resenhas por Leonardo Vinhas
“The Order of Time”, Valerie June (Universal)
Praticamente metade dos 35 anos de vida de Valerie June foi dedicada à carreira musical, e nesses 17 anos de atividade a moça fez amizades como Dan Auerbach, Booker T., Meshell Ndegeocello e até os Rolling Stones. A lista dá uma dimensão de com quem a moça pôde aprender muito do que se ouve em seu quarto álbum “The Order of Time”: blues à Junior Kimbrough, soul, folk delicado, rockão upbeat e cheio de vontade. Só a música das montanhas Appalaches, antes presença marcante, não dá tanto as caras – está meio escondido em “Astral Plane” e “With You”. Ainda que não encante tanto quanto o antecessor, o celebrado “Pushin’ Against a Stone” (2013), há muitos bons momentos, como as duas faixas já citadas, e também o canto folk comovido de “The Front Door”, o pique circular de “Shakedown”, a sensualidade de “If And” e o balanço do pântano de “Man Done Worng”. A predominância dos climas lentos e de instrumentação esparsa dificulta a audição completa do álbum mais que algumas vezes – exatamente porque em alguns momentos o que era para ser sutil fica apenas… lento. Mas não dá para desprezar o trabalho de Valerie nem as boas faixas aqui contidas.
Nota: 7
“Too Many Rules and Games”, Gemma & The Travellers (Legere)
Ah, esse mundo de aparências… Não fosse Gemma Marchi uma jovem um pouco acima do peso e sem propensão à autodestruição, estaríamos diante de uma nova Amy Winehouse. Explica-se: a inglesinha capricha na leitura, entre reverente e contemporânea, da soul music, e se faz acompanhar de uma ótima banda para executar as composições que cria em parceria com o guitarrista e produtor Robert P. Petersson. A marca de seu canto está nas notas altas que sua voz grave atinge, capazes de encorpar uma canção com mais volume e modulação que um baixo em primeiro plano. A faixa-título, “I’ve Got No Feelin’” e “I Believe In You” são os hits em potencial, mas isso não quer dizer que o restante são “fillers” (as faixas para encher linguiça, comuns nos álbuns de soul da era dos compactos): salvo pela boa “Take My Heart and Breathe”, não há espaço para baladas ou temas mais lentos entre as 10 faixas do disco: é soul para fazer dançar, com tons um tiquinho mais roqueiros aqui e ali (“Where I Lived Before” e “Save Me”).Gemma não é uma personagem que atende apelos midiáticos: é simplesmente uma cantora e compositora que gosta muito de soul, e fez um álbum de estreia extremamente curtível e promissor.
Nota: 7,5
“Witness”, Benjamin Booker (ATO Records)
Benjamin Booker saiu para o mundo em 2014 com um álbum homônimo, levando nas costas um blues quase punk, no qual se destacavam a simplicidade dos riffs e a sujeira das guitarras, além da garganta “arranhada” do moço. Ganhou moral com crítica e público, especialmente depois de uma turnê em conjunto com Jack White e Courtney Barnett. Mas o segundo álbum vem para quebrar as expectativas: “Witness” já causou choque nos fãs a partir de seu primeiro single, a faixa-título, que veio com riff de piano e coros gospel. O rapaz de Virginia Beach trocou o blues pelo soul como mola mestra das suas composições, permitindo-se até arranjos de cordas (na lindíssima “Believe”), algo que não cabia na estética do disco anterior. Há variações mais dançantes (“Overtime”), sexy (“Truth Is Heavy”) e emotivo (“Motivation”), mas tudo aqui tem a ver com uma nova leitura do soul, até quando não usa estruturas convencionais ( “All Was Well”). E o rock? Mal aparece, e quando vem, é com uma influência escancarada de T. Rex: vide “Right on You”, “Overtime” e “The Slow Drag Under”. De qualquer forma, já deu para entender o panorama: estamos diante de um disco bonito, inspirado pelo passado e com os olhos no presente.
Nota: 9
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.