por Bruno Federowski
A cada segundo, pelo menos uns três bloggers arranjam algum motivo para começar um post com “estamos vivendo uma revolução”. Talvez seja pelo egocentrismo inerente à profissão. Ou talvez seja porque, hoje em dia, esquecemos tão fácil o passado que, quando surge algo que nos faz relembrá-lo, precisamos marcá-lo com um “bang”. Enfim, este não é o assunto deste texto. O assunto deste texto é que, por mais que os esforços desses bloggers tenham colaborado para a banalização dessa palavra, é impossível negar que temos, hoje, motivos infinitos para inflar o peito e dizer: estamos, sim, vivendo uma revolução, em todos os sentidos possíveis do termo. E surpreendentemente, é possível que, com a nova lei de direitos autorais, a legislação brasileira dê um passo a frente para tentar acompanhar essas mudanças. Talvez não um passo muito grande, mas, ainda assim, um passo.
Pois bem, imagine um dia qualquer em sua vida: você sai de uma aula, e passa numa gráfica para xerocar um livro que seu professor disse que usará em classe – mas você sabe que, no final, só vai servir de apoio para sua garrafa térmica de café; chegando em casa, coloca aquele disco da Madonna que você não houve há séculos no computador e converte a primeira música (“Hung Up”, sabe? Aquela que começa com um trecho surrupiado de uma música do ABBA!) pra mp3 para conseguir escutar no seu iPod; de repente, você dá uma olhada no relógio e percebe que está atrasado para aquele festival de filmes do Tarantino que vai acontecer no clube de cinema ali da esquina e que se você demorar mais cinco minutos vai perder a mutilação de pelo menos sete ninjas, então você sai correndo o mais rápido possível.
Agora considere o quanto desse dia teria sido possível há 15 anos atrás. Por mais que tudo isso tenha se tornado natural para nós, a verdade é que em um intervalo minúsculo de tempo, muita coisa mudou. A mídia digital colocou todo o universo cultural a um só clique de distância de todos nós, e uma transformação desse calibre tem repercussões enormes – tanto para nós, consumidores, quanto para os próprios artistas. Cada vez mais remixes, mash-ups, samples e mesmo simples covers sobem ao topo das paradas. Ou, se não chegam tão alto, pelo menos fazem sucesso em inúmeros blogs de mp3. Ou ainda, considere o boom das gravadoras independentes: seria possível escrever um texto inteiro só sobre esse novo modelo de mercado. A diminuição, com as tecnologias digitais, dos custos de gravação e, principalmente, de divulgação, fez com que cada vez fosse mais fácil estabelecer um pequeno selo. E, quanto menor a gravadora, menor o número de pessoas envolvidas, e, portanto, menos dinheiro dissipado entre o consumidor e o artista.
Mas é claro que existe um porém: a lei não evoluiu tão rápido quando o mundo que ela pretende espelhar. Surpresa! De todas as ações que você realizou naquele hipotético “dia qualquer”, a única que não é proibida constitucionalmente é a aula a que você assistiu antes de tudo isso começar. E isso somente se o professor não tiver citado nenhum trecho de livro, música, filme ou qualquer outro tipo de produto cultural. O que, entretanto, obviamente não impede que todas essas coisas não aconteçam milhões de vezes por dia. O que com certeza é um indicativo de que algo está errado: ou com a legislação, ou com o nosso cotidiano.
Já surgiram alguns projetos com o fim de driblar essas falhas. Um dos mais famosos deles é o Creative Commons, que já foi usado, por exemplo, por Gilberto Gil e é a base da famosa Wikipédia. A idéia é que, enquanto a lei de direitos autorais barra qualquer uso de uma obra a partir do momento em que ela é criada, por meio do Creative Commons o artista pode escolher permitir que ela seja utilizada de certos modos mas não de outros. Uma música, por exemplo, pode ser registrada sobre a licença “sampling”, o que possibilita que partes dela sejam utilizadas como pedaços de outras obras, excetuando-se propagandas. A maior de todas as conseqüências dessas mudanças em nossa vida é uma mobilização imensa que vem ocorrendo no Brasil, desde 2007, visando à alteração da Lei dos Direitos Autorais.
Em junho, o governo publicou uma primeira versão do projeto de mudança de lei, que está, atualmente, disponível para consulta no site do ministério da cultura. Entre as mudanças propostas estão a legalização do livre uso de obras para fins educacionais; a criminalização do jabá (o pagamento de estações de rádio para que elas toquem uma determinada música); a numeração de todas as cópias de cada produto cultural, de modo a dificultar um pouco mais a fraude; e, mais interessante de tudo, a legalização da paródia. O texto já polarizou artistas, que se dividem entre os religiosamente contra (grupo que inclui Roberto Carlos e Ronaldo Bastos) e os apaixonadamente a favor (como Ivete Sangalo e o grupo O Teatro Mágico).
A lei em si não é um avanço tão grande. Afinal, ela somente avança até o ponto em que a Constituição da maioria dos outros países está (a lei brasileira de direitos autorais é considerada a 7ª pior do mundo pela Consumers International). O que é importante é que foi iniciado o debate que pode ter conseqüências concretas importantíssimas para a cultura brasileira. Agora, o importante é que todos nós, dedicados ouvintes e apreciadores da cultura pop, opinemos sobre o assunto. E torçamos para que, pelo menos dessa vez, as coisas realmente mudem.
http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/
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Bruno Federowski participa do blog Pop to the People
Qual a múica do Abba que foi surrupiado um trecho? Conheço ‘Hang Up’ só, nada de Abba.
Abba é foda! Viva Abba!
A música do ABBA é “Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)”.