O Evangelho
Segundo Tyler Durden
"Sou
um lixo - disse Tyler. - Sou um lixo, um merda, um doido, para você
e para toda esta porra de mundo - disse Tyler ao presidente do sindicato.
- Você nem quer saber onde moro, o que sinto, como alimento meus
filhos ou como vou pagar o médico se ficar doente, e sim, sou frouxo,
chato e estúpido, mas ainda estou sob a sua responsabilidade." |
"Tyler
nada tinha a perder. |
Tyler
era a palmatória do mundo, o lixo da humanidade." |
trechos
de O Clube da Luta |
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Fica
difícil falar sobre o livro sem falar sobre o filme que ele gerou.
Ambos se completam, ambos se acrescentam e ambos são fundamentais.
Muito do que é tratado no livro é feito de maneira diferente
no filme e vice-versa. Muito do que há no livro não há
no filme e vice-versa.
No livro, mais do que no filme, tudo
é seco, árido e desesperançoso. Talvez em inglês
o efeito seja um pouco diferente e mais eficaz, já que a língua
inglesa, por si só, não é mesmo poética nem
melódica (falo, é claro, da "sonoridade". Não quero
dizer, obviamente, que não seja possível construir poesias
em inglês); mas em português, a narrativa não flui:
vai aos solavancos, cheias de frases curtas que parecem brigar entre si.
Apesar desse efeito traduzir bem o que vive o personagem principal que
está o tempo todo como que preso em um sonho, dizendo o tempo todo
que não sabe o que é real; isso tudo, o tempo todo, incomoda
o leitor e deixa a leitura desconfortável.
Não que isso seja uma desvantagem.
É claro que não. Mas no filme o humor era fundamental. Não
um humor qualquer, mas um sórdido e sujo que te faz rir trincando
os dentes. Lendo o livro, se algo lhe parece engraçado, você,
antes de tudo acha que não entendeu bem. Volta, lê de novo
e (talvez) só aí ri. Nervoso. E não relaxa.
O filme te convida e te aproxima do
que fala. O livro te distancia e não te deixa entrar. E isso, claro,
só aumenta a sensação de desespero e o incômodo
da situação. No livro, a prioridade é a mensagem,
o que há a ser dito. E nisso ... nisso ele é forte. Muito
mais forte do que o filme. É forte e é denso. O texto é
compacto e vai direto ao assunto. O livro tem pouco mais de 200 páginas,
mas só porque os tipo são grandes. É um livro que
você lê em uma tarde e que não vai lhe deixar dormir,
pode acreditar.
Mas você quer saber, afinal,
do que se trata e qual é a mensagem, não é?
Trata-se de tudo o que lhe incomoda,
pode ter certeza (e se não incomoda, é por que você
nunca pensou a respeito), e, o principal: lhe dá as armas de que
você precisa. Na verdade, O Clube da Luta é um manual prático
do terrorista amador e o texto mesmo muitas vezes brinca (?) com isso.
Está tudo lá: o quê, como e, principalmente, por quê
fazer.
E, assim, chegamos ao principal (e
pode acreditar, o mais divertido): a mensagem.
Só que eu não vou lhe
explicar nada, não vou lhe dizer nada. A maneira como esse texto
vai lhe atingir e os efeitos, dependem de cada um, de quanto o Tyler Durden
que existe em você e que espreita através dos seus sonhos,
está preparado para se mostrar (e quanto menos você souber
sobre o que lhe espera, melhor. Mas tome cuidado: enquanto você observa
o abismo, saiba que ele também lhe observa).
Mas não se preocupe, pois esse
livro não é tão perigoso quanto pode parecer ou quanto
podem querer fazer você acreditar. Apesar de apresentar cruamente
várias dicas terroristas, toda uma ideologia desesperada (mais do
que no filme), frases de efeito e palavras de ordem, Chuck Palahniuk, o
autor, sabe o que faz. Ele deixa claro, que, mesmo nesta revolução
(que visa salvar a humanidade), nem todos são iguais.
Há os inconscientes, mas eles
não são perigosos pois nunca vão conhecer este livro,
ou pelo menos, não serão atingidos por ele.
Há os "macacos espaciais",
que também não são perigosos pois estarão,
sempre, no decorrer de suas vidas, esperando um Tyler Duden e não
tomarão atitudes próprias nunca.
E há os Tyler Durdens.
Esses, sim, são perigosos,
é verdade, mas por todo o livro há travas de segurança
contra eles. Logo depois de uma receita didática de como fazer um
silenciador caseiro ou de como preparar um monitor de computador para explodir
na cara do seu chefe, ele avisa: "se furar errado, o revólver explode
na sua mão", "mas saiba que se houver uma faísca ou até
mesmo eletricidade estática produzida pelo carpete, você está
morto. Morre queimado e gritando" e "é aqui que você pode
morrer se não usar uma chave de fenda com isolamento". Geralmente
isso é o bastante para intimidar um Tyler Durden ainda em desenvolvimento.
Pelo menos, admito, foi o que aconteceu com o meu.
Ou seja: esse livro não vai
criar malucos ou influenciar alguém (não de maneira destrutiva),
pois não se cria artificialmente um Tyler Durden .
Ok, mas, e daí? O que quer
dizer tudo isso? A que conclusões podemos chegar?
Sei lá, mas o que eu queria
saber é o seguinte:
Será que uma obra somente
(um filme, uma música, ou sei lá ... um livro), pode representar
toda um época? Talvez ... mas eu espero que não, pois gosto
de pensar que eu, os que me cercam e a época em que vivemos, somos
todos mais complexos do que posso supor. E, por isso mesmo, mais interessantes.
Mas gostaria, também, de saber
que no futuro este livro (O Clube da Luta) tornará mais fácil
entender a merda que foi viver no fim deste século, nos dias em
que vivemos.
Será que uma obra somente (um
filme, uma música, ou sei lá ... um livro), pode mudar ou
salvar uma vida? Talvez ... mas eu espero que não, pois gosto de
pensar que eu, os que me cercam e as nossas vidas, todos nós, conseguimos,
de alguma maneira, escapar da mediocridade. O suficiente para escaparmos
de sermos salvos ou mudados tão facilmente.
Mas gostaria, também, de saber
que este livro (O Clube da Luta) tornará mais fácil entender
a mim mesmo, os que me cercam e a vida que vivemos.
E acredite, esse livro pode fazer
isso por você.
Na verdade, Tyler Durden pode fazer
isso por você.
O mesmo Tyler Durden que você
tem medo de libertar.
hugo
( hugolt@hotmail.com ) colabora
com este zine; e disso tudo assimilou a lição principal:
nunca, mas nunca mesmo, misture nitroglicerina com parafina, pois não
funciona. E isso, no final, pode fazer toda a diferença. |