entrevista por Leonardo Vinhas
O Pão de Hamburguer é uma banda curitibana que, felizmente, não faz jus ao nome juvenil. Sua sonoridade roqueira é encorpada e vigorosa, capaz de trazer uma dinâmica bastante ampla sem incorrer em aspectos mais “cabeçudos” da música. Na primeira entrevista que a banda deu ao Scream & Yell, em 2011, não negaram que suas influências estavam em nomes do mainstream. Mas não tem muita gente por aí que consegue estabelecer uma ponte coerente entre Los Hermanos e Guns N’ Roses, em tirar o acento sulista das harmonias dos Black Crowes e deixá-las mais adequadas às ruas do interior do Paraná. Esse é um dos atributos desse pessoal, que está na ativa desde 2005.
A banda lançou dois EPs (“Ontem e Hoje”, de 2009, e “Have a Nietzche Day”, de 2010), e um ou outro single, mas ficou devendo um álbum completo. A dívida se prolongou por muito tempo: em 2016 eles lançaram uma coletânea homônima com as canções até então gravadas, mas não se tratava ainda de um álbum propriamente dito, com material inédito. Era, como eles mesmos colocaram, “hora de seguir adiante” e se despedir do repertório antigo, de boas canções nas quais o destaque era a trama de três guitarras, que criava fraseados que só faziam sentido quando executados em trio. Vide “Oh Pai”, “Jonas”, “Have a Nietzche Day” e “Rio Negro”. Havia ainda espaço para bons rocks de pegada blueseira, como “Sr. Dali” e “O Campeão da Apatia”.
2017 traz o primeiro álbum da banda… ou quase. “Visconde de Guarapuva” é o nome do rebento, do qual está disponível apenas o “Lado A”. A banda decidiu dividir o disco em três “lados”, e os demais virão… bem, algum dia. Melhor não falar em prazos. A diferença é que agora eles assumem que “o importante é não parar”. Seja como for, “Lado A” é uma prévia bastante digna, com pelo menos quatro canções fortes (a semiacústica “Praia” não empolga em sua lassidão de feriado). “Madrugado”, em especial, é exemplar do atual momento da banda: as guitarras seguem em evidência, os riffs não seguem caminhos óbvios, mas há uma concisão além de maior capricho e variedade nos timbres.
Tais mudanças não vieram à toa. A primeira vem do próprio tempo, que trouxe ao grupo experiência para burilar as composições, ao ponto de descartar um álbum inteiro (o abortado “Angustifolia”) por insatisfação com o resultado final (“Era uma merda total”, resume aqui o vocalista e guitarrista Gabriel Fausto). A outra é a mudança de formação: se antes o trio de guitarras era uma das assinaturas, agora elas ficam apenas com Fausto e Leonardo Bokkerman – Joel Rocha, único que não tinha uma relação de família com a banda, abandonou as fileiras (completam o time os irmãos Rennan e Bruno Fróis, respectivamente baterista e baixista, e primos de Bokkerman e Fausto). Com sinceridade desconcertante, Gabriel Fausto falou com o Scream & Yell sobre o álbum novo e também sobre o que foi descartado, a saída de Joel Rocha, dependência de verba pública e sobre o lado mais frívolo e pueril da banda.
Na última entrevista que vocês me deram, tinham prometido o álbum para 2013. Vocês demoraram cinco anos para lançar o disco, e ele ainda vai sair em três partes! (risos) O que houve para essa demora?
(risos) Pela quantidade de vezes que você nos cobra sobre esta história, dá pra ver q ficou chateado (risos).
Chateado não é a palavra. Digamos incrédulo. Um disco atrasar é normal. Mas tanto tempo assim? Só o “Chinese Democracy”…
Rapaz, naquela época nós passamos num edital que nos dava 40 mil biróbas em moeda corrente do Brasil. Pensávamos estar nadando por cima dos mortais, mas o pessoal que escreveu o edital pra nós sumiu e não captou o dinheiro. O que foi excelente, porque as musicas eram muito ruins e iam acabar com nossa carreira. O disco se chamava “Angustifolia”, tinha uma pretensão de ser ufanista com o nosso Paraná, falar de araucárias, vacas, campo, uma merda total. Era muito comum naquela época achar que, se o governo não desse dinheiro pra arte nada era possível, então estagnamos.
Vou aproveitar que autocrítica é uma raridade e perguntar o que você quis dizer com “muito ruins” sobre as canções não lançadas.
As musicas do “Angustifolia” eram ruins no sentido de que não nos empolgavam muito. Era um parto ensaiá-las. Em meia hora, a galera já estava lá fora fumando e bebendo. Duvido que a piazada lembre alguma coisa. Eu esqueci todas. O que deixava o negócio chato era uma pretensão de disco conceitual. Se tivéssemos pelo menos 1/3 de boas musicas, aí dava pra fazer as outras passar no paralelo. Mas não tinha nada.
E por que a decisão de “fracionar” o “Visconde de Guarapuava” em três momentos?
Foi só pra dar uma chance pras musicas 4 e 5 (“Lixo” e “Cola”, respectivamente) . Tá difícil prender a atenção das pessoas por muito tempo. Também a coisa fica com mais sentido, fica fácil de gravar.
Musicalmente, o lado A apresenta uma concisão notável. Não que a banda fosse uma doideira progressiva ou psicodélica, mas riffs e melodias estão mais acertados entre o formato pop e a identidade roqueira e plural da banda. Acho que “Madrugado” é o exemplo mais claro disso: tem elementos de música brasileira, tem a alternância de climas, é diretamente roqueira, e ao mesmo tempo, funciona como canção breve. Existe essa preocupação de aparar as arestas, ou é só uma evolução natural do som?
Com certeza existe preocupação. Muitas musicas antigas eram carentes dessa unidade, às vezes propositalmente, mas outras por falta de inteligência mesmo. Preguiça de trabalhar. Se alguém me pedia pra tocar uma musica do Pão na viola eu não conseguia, era tudo quebrado. Seria interessante ter musicas que dessem pra cantar e se divertir. Muito chato ficar sendo underground ou estranho de propósito todo o tempo. A menos que você tenha este talento, que vi não ser o nosso caso. A gente é piá do bairro, não sabe se vestir direito, não somos da moda. Este cenário cool a gente convive, mas fica ali tipo os peru de fora, só balangando.
Nesse tempo todo, vocês fizeram alguns shows, a maioria no Paraná e em Santa Catarina. Vocês planejam mudar o foco agora, investir para se arriscar fora de casa?
Estamos em contato com blogs e gente de todo o país aí pra ver se.. né, pá.. Música viaja rápido, se tiver alguma coisa do “Lado A” que interessar pro pessoal da Paraíba, Minas, São Paulo, é lucro. Se não, a gente tasca o Lado B, C, single. O importante é não parar. Também não é esquema ficar lutando pela aprovação de todo o cenário da sua cidade (Curitiba, no caso). É uma tarefa impossível e que no fim pode apenas te deixar cada vez mais preso a uma imagem de artista local. O artista tá na rede. Se apresentar alguma coisa que impressionar as pessoas, provavelmente vai conseguir viajar, dormir no hotel e comer seus canelones.
O que houve para o Joel ter saído da banda?
Ah, um dia ele falou que era mais barbudo que todos nós, portanto melhor. Não aceitei. De onde venho, isto é ofensa grave. Rolamos pelo chão como bons amigos, altos tapas na fuça (risos)…. Foi na boa. Talvez ele não tenha gostado da direção que estávamos tomando, pois ele curte um estilo de rock mais clássico. Só sei que preferiu sair. Também porque, putaqueopariu, nunca vinha no ensaio, eu já estava tocando guitarra dez vezes melhor que ele, por isso ficou com ciuminho. Bobo.
Embora a Pão nunca tivesse um discurso diretamente politizado, sabe-se que vocês estão bem ligados no que acontece, que têm uma atuação em questões sociais. Isso é algo que a música deve refletir, ainda mais nesses tempos bicudos que atravessamos?
Fazer uma musica política conscientemente costuma dar erro. Taí o caso da nossa “Carla Bruni”, onde tiramos uma onda da Dilma ser um representante máximo da ignorância cultural na época. Muitos amigos ficaram de mal. Então a gente deletou isso aí, mas indiretamente “Bar do Mauro” veio cumprir esta função. Os nossos predadores locais são tão terríveis quanto os de Brasília. Aquela corrupção que a gente se acostuma e até fica nervoso quando acaba. “Quer dizer que agora vou ter que ser honesto, cumprir as regras e não subornar o fiscal?” Fala também sobre a invisibilidade das pessoas que vivem rodando na rua, sem uma estrutura mínima pra manter sua dignidade. Elas acabam sendo o para raio pras pessoas descontarem suas frustrações. É uma onda de violência ideológica. “Madrugado” também não foge desta fase moralista que estamos enfrentando. Não adianta apontar o dedo pra todo mundo quando você mesmo está destruindo as coisas que conquistou. Quando a gente não assume a responsabilidade, caminha a favor da decadência. Mas você vê que foram coisas sem intenção de politizar. É o que estava na frente. Portanto não acho que a arte “deva” nada. Ela reflete porque é o que esta na frente do espelho. E se não reflete, provavelmente esta arte será menos relevante, até uma mentira.
Uma pergunta que sei que sempre fazem de outro jeito, então vou mudar o viés: o nome da banda não atrapalha vocês? Porque quando muita gente lê “Pão de Hamburguer” e pensa em uma banda engraçadinha, coisa que vocês não são nem nunca foram.
Atrapalha demais, é o pior nome que podíamos encontrar. E por isso gostamos tanto. Muita gente saca essa idiotice e acaba sendo um ponto a favor. Mas tu se engana, já tivemos nossa fase Mamonas Assassinas, na qual pontuamos clássicos do churrasco como “Pinto Torto”, “Menina Molhada” e outros petardos. Gravaremos um dia, nem que seja pra fazer jus ao nome.
Se vocês já tiveram problema com “Carla Bruni”, imagino o que não teriam de encrenca se gravassem essas coisas…
(risos) Essas músicas podreiras a gente sempre faz, nossos amigos curtem. O Rennan e Leo são campeões nisso ai. Tem até uma versão de “Mistério do Planeta” (Novos Baianos) show de bola. Muitas das musicas que eu faço na seriedade estes dois filhos da puta distorcem para a putaria. Às vezes, estragam a musica pra sempre.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
hahahaha
coisa mais linda, gente!
Gostei da sinceridade do entrevistado, tá faltando gente assim no mundo da música 🙂