Música: Com “Don’t Believe The Truth”, Oasis demonstra que ainda é relevante

texto de Jonas Lopes

Nenhuma banda da última década envelheceu tanto quanto o Oasis. O primeiro trabalho da banda, o já clássico “Definitely Maybe“, saiu há apenas onze anos, mas a banda já parece um dinossauro com trinta anos de carreira nas costas. Um dos motivos para isso foi o surgimento de muitos grupos que entraram “na crista da onda”. O velho comportamento da imprensa inglesa – criar modas e salvações de rock a cada minuto para depois descartá-las e substitui-las -, faz com que as bandas mais antigas pareçam cada vez mais cadavéricas. Tem também o comportamento dos Gallagher: a verborragia de Noel e a inconseqüência junkie de Liam devem ser a coisa mais old fashioned para esse pessoal coxinha e comportado de Travis, Starsailor e companhia. Coisa do tempo em que roqueiro comia criancinha e morria de overdose.

Os lançamentos do Oasis já não são grandes acontecimentos há tempos. O último trabalho que gerou expectativas realmente altas foi “Be Here Now”, em 1997, quando as lojas abriram as portas de madrugada para vender o disco, rádios brigavam pelo direito de serem as primeiras a transmitir as novas músicas e um mega esquema de marketing foi armado pela Sony para atiçar o fanatismo dos fãs. Essa expectativa não se repetiu com os discos seguintes: só se falava em Travis e seu “The Man Who” quando “Standing On The Shoulder Of Giants” saiu, e os olhos do mundo estavam voltados para o que viria do Coldplay em 2002, quando os irmãos Gallagher soltaram “Heathen Chemistry”. A sorte foi “Be Here Now” ter saído poucos meses depois de “Ok Computer”, antes que o hype em cima do Radiohead atingisse seu ápice.

Claro que o Oasis também tem culpa no cartório nesse processo de envelhecimento. Pesa o fato de o som da banda ser essencialmente velho e voltado para o passado. Ainda mais fazendo shows em estádios, para dezenas de milhares de pessoas, uma coisa muito década de 1970. Mas o que se pode fazer? O resultado é pior quando eles tentam soar “jovens”, como nos loops de “Standing On The Shoulder Of Giants”. Parecem tiozinhos de bermuda, deslocados, querendo parecer cool aos olhos da molecada. Não funciona. Melhor assumir o tom retrô de vez, então, e tentar fazer o que a banda sabe de melhor. A primeira tentativa de se reafirmar veio com “Heathen Chemistry”, superior a “Standing”, mas ainda irregular.

“Don’t Believe The Truth”, sexto disco oficial dos Gallagher, dá um salto significativo de qualidade em relação a “Heathen Chemistry”. É um bom disco de rock burro – rock de verdade, sem vergonha de assumir isso. A banda toda está bem. Gem Archer (guitarra) e Andy Bell (baixo) estão finalmente à vontade e entrosados com os irmãos Gallagher. A única alteração na formação, sábia, é a entrada de Zak Starkey (filho de Ringo Starr) na bateria, no lugar de Alan White. Zak é sólido como o pai. Liam voltou a cantar como nos bons tempos, após a preocupante rouquidão e as engasgadas que vinha dando. Em “The Meaning Of Soul” atinge o perfeito equilíbrio entre técnica e energia. E Noel ainda é mestre no que sabe fazer melhor, grandes composições sem perder a simplicidade – como na barulhenta “Mucky Fingers” e seus três acordes.

A primeira metade de “Don’t Believe The Truth” é irretocável. “Turn Up The Sun”, composição de Andy Bell, faz jus à característica do Oasis de sempre abrir bem seus discos (só para lembrar: “Rock ‘n’ Roll Star”, “Hello”, “D’You Know What I Mean”, “Fuckin’ In The Bushes”, “The Hindu Times”; todas ótimas). Entre as primeiras, Noel canta duas: a excelente e sessentista “The Importance Of Being Idle”, talvez a melhor do disco e candidata a hit, e “Mucky Fingers”, que junto com “The Meaning Of Soul” representa o lado vigoroso da banda, de inspiração pré-punk. Em “Love Like A Bomb”, Liam dá sinais de talento como compositor (o que já havia feito com “Songbird”, destaque de “Heathen Chemistry”). “Lyla”, o primeiro single, composta por Noel e cantada por Liam, também é muito boa. A decisão de privilegiar os rocks em detrimento das baladas foi acertada.

A segunda metade do álbum é menos consistente. A melhor faixa é “Keep The Dream Alive”, que, não fosse de Andy Bell, com certeza seria o primeiro compacto. Já “Part Of The Queue” e” Guess God Thinks I’m Abel”, a primeira de Noel e a segunda de Liam, são esquecíveis – “Guess God Thinks I’m Abel” funciona mais como piada, pela referência bíblica no título. Agora, de lascar mesmo é a mania que vem desde “Standing On The Shoulder Of Giants” de colocar pelo menos uma balada irritante, de tão açucarada. Antes era “Little James” e “Stop Crying Your Heart Out”, e agora é “Let There Be Love”. Terrível. Excesso de glicose faz mal, rapazes. Deviam ter tirado essa e colocado no lugar a instrumental “I Can See It Now”, b-side de “Lyla”. De qualquer forma, os pontos positivos do álbum sobrepõem com folga os negativos.

Numa hierarquia imaginária, “Don’t Believe The Truth” ocuparia um quarto lugar na lista de melhores trabalhos do Oasis, atrás dos imortais “Definitely Maybe” e “(What’s The Story) Morning Glory” e do subestimado “Be Here Now”. Pode parecer pouco, mas, acredite, não é (faça as contas: é o melhor disco do Oasis nos últimos oito anos!). E mais: essas são as primeiras músicas da banda em anos que não nos deixam saudades de “Roll With It”, “Supersonic” e “Whatever”. Porém, mais que um disco, “Don’t Believe The Truth” é um manifesto, feito para anunciar que Liam e Noel ainda têm condições de bater de frente com qualquer uma dessas bandas novas. E é melhor os coxinhas tomarem umas vitaminas, se quiserem entrar na briga com esses titios.

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