por Bruno Lisboa
O coletivo Geração Perdida é o melhor retrato do real potencial da cena musical mineira atual. Atuante e prolífico, o grupo rema contra a maré, agindo sob suas próprias convicções e anseios o que acabar por resultar numa autêntica revitalização do “faça você mesmo”.
Se a Lupe de Lupe, banda que melhor representa os ideais do coletivo, está em estado de hibernação, os seus pupilos seguem em frente produzindo seus respectivos trabalhos. Prova disso é que neste ano três artistas (Fernando Motta, Sentidor e Jonathan Tadeu) colocaram álbuns na praça e seguem em turnê.
Neste pacote, o disco que mais se destaca é novo trabalho de Jonathan Tadeu. Produzido por Fernado Bones (Aldan), Jonathan mantém em voga o seu rock triste com ecos de Elliott Smith e Sparklehorse, mas se permite explorar novas texturas em “Queda Livre” (download gratuito aqui).
Por mais que trabalho soe musicalmente como soava “Casa Vazia” (2015), o álbum anterior, como é notado na atmosférica faixa de abertura, “Quase”, e também na cortante canção título, neste novo álbum o músico promove um olhar ensolarado para o dia a dia, muito em ode ao que ele chama de “estado de espírito atual”. A guinada é perceptível na levemente pop “Sorriso Besta” (que conta com a participação do Sentidor) e no o spoken word “O Mundo é Um Lugar Bonito e Eu Não Tenho Mais Medo de Morrer”.
A pedido do Scream & Yell, no faixa a faixa abaixo Jonathan descreve cada uma das canções de “Queda Livre”, revelando influências e o processo de criação/gravação deste grande disco que merece figurar na lista de melhores do ano. Leia e, sobretudo, ouça esse grande álbum!
“Queda Livre”, faixa a faixa por Jonathan Tadeu
QUASE
Ela se chamava “Alice”, mas acabei mudando o nome só pra homenagear a Quase Coadjuvante, minha antiga banda. Eu guardei essa música na manga por mais de quatro anos. Sempre gostei muito dela, mas sei la por que motivo nós nunca conseguimos tocar ela nos tempos da banda. Foi uma das primeiras músicas que eu mandei pro Fernando Bones, o produtor do disco. Ele me ajudou a montar a ideia da bateria e depois convidamos o Bruno Carlos, baterista da Aldan, pra gravar. “Quase” é também a última música do pacote de músicas velhas que eu tinha pra usar. Agora só vai sair coisa nova.
NINGUÉM SE IMPORTA
Estranho, eu não me lembro em que situação essa música surgiu, mas deve ter sido um pouco depois do lançamento do “Casa Vazia”. Na época eu já tinha decidido que o próximo CD teria mais baterias, que seria um disco de banda mesmo, e que eu daria um jeito de usar o pedal de overdrive mais vezes. O povo que me conhece sabe que eu amo baterias mais simples. Esses discos do Elliott Smith e do Sparklehorse são muito referência porque a batera é quase sempre a mesma coisa. Mandei a demo pro Bones com uma ideia para os versos e ele criou a levada da introdução, essa coisa meio bossa nova, meio samba indie, que depois cai rockinho noventista.
DIANA ROSS
Minhas maiores influências na época de composição do disco foram American Football, Sparklehorse e Mark Kozelek. Este último se tornou o meu compositor vivo favorito. A letra de “Diana Ross” é meio que um diálogo bastante aberto sobre aqueles minutos que antecedem a certeza de que você tá realmente apaixonado por alguém. Eu cito a música “Whitney Houston” (do meu primeiro disco) na letra, mas a história das músicas não é a mesma. Eu quase tirei essa frase na época, fiquei pensando: “Ninguém vai entender esse refrão, eu tô citando uma música dum cd que ninguém ouviu!”. Ainda bem que deu certo. Os downloads do “Casa Vazia” aumentaram.
QUEDA LIVRE
Quando você tem uma banda, as chances de erro são bem menores. São mais pessoas colaborando, a banda ainda faz uns shows pra tocar o material novo e ainda tem a pré-produção. O meu processo é completamente diferente. Tanto no “Casa Vazia” quanto no “Queda Livre”, várias músicas foram montadas durante a gravação. É pensar no arranjo e gravar, torcendo para dar certo. Dias antes da gravação, eu mostrei uma versão de voz e guitarra pro Bones e fiz uma bateria imaginária com as mãos e os pés pra explicar o ritmo de cada parte da música. Ele gravou essa bela performance no celular e na semana seguinte chamou o Bruno Carlos pra gravar o ritmo. Só deus sabe como é que isso deu certo. É a minha favorita do disco.
LA GREPPIA
Compus “La Greppia” um pouco depois do lançamento do “Casa Vazia”. Por isso ela tem uma sonoridade bem parecida com a do disco. Inclusive, essa gravação foi feita no celular. Foi a primeira demo que gravei para a música. Eu ia regravar ela no Bones usando um violão, mas não conseguia ficar satisfeito com o resultado. Tem uma coisa muito forte nessa gravação caseira, algo que eu nunca consegui repetir. Fiquei surpreso com a recepção dela, eu quase retirei a música do disco.
SORRISO BESTA
Mais uma música que eu montei durante o processo de gravação. Gravei o riff de guitarra e a base de bateria usando um programa horroroso de loops de percussão. Marquei um encontro com o João Carvalho (Sentidor) e gastamos uma tarde criando as batidas e os efeitos. Levei a base para o Bones e adicionei duas guitarras e as vozes. Ele fez umas coisas muito absurdas na mixagem, foi o melhor trabalho dele. Inclusive, eu não dei sugestão de quase nada na mixagem do disco. Deixei o cara livre pra criar, e 90% das músicas passaram de primeira.
BASTARDO
Essa deveria ter entrado no “Casa Vazia”. Acho ela deslocada em relação ao resto do disco, mas acabei gravando só por desencargo de consciência. É uma canção antiga, fiz em algum momento da Quase Coadjuvante, mas nem cheguei a mostrar pra galera.
AMOUR
Essa música entrou três semanas antes do disco ficar pronto. O início de 2016 foi uma coisa meio bizarra. Eu estava gravando o meu disco favorito ao mesmo tempo em que passava por dias horríveis. “Amour” surgiu em um momento limite. Foi quando eu conseguir enxergar uma luz no fim do túnel, e essa luz foram os meus amigos, meu pai e minha companheira. Mesmo tendo entrado por último, essa música mudou completamente o meu modo de enxergar o disco.
ATO FALHO
A primeira música que eu gravei pro disco. Foi lançada no final do ano passado, cinco meses depois do lançamento do “Casa Vazia”. É uma das coisas mais constrangedoramente íntimas e honestas que já fiz. Na época do lançamento eu fiquei morrendo de medo do povo achar ela melosa demais. O arranjo de cordas que o João fez e a produção do Bones foram decisivos. Eles são os que mais merecem aplausos por essa música. Esse som de violão é absurdo.
O MUNDO É UM LUGAR BONITO
Eu comecei a escrever essa música durante a turnê com a Lupe de Lupe pelo Nordeste. Uma viagem que mexeu demais comigo, na primeira semana em Recife eu já sabia que algo tinha mudado na minha cabeça. Os meses foram passando e o texto foi ganhando várias versões. O primeiro texto era um pouco rancoroso e derrotista, mas conforme fui encarando os meus demônios e aprendendo a ver o lado iluminado das coisas, toda a parte negativa foi desaparecendo, até chegar nessa versão que resume bem o meu estado de espírito atual.
– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão