por Leonardo Vinhas
Em 2014, três músicos extremamente atarefados decidiram ocupar seu escasso tempo com um projeto conjunto. Rodrigo “Barata” Tavares (bateria e samplers), Macaxeira Acioli (percussão e samplers) e Samuel Mota (guitarra, banjo e synths) formaram o Muntchako para tocar música instrumental dançante.
Parece simples? Sim, porque, na essência, é só isso mesmo. Em dois minutos de conversa com qualquer um dos três, é possível perceber o conhecimento quase enciclopédico de música e o entusiasmo pela execução e pela composição. O que dá o sabor único da receita do trio é a sua ambição: combinar música dançante, mesmo que aparentemente discrepante, em faixas que tenham sabor pop e nenhuma pressa alguma para chegar ao fim.
O Muntchako pode equacionar, na mesma canção, tango e batidão, dubstep e jazz, ska, afro beat e calipso. E, ainda que apenas “Young O’ Brien” seja o único single entre os lançados a respeitar “barreira dos três minutos” que é essencial na canção pop, o resultado final das composições do trio fica na cabeça, apesar da ausência de refrões ou de letras convencionais (a maior parte das faixas é instrumental, e as palavras que ocasionalmente aparecem soam mais como efeitos sonoros ou instrumentos adicionais).
Três dessas canções foram apresentadas como singles até o momento (baixe aqui): “Cardume de Volume” (com a participação de Deize Tigrona), “Coqueirinho Verde” e a já citada “Young O’ Brien”. O primeiro álbum da banda, homônimo, será lançado em breve. Produzido por Curumim, tem quatro faixas novas, além de regravações de “Cardume…”, “Coqueirinho…” e “Emojubá”, que estava disponível apenas no Youtube. Ele será editado fisicamente apenas em vinil, embalado numa impressionante arte do ilustrador paraibano Shiko (autor das graphic novels “Lavagem”, “O Azul Indiferente do Céu” e “Piteco – Ingá”).
Em paralelo a esse caminho de estúdio, o trio acumula milhagem na estrada e nos palcos, tendo viajado mais que muita banda com o dobro de tempo de carreira deles. Para este bate papo, o trio pediu para responder coletivamente às perguntas do Scream & Yell por e-mail, e também foi em conjunto em que eles atenderam uma ligação durante uma passagem de som. A edição dessa animada conversa (a fala dos três tem tantos elementos quanto suas composições) está logo a seguir.
Vamos falar do disco novo primeiro. A primeira questão é: por que um álbum, depois de tantos singles? Há um conceito, uma unidade que seja importante para esse conjunto de canções?
Os singles foram gravados no Zarabatana Records, [estúdio] do nosso guitarrista e produtor musical, Samuel Mota. Isso era importante pra ter material na rede, se inscrever em festivais, vender shows, enfim, entrar no circuito. Essas foram as nossas primeiras composições, primeiros experimentos musicais. Pensamos que um álbum reunindo tudo seria muito importante pra marcar uma fase. Então, nos inscrevemos em um edital em Brasília para gravar o vinil, e fomos contemplados. As faixas são todas gigantes, e tivemos que dar uma enxugada no disco pra não perder qualidade nos graves, conforme nosso mestre da master, Arthur Joly, sugeriu: 18 minutos de cada lado. No lado A temos as faixas instrumentais e no lado B faixas com vozes, que na verdade funcionam como um instrumento, pois são pequenas inserções. Essa oportunidade de ter lado A e lado B estimula as pirações. O conceito do disco é trazer a energia do show pro disco. Músicas pra pista, pra balançar! É levar a música instrumental para um lado mais pop.
Vocês falam desse lado pop, mas não trabalham com o formato clássico da canção pop. Onde entra isso?
O pop entra como figuras de referência: um bumbo reto que remete à pista de dança, alguns timbres, o peso que a gente quer botar no PA… Tem também a linguagem da música popular, em certo sentido. Tem quem escute a gente e pense que já ouviu algo parecido. Isso é porque a gente trabalha com coisas que permeiam o imaginário coletivo, e aí que está o nosso lado pop.
Como vocês chegaram ao Curumim como produtor? Ele teve uma influência grande no resultado final, contribuiu com algo na estrutura e no arranjo das faixas?
O Barata é do coletivo Criolina e já tinham feito várias fitas juntos com Curumin, então já tinha essa proximidade. O primeiro contato do Curumin com o som do Muntchako foi quando tocamos juntos no Festival Cena Contemporânea [em 2015], em Brasília. Ele estava com o projeto Dê um Rolê, onde ele, Anelis Assumpção, Márcia Castro e Saulo Duarte interpretam Novos Baianos. Nós tocamos antes, e quando terminou nosso show, ele chegou pra elogiar, tinha curtido muito, e esse foi o pretexto para o convite. Curumas saca muito de cozimento de áudio, é um timbreiro nato, chegou com idéias super interessantes com gravador de rolo, com uma textura mais old school, mais suja. Engraçado que ele sempre escolhia os takes mais imperfeitos para captar a energia dos três, deixar a música mais verdadeira possível. Sugeriu levadas, editou, cortou aqui, cortou acolá, o cabra saca dos paranauês e a conexão musical foi irada! Aprendemos muito com o professor, além de ser um ser humano extraordinário.
O disco sairá em vinil apenas? Ou terá download pago também?
Curtimos a coisa da música livre na internet, então além da bolacha preta, o disco estará disponível em todas as plataformas para download e streaming. Serão 1000 cópias em vinil 12 polegadas, foi um projeto contemplado pelo FAC – Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal.
Vocês têm circulado em muitos festivais: o mais recente foi a edição de 20 anos do Psicodália, um evento que está ganhando status lendário entre alguns artistas e uma faixa de público. Como foi tocar lá?
Foi uma bela surpresa. Podemos dizer que foi um dos festivais mais surpreendentes que tocamos nesse último ano, e olha que tocamos em muitos. O fato de não ter patrocínio, acontecer no meio do mato, quase um Woodstock e com um público muito envolvido… Todos os shows, sem exceção, a galera “comprava”, e ia ao êxtase. Todo o conceito do festival era muito bacana, desde os banheiros separados (nota: cada um para uma “necessidade” específica), passando pelo copo reciclável, alimentação e envolvimento de mais de mil voluntários. Line up impressionante. Incrivelmente foda!
E a que vocês atribuem tantos convites para festival?
Na banda, existe um equilíbrio que deu muito certo. Somos um trio, e cada um exerce um papel dentro do todo. Samuel Mota, é o produtor musical, vive e respira isso. Macaxeira é sangue nos olhos, não para quieto com as produções executivas e matutações. Barata é o cara do networking, com anos na estrada, o cabra tem contato até na cochinchina… quando junta tudo isso, facilita pra nós. Porém, é claro que se a banda não estivesse em cima, solta no palco, com um produto interessante, isso não seria nada. O que faz a diferença são os produtores terem acesso a um material profissa somado com o produto final, que é o show… A gente tem se divertido no palco, fazendo shows com personalidade e pressão. Naturalmente, isso reverbera com o público e um festival tem puxado o outro. O burburinho foi acontecendo, e os produtores vão vendo que a gente tem circulado em importantes festivais, em diversos estados, em muitos deles fomos mencionados como um dos melhores shows, e a gente tá felizão na estrada.
As fantasias, as brincadeiras de palco, o quanto essas coisas são importantes para a identidade do Muntchako?
Quando temos a oportunidade, pensamos em um figurino que dialogue com o som. O fato de ser uma banda instrumental, pede um som enérgico, dançante e que tenha algo a mais no palco que chame a atenção. Quando fazemos um show que tem boa infra, levamos nosso VJ, Marcio Mota, que é um artista plástico da pesada, que pensa as imagens sincronizadas com o som e faz todo um desenho estético da banda. E isso faz a diferença, uma projeção, um figurino, um show dançante, pra frente, como se o palco fosse sempre uma celebração.
Vendo vocês ao vivo, parece ser algo muito livre. Porém, o som é cheio de samplers e programações. Além disso, vocês acabam de falar que podem rolar projeções de vídeo. Como conciliar essa estrutura mais programada com uma livre improvisação?
A gente toca com uma programação. O som é bem mapeado, e a gente mapeia até onde rola a improvisação, um solo e percussão ou de guitarra. Escuta um clique e vai. Para quem assiste, soa como uma coisa solta, meio progressiva, mas é tudo amarrado, a gente já internalizou tudo. A estrutura das músicas não é linear, por isso dá essa impressão de ser mais solto.
Como vocês chegaram no nome do Shiko para fazer a capa?
Shiko é conterrâneo do Macaxeira, lá da Paraíba, e ele é um cara da cena, já fez várias coisas, como o audiovisual do [quarteto instrumental] Burro Morto. É uma figura carimbada dos bares de João Pessoa. Mandamos várias palavras-chave para ele, como “latinidade”, “sudorese”, “tropical”, “rebolation”, e outras. Ele fez essa figura meio trans, com máscara de “lucha libre” e carregando um boombox no ombro. Na contracapa, tem um ringue, e aí você vê as armas… O instrumento de porrada, de transformação dele, é a música. Aí tem outros elementos, como um globo de luz em cima do ringue e…. não vamos entregar tudo agora, mas tem toda essa identidade da banda.
Vocês são uma banda muito ativa no país, mas não tocam tanto no DF. Como está a movimentação musical aí? Hoje existe uma “cena”, muitas “cenas”, ou cena nenhuma? (risos)
No início da banda tocamos somente em Brasília, mas logo no segundo ano fizemos turnês em diversos festivais e casas noturnas de vários Estados e acabou que a agenda apertou pra tocar na cidade. Mas já tocamos em grandes festivais na nossa cidade, em casas pequenas, de graça na rua e vamos continuar tocando, porque foi Brasília que nos juntou e nos inspira muito. Temos muitos parceiros locais, e a cena segue na luta como em qualquer cidade. Vamos ocupando as ruas, as casas e juntando com bandas que admiramos muito como Almirante Shiva, Passo Largo, Lista de Lily, Scalene, Joe Silhueta, Esdras Nogueira, Rios Voadores, Komodo, Forro Red Light e muitos outros.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.