por Marcelo Costa
David Andrew Leo Fincher tem uma carreira invejável. Aos 21 anos trabalhou como assistente em “Star Wars: O Retorno de Jedi” (1983) e aos 22 estava nos bastidores de “Indiana Jones e o Templo da Perdição” (1984). Em 1984 chamou a atenção da indústria com uma propaganda (para a American Cancer Society) em que um feto fumava um cigarro e até 1992 dirigiu algo em torno de 60 clipes para nomes como Madonna (“Vogue”, “Express Yourself”), Roy Orbison (“She’s a Mystery to Me”), Aerosmith (“Janie’s Got a Gun”), George Michael (“Freedom ‘90”), Paula Abdul (“Straight Up”) e Michael Jackson (“Who Is It”), entre outros. Em 1992 ele estreou como diretor de cinema com uma franquia internacional, e a experiência foi traumática.
“Ninguém odeia ‘Alien3’ mais do que eu. Até hoje”, contou David Fincher em entrevista ao jornal britânico The Guardian em 2009. Sua estreia na cadeira de diretor foi marcada por brigas sérias sobre orçamento e roteiro entre ele e sua produtora, e, ainda que “Alien3” tenha sido um grande sucesso de bilheteria, arrecadando três vezes mais do que custou, a experiência ruim fez com que David Fincher voltasse aos filmes de publicidade e clipes. Em 1994 levou um Grammy pelo vídeo de “Love Is Strong”, que mostra os integrantes dos Rolling Stones em formato gigante andando em uma Nova York em preto e branco.
Daí em diante as coisas se renovaram na vida do cineasta. Ele lançou “Se7en” em 1995, e o estrondoso sucesso do filme (custou 22 milhões de dólares e arrecadou 327 milhões!) lhe concedeu a almejada independência artística. De lá para cá foram mais nove filmes com duas indicações ao Oscar de Melhor Diretor, um Grammy em vídeo musical (para a canção “Suit & Tie”, de Justin Timberlake e Jay-Z), um Globo de Ouro (Melhor Diretor por “A Rede Social”, de 2011) e um Emmy de Melhor Direção em Série Dramática, por “House of Cards”, em 2013. E um recorde pessoal de bilheteria com “Garota Exemplar”: 368 milhões de dólares.
No total, os 10 filmes de David Fincher custaram algo em torno de 650 milhões de dólares. O retorno em bilheteria foi três vezes mais do que isso: 2,1 bilhões de dólares. Essa segurança financeira aliada a seu cuidado com a produção e seu dom inegável para thrillers de suspense atiçam a ansiedade do espectador para conferir “Mindhunter: O primeiro caçador de serial killers americano“, não ficção do ex-agente do FBI John Douglas que inspirou a série da Netflix dirigida por Fincher. Conheça um pouco mais sobre cada um dos filmes de David Fincher e se prepare para se colocar na posição do caçador: “Comportamento reflete personalidade”, avisa John Douglas.
Alien3 (1992)
Se há algo que Fincher possa ostentar em sua carreira é o fato de que nenhum de seus filmes deu prejuízo. Nenhum! Mesmo esta estreia problemática e traumática arrecadou 159 milhões de dólares enquanto o custo ficou na casa dos 50 milhões. Lucro é importante, mas não é tudo no cinema, e até hoje o diretor olha com ódio para “Alien3”, franquia que neste terceiro volume lança a tenente Ellen Ripley (Sigourney Weaver) em um planeta deserto habitado por antigos condenados da prisão de segurança máxima. “Todas as bases dos dois primeiros filmes são arremessadas pela janela devido a um roteiro terrível”, escreveu o crítico Brian McKay, que, no entanto, conclui: “Só vale assistir pela direção de David Fincher.”
Se7en — Os Sete Crimes Capitais (Se7en, 1995)
Traumatizado com o resultado artístico de “Alien3”, Fincher disse preferir “morrer de câncer a fazer outro filme”. Porém, quem recusaria um roteiro brilhante como o de “Se7en”? Para o diretor, a questão nem era o filme policial, mas o que ele chamou de “meditação sobre o mal”. Na trama, dois detetives (Brad Pitt e Morgan Freeman) estão à caça de um serial killer (Kevin Spacey) que usa os sete pecados capitais como mantra para seus assassinatos. Fincher trabalhou detalhadamente a luz, o som e a tipografia do filme, e o poderoso resultado final mexe com o espectador, tornando assustador o simples ato de abrir uma caixa. Um clássico moderno que foi indicado ao Oscar na categoria de Edição.
Vidas em Jogo (The Game, 1997)
“Se7en” provou (de um a sete) que havia química entre David Fincher e o gênero suspense, o que acabou movendo boa parte de sua carreira. Nesse terceiro filme, um banqueiro (Michael Douglas em grande atuação) recebe um presente misterioso: a participação em um jogo que se integra de maneira estranha com sua vida cotidiana. Entre reviravoltas, momentos cômicos e uma narrativa inteligente, “Vidas em Jogo” exibe um dilema moral caricato que só ganha força pelo conjunto de atuação e direção. Janet Maslin, do jornal The New York Times, escreveu que tanto Fincher quanto Douglas “mostram verdadeira delicadeza ao brincar com a paranoia dos nossos dias”. No Top 100 de momentos mais assustadores da história do cinema, uma cena de “Vidas em Jogo” ficou em 44º lugar.
Clube da Luta (Fight Club, 1999)
Segunda parceria de David Fincher com Brad Pitt, aqui auxiliado por grandes atuações de Edward Norton, Helena Bonham Carter e Jared Leto, “Clube da Luta” (adaptado do livro de Chuck Palahniuk) é um dos grandes filmes cults do cinema moderno (e um dos melhores filmes dos anos 1990). Fez sucesso mediano, talvez porque cada pessoa que assistiu ao filme tenha levado o mantra de Tyler Durden a sério: “A primeira regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta. A segunda regra do Clube da Luta é: você não fala sobre o Clube da Luta.” Talvez porque fosse violento demais (os extras do DVD, que foi um imenso sucesso de vendas, aprofundam essa discussão). Niilista, “Clube da Luta” critica o consumismo, satiriza a masculinidade, prevê a decadência da sociedade (que vivemos agora) e louva a melhor canção do Pixies. Mais aqui e aqui e aqui.
O Quarto do Pânico (Panic Room, 2002)
Na virada do século, muitas reportagens nos canais de TV americanos falavam do aumento das construções de quartos do pânico, algo como um cofre de segurança máxima para pessoas, visando protegê-las de assaltos, furacões ou mesmo atentados terroristas. Com esse mote, David Koepp escreveu um roteiro em que mãe (Jodie Foster) e filha (Kristen Stewart) estão presas num desses quartos, sendo que assaltantes querem arrombá-lo para chegar a um cofre. Para Fincher, O Quarto do Pânico reeditava a ideia do clássico “O Tesouro da Sierra Madre” (1948), em que o dinheiro era algo que atraía as pessoas “pelos motivos errados”. Suspense intenso, “O Quarto do Pânico” dividiu a crítica, mas foi um grande sucesso de bilheteria.
Zodíaco (Zodiac, 2007)
Entre dezembro de 1968 e outubro de 1969, o Assassino do Zodíaco matou sete pessoas na região da baía de São Francisco, nos Estados Unidos. Além dos crimes, o Zodíaco enviava cartas ameaçadoras para a imprensa e a polícia, que nunca conseguiu solucionar o caso. David Fincher se interessou pela história porque vivia na região quando os assassinatos ocorreram e se lembrava de viaturas escoltarem seu ônibus escolar. Ele passou dois anos estudando o caso (por isso a janela de cinco anos entre “O Quarto do Pânico” e “Zodíaco“) baseado no livro de Robert Graysmith, e escalou Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo e Robert Downey Jr. para construir outro sucesso de bilheteria, que frustrou parte do público pelo final inconclusivo (inspirado no caso real), mas que continua sendo um bom quebra-cabeça de suspense.
O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008)
Demorou para que a Academia reconhecesse o trabalho de David Fincher. Fora uma ou outra indicação esporádica, seus filmes até então haviam passado batido pelo Oscar, até que sua sétima produção, inspirada num conto de 1921 de F. Scott Fitzgerald que contava a história de um bebê que nascia velho e rejuvenescia ao longo dos anos, arrebatou nada menos do que 13 indicações (levou três: Direção de Arte, Mixagem de Som e Efeitos Visuais). Com Brad Pitt estrelando e Eric Roth (de “Forrest Gump”) escrevendo, os dois também indicados, Fincher entrou para a seleta lista dos grandes diretores indicados ao Oscar (perdeu para Danny Boyle, por “Quem Quer Ser Um Milionário“) com um filme bonito, delicado e impecável (e sem nenhum suspense) que arrecadou mais de 330 milhões de dólares.
A Rede Social (The Social Network, 2010)
Com a porteira aberta por “Benjamin Button”, Fincher agarrou o roteiro de um livro (“Bilionários por acaso”, de Ben Mezrich, lançado pela Intrínseca), que contava a história de um jovem programador de softwares que estudava em Harvard e criou um império na internet, o Facebook. “A Rede Social” é um filme vertiginoso, empolgante e inteligente que recebeu 8 indicações ao Oscar (novamente ganhou três: Roteiro Adaptado, Trilha Sonora e Edição), incluindo melhor diretor (desta vez a estatueta ficou com Tom Hooper, por “O Discurso do Rei“). O sucesso foi enorme: custo de 40 milhões de dólares e bilheteria batendo nos 220 milhões. “A Rede Social” foi ainda o filme do ano para críticos das revistas Rolling Stone e The New Yorker e dos jornais The New York Times, The Washington Post e The Telegraph.
Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo, 2011)
O nono filme de David Fincher se ancorou no primeiro volume dos best-sellers de Stieg Larsson (1954-2004), que já havia ganhado uma adaptação sueca, por Niels Arden Oplev, em 2009, mas ressurgiu muito mais impactante. A linha do roteiro dos dois filmes é bem parecida, mas Fincher saltou à frente acrescentando violência (um tema que ele domina) e visceralidade. De bônus, Rooney Mara foi responsável por uma interpretação poderosa que a levou a uma indicação ao Oscar (no total, o filme concorreu a cinco estatuetas, levando para casa a de Edição). Pela terceira vez consecutiva, um filme de David Fincher ultrapassou a marca dos 200 milhões de dólares de bilheteria. Não é pouca coisa, não.
Garota Exemplar (Gone Girl, 2014)
Após adaptar histórias de Stieg Larsson, Ben Mezrich, F. Scott Fitzgerald, Robert Graysmith e Chuck Palahniuk, pela primeira vez David Fincher utiliza a obra de uma mulher, Gillian Flynn, que não só cedeu os direitos de seu livro “Garota exemplar” (também lançado no Brasil pela Intrínseca) para o diretor, como assinou o roteiro desta brilhante adaptação. Na trama, Ben Affleck encarna um autêntico machista enquanto Rosamund Pike (merecidamente indicada ao Oscar) é a adorável garotinha mimada pelo pai. O casal vive problemas no casamento até que a esposa desaparece, situação que permitiu a David Fincher conduzir com maestria a arte que melhor domina: o thriller de suspense. Tenso, crítico ao sensacionalismo barato da imprensa e com final apoteótico, “Garota Exemplar” bateu o recorde de bilheteria do diretor: 368 milhões de dólares, com um custo de 61 milhões. Investimento sem riscos? David Fincher é o nome.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne