Texto por Marcelo Costa
Você é um diretor badalado de Hollywood que decide filmar sua nova história de desencontros amorosos nos badalados festivais de música de Austin, no Texas, com um dos melhores fotógrafos e alguns dos melhores atores do mundo. O passe vip de Hollywood permite que você leve seu amigo com uma câmera na mão e seus atores pelos bastidores dos festivais, onde você encontra e registra imagens de estrelas do showbusiness, que, depois, na sala de edição, vão ser coladas por uma narrativa em off tentando dar algum sentido a tudo isso. Pode funcionar, e às vezes funciona mesmo, mas não com “De Canção em Canção” (2017), novo experimento visual com narrativa picotada de Terrence Malick.
Desde que “Árvore da Vida” dividiu o mundo cinematográfico no meio em 2011 (50% amou, 50% odiou, a pesquisa não conseguiu encontrar dinossauros para opinar) e lhe rendeu a Palma de Ouro em Cannes, Malick tenta elevar ao mesmo status de Arte todo novo filme, e se “Amor Pleno” (2012) exibia “imensos vazios preenchidos por belas imagens, falta de foco e tédio” e “Cavaleiro de Copas” (2015) “era uma bagunça indecifrável”, este “De Canção em Canção” é, claramente, um amontoado de cenas filmadas sem nexo, no calor do momento (do festival e do improviso), que são jogadas na narrativa apenas como enfeite, como um quadro que ao invés de ficar preso a parede, gesticula, fala, dança, mas nada acrescenta ao filme.
Ok, do começo: “De Canção em Canção” flagra o triangulo amoroso entre um famoso produtor musical, Cook (Michael Fassbender), com sua secretaria, Faye (Rooney Mara), que também é musicista e se apaixona por um músico, BV (Ryan Gosling), o qual Cook pretende tornar um astro. Cook é o desenho que se espera de um produtor musical galanteador e rico no meio norte-americano, e soa como um Mefisto observando o caos sob seus pés enquanto sorve um drink calmamente, e ri de canto de boca. Ele está acima de disputas, acima de todos, ainda que seu coração possa trai-lo, o que acontece quando entra em cena Rhonda (Natalie Portman), uma garçonete que está passando por sérios problemas financeiros. Há ainda Amanda (Cate Blanchett), personagem que vai do nada a lugar nenhum.
As belas imagens captadas pelo fotógrafo Emmanuel Lubezki (“O Regresso”, “Birdman”, “Gravidade”, “Árvore da Vida”) são lançadas na tela no mesmo estilo que Malick expos nos filmes anteriores, ou seja, quase que como um power point turistico, e dá-lhe sol estourando e se abrindo como flor no horizonte. Interessante: em vários momentos de improviso fica nítido que os atores não sabem se a cena acabou ou não. Perceba. Também há dinossauros (você achou que eles não estariam aqui?) do rock flagrados em seu habitat falando nada com nada: de John Lydon a Iggy Pop, de Val Kilmer ainda com Jim Morrison incorporado aos Red Hot Chili Peppers – a única artista que consegue penetrar na narrativa confusa do filme é Patti Smith e acrescentar poesia quando relembra seu casamento com Fred “Sonic” Smith.
De certa forma, “De Canção em Canção” é o menos ambicioso dos últimos filmes de Terrence Malick: não há como negar que há uma linha de roteiro na trama, ainda que ela seja uma linha frágil praticamente construída em off, o que dá asas a subjetividade que o diretor tanto preza nos últimos anos, e que só encontra eco naqueles que querem realmente gostar do filme, ou então estão no mesmo nível experimental do diretor. A escolha pelo ambiente dos festivais em Austin, ainda que renda belas imagens, é desperdiçada por não se conectar com a trama: Malick poderia ter filmado na Festa do Peão de Barretos, na Virada Cultural de São Paulo ou em Glastonbury que o resultado seria o mesmo, já que o problema não é o ambiente, mas o roteiro (ou melhor, a falta de um).
Wendy Ide, do Observer, foi cruel, mas certeira: “Tudo se resume a um lindo nada”. Kevin Maher, do Times, cravou: “Este é o pior filme de Terrence Malick”. Porém, quem melhor definiu foi Charles Steinberg, do Under The Radar: “O fracasso deste filme reside no abismo que continua a se alargar entre o estilo de direção que Terrence Malick deseja exibir e o escopo da narrativa que ele deseja contar”. Perdido no meio desse abismo, o público tem a seu dispor belas imagens, grandes atores improvisando, alguns momentos de música, estrelas pop rock subaproveitadas e duas horas e nove minutos de ambição cinematográfica que mais parece uma Ferrari Testa Rossa a 200 km chocando-se a um muro. “De Canção em Canção” não é um filme, é um desastre.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Vi poucos filmes do Terence, mas os que vi são medonhos, não entendo como esse cara é badalado.
Assisti A Árvore da Vida nos cinemas e achei horroroso, daí, há alguns dias, inventei de ver Atrás da Linha Vermelha e achei A Árvore da Vida genial se comparado a Atrás da Linha Vermelha.
Por sinal fiquei me lembrando que quando do Oscar em que Atrás da Linha Vermelha concorreu, muitos diziam que ele merecia prêmios… Eu acho que minha memória me pregou uma peça e que em 99 o pessoal dizia na verdade que ele merecia várias framboesas de ouro.
Pelo jeito deveria ter dado continuidade ao seus trabalhos nos anos 70 (ficou mais de uma década sem filmar), pois perdeu a mão. Cinzas no Paraíso de 78 é uma das melhores experiências que tive num cinema.