por Adriano Costa
Como afirmar se uma vida realmente valeu a pena? São tantos pesos, medidas e considerações que podem fazer parte desse questionamento inicialmente simples que, no fim, nenhuma resposta parece ser correta (e completa). Ter uma vida pacata sendo um bom cidadão, feliz em sua tranquilidade, valida uma vida? Ou é necessário criar grandes obras, ser reconhecido no seu círculo e esbanjar criatividade mesmo que em poucos anos de brilho? É bem difícil afirmar.
O inglês Roger Keith Barrett transitou por estes dois extremos, e sua trajetória é contada no livro “Crazy Diamond – Syd Barrett e o Surgimento do Pink Floyd”, que a Sonora Editora lançou aqui em 2013, com 224 páginas e tradução de Maíra Contrucci Jamel. Escrito a quatro mãos por Mike Watkinson e Pete Anderson, o livro teve sua primeira edição lançada lá fora em 1991, ganhando novos adornos após o falecimento do biografado em 2006, na sua acolhedora e querida Cambridge, que ele utilizou como exílio voluntário na maior parte da vida.
“Crazy Diamond” é um trabalho valoroso para fãs do Pink Floyd e interessante para amantes da arte pop em geral. Trata da formação da banda, quando Syd Barrett conhece Nick Mason, Roger Waters, Richard Wright e David Gilmour, que posteriormente lhe substituiria no grupo. Do estouro local quando os primeiros singles “Arnold Layne” e “See Emily Play” os levaram a programas como o Top Of The Pops até a derrocada e a saída da banda em 1968, encontramos um personagem repleto de singularidades.
Syd Barrett era o “dono” da banda nesse início. Compunha, cantava e tocava guitarra. Esse reflexo dinâmico pode ser visto no álbum de estreia do Pink Floyd, o clássico “The Piper At The Gates Of Dawn”, lançado em agosto de 1967. Ele deixou o grupo em abril de 1968, e, por isso, pouco participa de segundo disco, “A Saucerful Of Secrets”, lançado em junho daquele ano (uma boa exceção é “Jugband Blues”, que fecha o trabalho). Sua criatividade musical, no entanto, continuou ativa (mesmo que de modo camuflado e confuso) nos discos solo “The Madcap Laughs” e “Barrett”, ambos de 1970.
Características da personalidade do artista, como inovação e utilização de tonalidades pouco comuns para a época (em parte derivadas do uso de ácido), se por si só não criaram a psicodelia, foram fundamentais para que esta acontecesse e se expandisse. No entanto, Syd Barrett pagou um preço pelo uso excessivo da droga, que foi responsável por constantes alterações de humor e o esgotamento de sua genialidade aflorando o sentimento de inquietude que sempre lhe acompanhara.
Um dos pontos interessantes do livro é apontar que, sem a saída de Syd Barrett, o Pink Floyd nunca teria acontecido da maneira que aconteceu. Mike Watkinson e Pete Anderson também elucidam a saída de Barrett da banda dizendo que a ideia comumente vendida de que ele fora escorraçado do grupo e rejeitado pelos integrantes posteriormente é mera bobagem. Segundo os biógrafos, Syd simplesmente não tinha como continuar, aliás, não queria continuar. O Pink Floyd, por sua vez, foi obrigado a conviver com sua sombra pairando em entrevistas, artigos e matérias de TV enquanto Barrett escolheu a paz da cidade natal para se recuperar e viver.
O trabalho vivaz que alcança um ápice magnífico e a posterior queda encontra paralelo na história de outros artistas, como Brian Wilson (Beach Boys), Peter Green (Fletwood Mac), Arnaldo Baptista (Os Mutantes): o preço de viver loucamente a época cobrou seu preço e a volta se tornou uma difícil missão. Para Syd Barrett, essa volta nunca aconteceu. Ele nunca mais gravou nada após esse período e nem quis mais conversa, apesar de receber propostas tentadoras de gravadoras dispostas a usufruir do mito criado.
O livro “Crazy Diamond” demonstra não somente a intensidade do artista, como também sua importância, mas fica no ar a questão de como o rock, e por extensão a música pop, cria controversas auras de magnetismo. Como pode provocar tanto fascínio uma obra tão pequena (em quantidade)? E fica mais fascinante ainda ser oriunda de um cara atípico onde as canções falam de temas não muito básicos e tem formatações e construções diferentes do pop costumeiro, ainda que as melodias apontem para esse lado.
Isso, só a música pode explicar. E é aí que reside boa parte da sua graça. Roger Keith Barrett lançou apenas dois discos, “The Madcap Laughs” e “Barrett”, em 1970, e ambos foram relançados nos anos 90 com faixas bônus. Para neófitos, uma coletânea dupla chamada “Wouldn’t You Miss Me” (lançada em 2001) é totalmente recomendável enquanto quem quiser se aprofundar no trabalho do músico pode procurar pelo box triplo “Crazy Diamond”, também lançado em 1993 e que, além de “The Madcap Laughs” e “Barrett” (e suas faixas bônus), inclui o póstumo “Opel”, lançado em 1988 com faixas raras do artista.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
Leia também:
– “The Madcap Laughs”, o primeiro disco de Syd Barret, comentado faixa a faixa (aqui)
– EMI inglesa se debruça sobre o catálogo do Pink Floyd “Why Pink Floyd…?” (aqui)
– Roger Waters quer te fazer chorar. Saiba como foi o show “The Wall” em L.A. (aqui)
um dos maiores mitos do rock, mais pela história da sua vida do que pela sua obra.
e raro exemplo de importante p/ fundação de uma banda, e de consolidação dela ao não estar mais nela.
assisti um doc sobre o Pink Floyd que mostra uma foto do Syd visitando eles no estúdio, ninguém da banda o reconheceu na hora pois ele estava careca e gordo, bizarro demais!