cada disco sempre fizemos questão que fosse algo novo, como transformado em um laboratório dentro do nosso universo.
O mundo e a forma como se consome música mudou bastante em oito anos. Qual foi o cenário que o Cordel encontrou nessa volta?
Tudo mudou no mundo, principalmente pelas redes sociais. A gente não tinha nada disso, os nossos discos estavam fora das plataformas streaming. Nessa volta está havendo esse diálogo e isso está sendo muito massa. A quantidade de mensagens que a gente recebe é muita bacana. Gente que não nos conheciam e agora curte nosso trabalho por conta da internet.
Mesmo com oito anos ausentes, há uma renovação no público do Cordel?
Eu vi no show do Recife pessoas de 60 anos e uma garotada de 17, 18. Pra gente é muito bom ver esse público que já nos conhecia e se deparar com esse pessoal mais novo, que tem um valor muito grande pra gente, porque é um tipo de fã que consome nossa música de uma outra forma. Nunca se tocou tanta música nos fones de ouvido como agora. A gente se preparou para este momento, entendemos em que momento estávamos entrando e o que nos esperaria. Avaliamos muita coisa para essa volta, mesmo que algumas saiam naturalmente do controle. A gente não domina o tempo.
A grande temática do disco de vocês é a liberdade. Qual o paralelo que isso tem com o atual cenário político do país?
Conversamos muito sobre esse tema tão recorrente que é a liberdade. O que é liberdade? A gente vive em um mundo cercado por todos os lados. Somos oprimidos seja por partidos políticos, seja por veículos de comunicação, fake news, embates virtuais que ficam jogando o nosso cérebro para um lado e para outro, e muitas pessoas não sabem nem para onde estão indo. A liberdade é querer todos livres. A diferença deve ser o que nos une. Principalmente em um país miscigenado como o nosso. As nossas igualdades têm que ser comemoradas, mas a gente percebe que cada vez mais o nosso país está dividido. Isso fortalece essa corrente o mal que a gente ver crescer por aí.
– Gil Luiz Mendes (https://www.facebook.com/gil.luizmendes), jornalista, viveu boa parte da vida no Recife e hoje mistura a sua loucura com a de São Paulo. Tem passagens pelas rádios Jornal do Commercio, CBN , Central3 e tem textos publicados no IG e na Carta Capital. É skatista e músico quando dá tempo.
O Cordel era disparado o melhor show da primeira década dos aos 2000. Até hoje me lembro de show memoráveis deles no KVA, Espaço das caldeiras, choperia do Sesc Pompéia…no aguardo para um show da nova turnê em Sampa…