“Make Believe”, do Weezer

por Tomaz de Alvarenga

Na culinária da música pop, não é muito fácil você agradar a todos os paladares. Deve-se dosar os temperos, não exagerar nos detalhes, não se esquivar da importância do prato principal e o mais importante: agradar a clientela, ávida por riffs saborosos, refrões grudentos e doces, letras que descem sem problemas e um aroma pop certeiro, celebrado pelos quatro cozinheiros e pelo chef, como é o caso.

É uma indigesta responsabilidade. mas “Make Believe”, quinta oferenda do Weezer é um prato cheio pra quem tem fome de boa música. O chef Rick Rubin conseguiu colocar aquele providencial tempero pop, o que deixa o álbum palatável para todos os gostos, algo como um arroz com feijão, graças a um teclado mais do que providencial em alguns trechos, substituindo aquelas distorções, com todos os seus dissabores, o que espantou os consumidores com o supérfluo “Maladroit” (2002), que era gostoso em algumas partes, mas não sustentava, tipo biscoito polvilho antes do almoço.

Antes dele, “Weezer (Green Album)” (2001) tinha causado um pouco de mal-estar, pois muitas canções eram exageradamente deliciosas, mas pouco nutritivas, mostrando uma dieta pouco balanceada. Os pratos causavam um certo enjoo após várias degustações. Que tal algo como uma receita antiga?

Os fãs aguardavam alguns ingredientes que constavam em maravilhas da culinária, como “Pinkerton” (1996) e principalmente “Weezer (Blue Album)” (1994), um banquete e tanto. Depois de alguns anos enclausurado procurando a fórmula certa para dosar seus ingredientes, Rivers Cuomo apresenta um disco delicioso, que pode ser devorado de uma só vez ou degustado aos poucos, absorvendo com maior atenção cada um dos 12 ingredientes que tornam “Make Believe” uma das mais deliciosas aquisições do ano.

O cardápio não começa tão bem. o primeiro single do álbum abre o disco, e “Beverly Hills” causa um certo mal-estar, pois farofa logo na entrada de uma refeição nunca faz bem mesmo. A letra (assim como o clipe) é irônica, mas quase não se percebe, pois muitos tossem com a difícil deglutição. Só alguns cabeludos de jeans apertado aprovam, mastigando de boca aberta. “Perfect Situation”, a seguinte, é um alívio, lembra bastante o que os cariocas do Los Hermanos cozinhavam em meados de 2001, até abandonarem a dieta powerpop e abraçarem a culinária essencialmente tupiniquim. O piano é uma delícia, o refrão é saboroso. Daqui pra frente a maionese não desanda.

Em seguida um cheirinho de anos 80 infesta o ambiente, “This is Such a Pity” segue a cartilha de uma boa música pop com aqueles tecladinhos dando um sabor extra. “Hold Me” é algo tremendamente Weezer, lembrando perfeitamente o que a banda já elaborava dez anos atrás. Prato requentado? Só na temática, mas isso é algo recorrente na banda, é como quem sempre coloca ketchup na comida.

Quando bate aquela fome por um riff que fica na sua cabeça ou por um refrão tipo chiclete, aprecie “Peace”, uma das mais gostosas canções que o Weezer já preparou. É incrível como um singelo “uôôôô”, dá um sabor inesperado. É como aquele salzinho providencial que faltava na batata frita. “We Are All On Drugs” é uma crítica aos junkies de plantão, que se alimentam pouco (ou em demasia, dependendo da substância). Rivers Cuomo despeja forte teor de ironia e a digestão é satisfatória, canção um pouco mais agitada, como aquelas bebidas mais energéticas.

Um pouco mais de açúcar e surge “The Damage in Your Heart”, onde recomenda-se uma audição sem exageros, até porque o refrão é demasiadamente saboroso e de rápida contemplação. A banda prossegue sedenta por ser a cereja do bolo e não mais os alfaces que apenas escoram os tira-gostos. “Pardon Me” ainda apresenta uma “bridge” (ponte) adocicada que conduz ao refrão que faz lamber os lábios. A total simplicidade permeia a maravilhosa “My Best Friend”, letra que até uma criança de 8 anos teria preparado, que arrepia de tão direta e bela. Singela declaração de amor ao seu melhor amigo, com ótimas guitarras e aquele coralzinho que já conhecemos tão bem o sabor. Satisfaz plenamente.

“The Other Way” é outro destaque, com ingredientes da culinária loser, melodia que remete ao que a banda melhor sabe servir (com palmas incluídas). O disco nem chegou ao fim e você já fica satisfeito, valeu muito a pena. “Freak Me Out” é calma, linda e enigmática, porém simples. É um peixe saboroso, mas que você precisa se desdobrar pra não engolir nenhum espinho. A melodia é sutil e agrada, é aquela torta doce que você fingiu que não viu, mas que não resistiu, assim como a gaita no meio da canção e alguns farelos de Beach Boys que ficaram no canto do prato e você buscou com o dedo.

Você, feliz da vida, satisfeito, vai embora, mas acaba voltando pra dar aquela última e famosa “beliscada”, “Haunt You Every Day”, onde o Weezer humilha qualquer banda que posa de tristonha (e suas diet songs), mas que não tem uma grama da melancolia, ora apreciada na melodia, ora avidamente nas letras. O refrão dói de tão belo, talvez depois de tantos anos sem ingerir Weezer, deve-se ir devagar.

De qualquer forma, “Make Believe” é uma delícia, mas tome cuidado: seu uso recorrente, (trocando em miúdos:gula mesmo), acarretará no risco de você expelir certos gases provenientes da mais absoluta excitação, pois a banda enfim reencontrou sua melhor forma. Portanto, sirva-se.

– Tomaz de Alvarenga (@tomazalvarenga) é jornalista e assina o blog Contratempo

Leia também:
-”Poucas bandas me decepcionaram tanto quanto o Weezer nos últimos 10 anos” (aqui)
-Brian Bell: “Não gosto de emo – ainda que muita gente possa me odiar por dizer isso (aqui)

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