texto por Renan Guerra
fotos por Nycolas Ribeiro
De conceito intimista, o Secret Festival realizou a sua quarta edição na primeira semana de novembro, dia 04/11 em Curitiba e dia 06/11 em São Paulo. Com um local surpresa, só anunciado 48 horas antes do evento, a edição paulistana aconteceu na Vila São Paulo, uma antiga fábrica têxtil na região do Brás, num domingo que foi de quente e abafado a chuvoso e cinza.
Construída na década de 1930 e restaurado há pouco, a Vila São Paulo trouxe um clima diferente para o festival. Para colaborar, o evento ainda tinha uma decoração recheada de madeiras cruas, muitas plantas e pufes, poltronas e almofadas para todo lado, dando um clima de lounge para a festa, seguindo bem o clima que a Sofar Sounds, organizadora do evento, está acostumada a trabalhar.
Com um ar hipster, o evento contou com aquelas coisas bem 2016: tapioca gourmet, roupas dos anos 90 e gente com câmeras analógicas, entre outras tendências de tumblr, porém não havia aquele ar blasé que muitas vezes permeia esses ambientes. O clima na Vila São Paulo era mais de diversão que qualquer outra coisa, com um público diminuto em número, mas bastante variado em estilos, misturando jovens, adultos e crianças, algumas dançando e correndo, outras fofíssimas em seus fones de ouvido de proteção.
Os portões da Vila se abriram às duas horas da tarde, com atividades como WAKE Yoga, dança e meditação. Logo depois, o Spotify organizou um espaço de conversa com os artistas, para a construção de Live Playlists, em que Mahmundi, Carne Doce e Terno Rei montaram playlists e falaram sobre influências musicais e o mercado fonográfico. Cada Live Playlist foi realizada nos intervalos entre as apresentações, criando uma atividade realmente interessante enquanto a equipe técnica preparava o palco para o próximo show.
Além do bate-papo com os artistas, outros pockets shows foram realizados no espaço interno, num clima mais relax, com o público sentado no chão sobre almofadas. Foi uma agradável surpresa conhecer outros artistas que não estavam no line-up, como Benjamin Existe e Versos que Compomos na Estrada.
Das bandas indicadas no line-up, a primeira a subir ao palco principal foi a Terno Rei, de São Paulo. A garoa que caía se transformou num toró daqueles, bem com cara de chuva de verão, e o público ficou dividido entre a pequena área coberta e a área interna, olhando o show meio à distância. De guitarras barulhentas e efeitos viajandões, a Terno Rei teve presença de palco suficiente para envolver o público que ainda estava meio disperso e que tentava escapar da chuva.
A segunda atração do dia foi a carioca Mahmundi, que vinha de um final de semana de viajante: ela já havia tocado no Secret em Curitiba e ainda no MECAInhotim na noite anterior. Com a banda reduzida, Mahmundi assumiu vários instrumentos, bateu papo com o público e se divertiu muito fazendo um show quase todo baseado nas faixas mais agitadas de “Mahmundi”, seu álbum de estreia, lançado no início de 2016.
Na sequência, veio o inglês Charly Coombes, que muitos ainda se referiam como o “cara ex-Supergrass”. Morando há vários anos no Brasil, Charly falou algumas palavras em português, fez agradecimentos, mas fez um show morno. Sentado em frente ao teclado, sua apresentação seguiu uma linha mais quadradinha, que até animou aqueles que já estavam entrosados com seu trabalho, mas manteve grande parte do público meio dispersa. Já tendo visto Charly em versão mais roqueira, zanzando e pulando pelo palco, essa versão mais soft soou polida demais.
O Carne Doce já subiu ao palco quando a noite chegava e simplesmente incendiou tudo, com aquele que foi certamente o show mais vibrante do festival. Com grande parte do repertório advinda do ótimo “Princesa”, segundo disco da banda, lançado esse ano, a voz de Salma Jô criou quase um espaço de transe, emaranhado no peso sonoro da banda, que soa cada vez mais madura e certeira no palco. Com grande parte do público cantando (e gritando) junto às canções, a banda conseguiu conquistar até mesmo aqueles que não estavam tão envolvidos com o som. Com um único respiro na romântica “Eu Te Odeio”, o resto foi só pedrada, que fez a plateia pular e bater cabeça.
Os canadenses do TOPS vieram na sequencia e basearam quase todo show no seu último disco, “Picture You Staring”, de 2014. De ar agridoce e com cara 60’s, o charme da vocalista Jane Penny contrastava com a sujeira do som da banda, fazendo o público (que ficou em maior número nessa hora) dançar em torno do palco. Quase para o final do show, Jane empunhou uma guitarra vermelha e colocou mais peso ainda nas canções, reservavando para o final as músicas mais conhecidas, como “Way To Be Loved”, faixa que encerrou o show e animou a plateia.
Com o fim do show do TOPS, por volta das 10 da noite, grande parte do público já foi se dispersando, mas ainda faltava o trio paulistano Lumen Craft subir ao palco. Com uma iluminação própria, a banda chegou já chamando a galera para se aproximar, enquanto organizavam seu espetáculo sonoro e visual. Com um trip hop sensual, eles fecharam a noite em grande estilo, mesmo assim, já passado das 11 horas, o show ainda estava rolando, mas a maioria das pessoas já estava de saída, na expectativa de ainda encontrar o metrô aberto.
No final das contas, o saldo do Secret Festival foi realmente positivo: com um line-up que reuniu grandes artistas nacionais de 2016, mais do que shows, o evento criou realmente uma experiência, com seus espaços abertos, de circulação simples e tranquila, sem filas, sem dores de cabeça. Outro ponto interessante do ambiente do Secret é que todos os artistas que tocaram no evento circulavam pelo local, aproveitando os shows, tomando cerveja com os fãs, vendendo seus CDs e camisetas, curtindo a festa.
Bem organizado e com uma logística afinada, é de se esperar que o Secret Festival cresça e quem sabe no ano que vem já tenha fôlego para chegar a outras cidades, além de São Paulo e Curitiba, pois fãs de música e artistas agradecem espaços assim.
– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites You! Me! Dancing! e Scream & Yell.