resenha por Adriano Mello Costa
Aviso antes de prosseguir: esse é um texto com extremas doses de saudosismo e nostalgia. E isso não é necessariamente ruim. Pelo contrário.
Há um tempo nem tão distante assim era comum pegar um disco e dedicar dias e dias para ouvi-lo, estabelecendo ligações entre a ordem em que as músicas estavam dispostas, e, caso gostasse, voltar esse álbum várias e várias vezes no som. Isso servia não somente para prestar atenção mais detalhada nas letras, como também descobrir sons ocultos aqui e ali que passaram batidos nas audições anteriores.
E isso não era feito somente na época em que o vinil predominava, não precisa se exibir um saudosismo de boutique aqui. Isso foi feito também com cassetes, CDs e até mesmo naqueles MP3s baixados pela madrugada. Os trabalhos é que ditavam isso. Lógico que se pode fazer isso tranquilamente na época do streaming, mesmo sabendo que não é mais assim. Porque os discos cheios perderam o sentido, essa é verdade. Faixas são pinçadas aqui e ali, colocadas em playlists, em vídeos feitos para visualizações ou divulgados em redes sociais, mas o disco, o conceito em si, pobre coitado, quase não é apreciado mais.
E eis que em 2017 dois irmãos escoceses já veteranos da cena musical, que passaram por todas as fases acima citadas, lançam uma obra que reverte tudo isso e apresenta de novo o prazer de se escutar um álbum do início ao fim, saber o número de cada faixa, antecipar os acordes de cada canção que virá. Os responsáveis são Jim e William Reid e seu “Damage And Joy”, sétimo disco de inéditas de uma carreira que, desde 1985, nunca foi palco de trabalho ruim e ainda jogou pequenos clássicos no caminho como “Psychocandy” (1985) ou “Stoned & Dethroned” (1994).
O Jesus And Mary Chain, que deu um tempo na carreira em 1999 para só voltar a fazer shows em 2007, não lançava nada desde “Munky” (1998), e “Damage And Joy” supre essa longa ausência com 14 faixas em pouco mais de 53 minutos. Logo na primeira canção já sabemos que se trata de um disco da banda. Impossível não perceber. É “Amputation” com suas guitarras, microfonias ao fundo, ritmo, backing vocals chicletudos e ótima melodia cantada por Jim de uma letra ácida e raivosa. Não é um disco que exala novidades, longe disso. É 100% do que se acostumou a ouvir da banda e isso é bom.
Após o término de “Amputation” temos um exemplo de cada faceta que o grupo ofereceu dentro do seu universo específico de sonoridade. Tudo em nível elevado que podia muito bem se ver contido em qualquer outra época em que estiveram na ativa. Se com “War on Peace” o ritmo cai um pouco remetendo ao ótimo “Darklands” (1987), a dobradinha “All Thing Pass” e “Always Sad” resolve tudo em duas pequenas pérolas que já devem automaticamente constar em futuras coletâneas.
“Damage and Joy” também conta com uma produção extremamente azeitada e precisa dividida entre a banda e Youth, baixista do Killing Joke e parceiro de Paul McCartney no projeto Fireman. Como de costume nos últimos trabalhos do Jesus, há convidadas que dividem o vocal com Jim Reid. Desta vez são quatro: Bernadette Denning faz o dueto em “Always Sad”, Isobel Campbell engradece “Song For a Secret” e a formidável “The Two Of Us” enquanto Sky Ferreira surpreende na balada “Black And Blues”. A irmã Linda Fox está em “Los Feliz (Blues And Greens)” e na mais dançante “Can´t Stop The Rock”, que fecha o trabalho (e que Linda já havia gravado no álbum “Little Pop Rock”, de seu projeto Sister Vanilla, em 2005, junto a “The Two Of Us”).
Com lançamento pela Artificial Plastic Records e todas as faixas compostas pelos irmãos Reid (em separado ou juntos), “Damage And Joy” é um disco que destoa completamente dos nossos dias. É um disco que faz o ouvinte se apegar, não querer deixar ele em nenhum momento, um disco para decorar as letras e cantar junto. E mais importante: funciona tão bem para os fãs antigos como tem potencial para angariar novos adeptos do som característico e tão copiado da banda.
Quem diria que em pleno 2017 o amor e a paixão por um disco específico e o prazer de escutá-lo inúmeras vezes fosse ressuscitado por dois irmãos briguentos que sempre andaram bem a margem do mainstream e do sucesso (e na verdade nunca fizeram questão nenhuma disso). Escute “Damage and Joy”. Escute e por mais ridículo e clichê que isso possa aparecer: se apaixone. Simples e fácil assim.
– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop: http://coisapop.blogspot.com.br
Não fiquei sem ouvir esse disco uma só semana desde o lançamento. A banda está muito afiada em termos de letras, melodias e barulho.
Muito bom esse disco valeu a espera de quase vinte anos.