por Leonardo Vinhas
“Quema Quema Quema”, Kanaku y El Tigre (Tiger Milk Records/Strut Records)
Apesar de se definir como “folk psicodélico”, os peruanos Kanaku y El Tigre estão mais para uma banda de indie pop esperta (algumas vezes esperta demais) que sabe utilizar elementos folclóricos de seu país em seu som. Em seu segundo álbum, o primeiro a ter lançamento internacional, conseguem combinar doses iguais de simplicidade (nas estruturas musicais) e sofisticação (nos arranjos) em um disco excepcionalmente bem-produzido, que inclusive apresenta as vozes com melhor cuidado do que “Caracoles” (2011), o álbum anterior. Na verdade, é tão bem produzido que chega a deixar o ouvinte com a pulga atrás da orelha, notando que as canções devem muito mais aos arranjos do que às melodias. De qualquer maneira, funciona bem, especialmente na primeira metade do disco e no embalo sessentista de “10 Años”. Já o hit “Si Te Mueres Mañana” e o folkzinho “Hacerte Venir” forçam a barra da fofura, parecendo canções sob encomenda de publicitários para tocar em comerciais “alto astral”.
Not: 6,5
“TransmutAção”, B Negão & Seletores de Frequência (Natura Musical)
Entre “Enxugando Gelo” (2003), sua estreia solo, e o sucessor “Sintoniza Lá” (2012), foram nove anos. Dessa vez, a espera para um novo disco de B Negão & Seletores de Frequência foi bem mais breve (três anos). “TransmutAção” expande o caminho aberto por “Sintoniza Lá” agregando funk carioca, samba, dub e reggae ao coquetel onde já existia rock, afro beat e funk “clássico”. “Fita Amarela” (Noel Rosa), por exemplo, é quase um partido alto, enquanto “No Amanhecer” faz pontes entre o samba canção e o samba paulista – tudo muito natural, sem soar “acadêmico” ou forçado. A mesma desenvoltura se observa quando a banda passeia pela Jamaica (“Dias de Serpente”), pelos morros cariocas (“Giratória”) ou Bahia (a dobradinha “Um Tema para Iemanjá” e “No Ar”, essa última com bem-vindos elementos eletrônicos). Sendo uma cria musical dos anos 90, também sobra a Bernardo propriedade para revisitar mangue beat, Planet Hemp e a “corrente da mistureba” nos hits de adesão imediata “No Momento” e “Mundo Tela”. Tudo é filtrado pela identidade que a banda forjou a partir de “Sintoniza Lá”, e contribui enormemente para isso a direção musical do trumpetista Pedro Selector, que merece mais reconhecimento do que normalmente lhe é atribuído. As letras continuam vulneráveis, com versos ingênuos e trocadilhos bobos ocultando eventuais boas sacadas, mas estão longe de atrapalhar a apreciação do disco. Tanto que, recorrendo a um de seus repetitivos bordões, dá para dizer que B Negão continua “chegando para somar no groove”.
Nota: 8 (download gratuito)
Leia também:
– “Sintoniza Lá”: releve os conselhos baratos e sinta o groove (aqui)
“Impredecible”, Bareto (World Village)
Cumprindo com a palavra empenhada numa entrevista recente ao Scream & Yell, os peruanos do Bareto entregaram seu disco mais ousado até o momento. Ao contrário dos antecessores, a chicha (cumbia peruana) não é o elemento-guia de todas as composições. Ela está sim presente em temas instrumentais (“La Voz del Sinchi”, “Mama Motelo” e “Pais de Las Maravillas”), mas nos outros oito temas o que manda é a integração perfeita que a banda conseguiu em seus 13 anos de estrada. Tal entrosamento permite que eles se arrisquem por ritmos como zamacueca, joropo, reggae (fundamental para o começo da banda) e ranchera sem que soem “turistas musicais”. As guitarras continuam sendo o elemento mais forte de sua sonoridade, mas chama atenção como a percussão adquiriu um papel de maior destaque: Jorge Olazo e Sergio Sarria deixam a bateria de lado para investir nas possibilidades de outros instrumentos percussivos. O ponto alto dessa receita aparece em duas canções em especial: o dub amazônico de “Viejita Guarachera” e a alucinante “El Loco”, que tem o vocal da septuagenária Susana Baca, uma das maiores vozes da música peruana. Impressiona notar como o grupo aceitou correr mais riscos depois de atingir grande sucesso comercial – uma atitude muito celebrada, mas bastante difícil de acontecer de modo satisfatório para artista e público. Em “Impredecible” (imprevisível, título mais que adequado) isso acontece, rendendo um álbum excelente e que ameaça melhorar com o tempo.
Nota: 8,5
Leia também:
– Entrevista: “Não dá para controlar o efeito que você entrega ao público” (aqui)
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
O disco do Bareto é surpreendente mesmo. Além das citadas, gostei muito de “la semilla”, uma “folkumbia”(?) hahahah que, aliás, me fez até lembrar um pouco do kanaku y el tigre (ou do que costumava ser o kanaku – as mudanças no som deles já não gostei tanto).
Abrazo!!