Texto por Jorge Wagner
Fotos por Ramon Moreira
Na arte, como na vida, saber se desvincular do passado é uma tarefa tão necessária quanto difícil. Não se trata de esquecê-lo, mas de aprender com ele, descobrir o que manter e o que mudar, entender quem se foi para ter maior controle sobre quem se pretende ser.
A lista de artistas que optam por se repetir é vasta (no Brasil, chegamos ao extremo de ver gente gravando acústicos volume 1 e 2 em sequência, por exemplo), e o resultado é quase sempre o mesmo: a irrelevância. Por outro lado, há quem busque o novo, mas, como resultado disso, se perca pelo caminho. Como os Los Hermanos por ocasião do lançamento do quarto e último registro em estúdio da banda.
Distante dos dois grandes trabalhos do grupo, “4” trazia boas canções tanto de Marcelo Camelo quanto de Rodrigo Amarante, mas pecava em coesão. Não havia ali um disco de uma banda, mas dois trabalhos distintos com faixas embaralhadas. Em comum, apenas os músicos responsáveis pelas gravações. E em pouco tempo, o que era natural, aconteceu: cada um seguiu o seu caminho.
Anos se passaram desde então. E Marcelo Camelo, ao se apresentar no último dia 10 de março no palco do Circo Voador, Rio de Janeiro, prova que estava certo quando escolheu seguir a diante. Essa foi a segunda vez que Camelo trouxe o show de seu segundo disco solo, “Toque Dela”, para a casa carioca. Com um gosto especial: a apresentação teve trechos gravados para um DVD. Como resultado, casa cheia e público ansioso.
A abertura da noite ficou por conta de Cícero, fã confesso de Los Hermanos (e outro dos que evitam a mesmice: nos últimos anos, Cícero passou de frontman de uma obscura banda indie para um dos mais interessantes compositores da nova safra da MPB independente), que apresentou as músicas de seu “Canções de Apartamento” (liberado para download aqui), acompanhado por um coro fiel, enquanto despertava a atenção de alguns que não o conhecem e gritos de “Camelo!” de outros menos delicados. Após a abertura, entram em cena as samambaias – únicos detalhes do cenário – e os instrumentos do show principal.
Camelo sobe ao palco pouco após a primeira hora da manhã, apresentando, na ordem, as três primeiras faixas de seu trabalho mais recente (“A Noite”, “Ôô” e “Tudo Que Você Quiser”). Feliz, Marcelo é só sorrisos, danças desengonçadas (que lhe rendiam comparações com o outro hermano Rodrigo Amarante), a gratidão estampada no rosto e declarada no microfone: “Aqui é a minha casa!”
Alternando canções de seus trabalhos solos e do último disco de sua antiga banda, fica claro que Marcelo Camelo vive o seu melhor momento – está em sua melhor fase como músico, acompanhado e devidamente entrosado com o Hurtmold (com quem trabalha desde o primeiro disco), vibrando com os aplausos e os coros do público como se aquilo ainda fosse alguma novidade para ele. Camelo está onde deveria estar, fazendo o que quer fazer, controlando seu guidom, apontando pra fé e remando.
Mesmo quando recorre ao repertório dos Los Hermanos, Marcelo não parece saudosista. O que faltava de coesão no “4” sobra quando “Pois é”, “Morena” e “Fez-se Mar” (essa última, ao violão, encerrando a apresentação) aparecem ao lado da atual produção do músico, e a mesma coesão está ali com “A Outra”, que surge recriada. A felicidade de Camelo fica ainda mais evidente nos dois últimos números da parte principal do show, com “Copacabana” (quando o barbudo, em êxtase, joga cerveja no público), e “Além do Que Se Vê”, acompanhada com fervor pela audiência presente.
Apesar da falta de um bis programado, fica difícil para Camelo abandonar o palco. De improviso, ao violão, ele apresenta a nova “Luzes da Cidade”, seguida por “Tá Bom” e a já citada “Fez-se Mar”. E é só assim que consegue se despedir.
Em uma recente entrevista para o jornalista Bruno Alfano, do jornal carioca Destak, o cantor comentou o seu trabalho afirmando que “a vontade vai mudando de acordo com as coisas que se faz. Um disco sempre modifica o próximo”. Camelo não rejeita o seu passado, e embora esteja se preparando para uma bateria de shows com a banda que o tornou conhecido, é a sua carreira solo que parece o interessar de verdade.
Uma pausa para olhar para trás, uma chance para quem não conheceu o grupo em seus bons tempos (mais precisamente entre “Bloco do Eu Sozinho” e “Ventura”), um agrado para quem permanece preso ao passado, tudo bem. Mas se o que você procura é por uma produção nova e interessante, uma apresentação intensa e sem cheiro de naftalina de alguém que sabe o que está fazendo e o que deseja fazer, esteja mais preocupado em assistir a um show solo de Marcelo Camelo.
– Jorge Wagner (siga @jotablio) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2006 tendo escrito sobre Milton Nascimento (aqui), Cícero (aqui), Criolo (aqui) e Eskobar (aqui)
Leia também
– Entrevista: Bruno Medina fala dos novos shows dos Los Hermanos, por Marcos Paulino (aqui)
– A grande chance de Rodrigo Amarante, por Tiago Agostini (aqui)
– As cores vibrantes de Marcelo Camelo ao vivo em Lisboa, por Pedro Salgado (aqui)
– O álbum “Toque Dela” encontra-se no mesmo patamar de “Sou”, por Adriano Costa (aqui)
– “Canções de Apartamento”, de Cìcero, é sobre solidão e saudades, por Jorge Wagner (aqui)
Maravilha, esse dvd já é um clássico!
Adoro as samambaias…
Adoraria ir ao um show do Camelo, compositor de raro talento.
Mas creio que não suportaria a “beatlemanização” que envolve a coisa toda.
Vi o mesmo show, 4 dias depois, em Bauru. É bem isso mesmo, um baita espetáculo…
Que shooow.. foi lindo…!!
Muito bom o texto. Sem juízo de valor, mas reconhecendo os pontos bons e ruins. Parabéns!