por Marcelo Costa
“Abacus: Pequeno o Bastante para Condenar”, de Steve James (2016)
A crise econômica que devastou grande parte do planeta em 2008 fez milhares de vítimas nos Estados Unidos, causou a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, mas apenas uma acusação criminal contra um banco. E não foi nem Goldman Sachs, nem Merrill Lynch, nem Citigroup, nem JPMorgan Chase. A ira da promotoria da cidade de Nova York não recaiu sobre nenhuma grande empresa, e sim sobre um pequeno banco coordenado por uma família de imigrantes chineses, e aberto no bairro de Chinatown para atender as necessidades da comunidade chinesa em Nova York. “Abacus: Small Enough to Jail” conta a saga da família Sung na tentativa de provar sua inocência (e do banco Abacus Federal Savings of Chinatown) diante da Justiça estadunidense, que acusou a empresa de fraude hipotecária. Foram cinco anos de disputas legais, US$ 10 milhões gastos com advogados e a certeza de que o banco não sobreviveria a uma condenação. Este documentário de Steve James indicado ao Oscar chega a soar simplório em alguns momentos, mas é delicado na maneira em que traduz os costumes de um povo aparentemente vivendo em um gueto com sua língua, tradição e honra no meio da ilha de Manhattan. Chega a soar cruel e vingativo a maneira com que a promotoria lida com os argumentos da família e investe sobre um dos poucos bancos que o Estado poderia enfrentar sem as saias justas que movimentam as engrenagens do capitalismo (e que inibe que os verdadeiros culpados paguem). “Abacus: Pequeno o Bastante para Condenar” não tem a força do obrigatório “Inside Job”, de Charles H. Ferguson, vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2011, mas é mais um filme que ajuda a desenhar um enorme quadro sobre as injustiças cometidas em nome do capitalismo.
Nota: 7
“Icarus”, de Bryan Fogel (2017)
Bryan Fogel é cineasta e ciclista amador. O ponto de partida de “Icarus” (produzido e disponibilizado pela Netflix – Brasil incluso) é a frustração de Fogel ao descobrir a história de dopings de Lance Armstrong, que admitiu (apenas após revelação de integrantes de sua própria equipe) o uso de anabolizantes. Bryan Fogel então decide repetir os passos de Lance, seguindo uma dieta de anabolizantes controlados durante um período que não seja flagrado por testes antidoping oficiais, visando documentar a experiência e mostrar como é possível qualquer atleta se beneficiar do doping sem ser flagrado. Para isso, ele contata o Dr. Grigory Rodchenkov, médico russo respeitado por ser um dos homens mais importantes no programa de antidoping olímpico, que topa o desafio de medicá-lo visando burlar os testes. O que começa sendo uma consulta de acompanhamento pessoal se transforma em um thriller que remete ao escândalo envolvendo Edward Snowden, com o médico Rodchenkov revelando todas as artimanhas que fizeram da Rússia uma força Olímpica poderosa (principalmente nas Olimpíadas de Inverno de Sochi 2014, que terminou com o país liderando o quadro de medalhas) de doping num esquema comandado, segundo ele, pessoalmente pelo presidente Vladimir Putin. Ainda que com um roteiro um tanto confuso quanto o de “Citizenfour”, o documentário sobre Snowden que venceu o Oscar em 2015, “Icarus” é uma poderosa acusação não apenas sobre a Rússia (que sedia a Copa do Mundo este ano, ou seja, houve uma “passada de pano” geral após as revelações de Rodchenkov), no âmbito geral, mas também sobre o uso indiscriminado de anabolizantes por atletas, no particular. Vale tudo na tentativa de inscrever seu nome no hall da fama do esporte. Vale mesmo? Após “Icarus” fica difícil olhar o esporte com os mesmos olhos…
Nota: 8 (disponível no Netflix Brasil)
“Os Últimos Homens de Aleppo”, de Firas Fayyad (2017)
Provavelmente o filme mais pesado desta edição do Oscar (cargo ocupado por “Manchester By The Sea” em 2017), com o importante diferencial de ser documental, “Last Men in Aleppo” (em inglês) narra a triste saga dos Capacetes Brancos, organização civil e voluntária de defesa e salvamento que permanece na cidade de Aleppo (a segunda maior da Síria) para ajudar os cidadãos em um território constantemente bombardeado pelo exército de Bashar al-Assad, que comanda o país desde 2000 (após 30 anos de governo de seu pai), e do exército aliado russo. Após levantes civis em 2011, revoltados com os desmandos e a violência do governo de al-Assad, parte do povo decidiu enfrenta-lo, e a reprimenda oficial veio com força, bombas e até suspeita de armas químicas, o que não bastou, nos últimos 7 anos, para inibir os rebeldes. O que começou com uma revolta civil ganhou amplitude religiosa, com grupos como Estado Islâmico e a Frente Nusra, afiliada a al-Qaeda, superando a oposição moderada. “Os Últimos Homens de Aleppo” não foca nem no contexto histórico, nem na Guerra Santa, e sim na árdua tarefa de sobreviver com bombas caindo sobre a cabeça diariamente – e não para: nesta semana, Bashar bombardeou civis em Guta Oriental, região rebelde perto de Damasco, deixando mais de 100 mortos, 20 deles crianças. Ao todo são mais de 500 mil mortos e 5 milhões de exilados de uma população de 17 milhões. “Vamos todos morrer”, comenta em certo momento um dos Capacetes Brancos. Outro, perguntado por que não envia a família para o exílio, diz que provavelmente eles sofreriam mais lá do que em Aleppo, e conclui: “Se for para meus filhos morrerem, que morram em meus braços”. A cada bomba, a esperança de encontrar alguém vivo em meios aos destroços e corpos decepados é aterrorizante num filme que cumpre a função de documentar uma guerra.
Nota: 10 (disponível para aluguel no Now por R$ 14,90)
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne