Claro Que é Rock 2005
Fantomas * Flaming Lips * Iggy & The Stooges * Sonic Youth
* NIN
por
Marcelo Costa
Fotos: Guto Costa (Divulgação)
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30/11/2005
Várias
verdades puderam ser conferidas após a edição do badalado
festival Claro Que é Rock, no último fim de semana, em São
Paulo e no Rio de Janeiro: 1) O público brasileiro é definitivamente
difícil de agradar 2) Os cariocas não prestigiam o rock 3)
Mike Patton é um mala 4) Festivais de grande porte são ótimos
para ferrar cambistas 5) Os técnicos de som brasileiros não
conseguem equalizar o som de dois palcos da mesma forma: o
som do Palco A estava beeem melhor que o do palco B 6) Iggy
Pop e Trent Reznor são fodas 7) Uma pergunta: Onde se compra
um daqueles arremessadores de confetes que o Wayne Coyne estava
usando?
Na verdade, tudo que deu certo em São Paulo não deu certo
no Rio de Janeiro. Enquanto a capital paulista viu 25 mil
pessoas circularem pela Chácara do Jóquei, em horários distintos
(é importante frisar), os cariocas colocaram apenas 12 mil
pessoas na imensa Cidade do Rock, sofreram com longos atrasos
(que não aconteceram em SP) que, por fim, causaram o cancelamento
do show da Nação Zumbi e cortes nos 'set lists' de Flaming
Lips e Sonic Youth. E enquanto era possível comprar de cambistas
por R$ 30 um ingresso para a área VIP em São Paulo, no Rio
de Janeiro teve ofertão: três ingressos por R$ 10.
No entanto, fora os contratempos do Rio de Janeiro, a edição
paulistana do evento foi praticamente perfeita. Começou às
15h com o Ronei Jorge dando partida na finalíssima do concurso
do festival (que foi vencido pelos gaúchos do Cartolas) para
pouco mais de cinco mil pessoas. Quando o festival começou
mesmo, às 19h, com o Good Charlotte, cerca de mais de dez
mil pessoas (umas cinco mil com menos de 18 anos) já caminhavam
pelo local. Ao final, 25 mil pessoas pisaram na lama de um
quase autêntico Woodstook brasileiro (ainda bem que não choveu!!!).
Tirando as imensas filas para se comprar comida e os estacionamentos
distantes, o Claro Que é Rock se mostrou um bom grande festival.
Algumas pessoas reclamaram do som (ótimo), outras do local
do festival (quem sabe preferiam a "limpeza" de um Credicard
Hall). Porém, vamos ao que interessa: música. "Nós somos o
Suicidal Tendencies", disse Mike Patton ao tomar o microfone
com sua banda, Fantomas. A rigor, como diz um amigo, o Fantomas
deve ser muuuito bom, ou então muuuito ruim. Eu fico com a
segunda hipótese. Um crossover inaudível dos piores clichês
de punk e metal aliados a barulhinhos eletrônicos. Uma brincadeira
sem graça. Funciona como desconstrução e até tem seu valor
estético em um festival de massa, um local em que a maioria
do público refém de MTV vai ver bandas certinhas como o Good
Charlotte, e dá de cara com uma apresentação totalmente surreal,
mas é o tipo de coisa que enche o saco após dez minutos. Mesmo.
Já o Flaming Lips prometeu mundos e fundos ao público. "Vocês
vão ver o show mais foda de suas vidas", disse Wayne Coyne.
Não foi, mas com certeza foi o mais divertido e um dos melhores
de todo o festival com os Lips levando seu mundo de Disneylândia
para o palco. Uma dezena de bichinhos estilo Parmalat, confetes,
bolha de plástico, guitarrista vestido de Papai Noel, baixista
vestido de Caveira, uma loucura. Visualmente era impossível
não ser conquistado pelo mundo fantasioso de Coyne, que ainda
brindou o público com seus ótimos vídeos feitos de próprio
punho no telão (e que acabam de ganhar edição nacional via
DVD: Void 1992-2005 Video Overview In Decelebration).
Se um show de rock é diversão e entretenimento, a apresentação
do Flaming Lips foi perfeita, apesar do quesito música ficar
em segundo plano, e o vocalista ter um fiozinho de voz que
sumia a todo o momento. Mesmo assim, clássicos como She
Don't Use Jelly, Race For Prize, Fight Test,
Do You Realize? e a sensacional Yoshimi Battles
The Pink Robbots fizeram a festa do público, que ainda
pode participar de um imenso karaokê na boa cover de Bohemian
Rhapsody, do Queen, e ainda viu Coyne sacanear George
W. Bush numa cover da poderosa War Pigs, do Black Sabbath,
que encerrou a festa provando que mesmo no mundo da fantasia
é possível ser político e oportuno. Simplesmente sensacional.
Iggy & The Stooges subiram no palco A do evento dispostos
a sacanear o público. O som, altíssimo, impediu que o coro
de 20 mil pessoas cantando "Now I wanna be your dog" sobrepusesse
a excelência de barulho que saia das caixas de som. No repertório,
quase todas as pérolas dos dois primeiros álbuns clássicos
dos Stooges (The Stooges, de 1969, e Fun House,
de 1970) se alternavam para a alegria e loucura dos fãs. No
palco, os irmãos Ron (guitarra) e Scott Asheton (bateria)
contavam com a presença histórica do baixista Mike Watt, lenda
do rock norte-americano. E à frente de tudo isso o insano,
demônio, maluco e carismático Iggy Pop, que aos 58 anos se
entregou de corpo e alma para o público brasileiro. Vestindo
uma calça nacional modelo feminino de menos de 10 dólares,
Iggy passou todo o show se contorcendo, simulando sexo com
caixas de som, e incentivando o público a invadir o palco.
Cantou No Fun entre mais de quinze pessoas, que ora
tomavam o microfone de sua mão, ora o abraçavam, ora levavam
a mão ao rosto sem saber se acreditavam que estavam ao lado
de uma lenda. Ao final, não quis deixar com que os invasores
deixassem o palco, reclamou da iluminação ("Não quero saber
se vocês são da televisão ou do governo, acendam as luzes",
ordenou) e mostrou que efeitos e iluminação são dispensáveis
se você tem carisma, um bom repertório e é um cara
fodaço. Clássico.
Com a lembrança do show arrasador que a banda fez no Free
Jazz alguns anos atrás, o Sonic Youth era a certeza de uma
apresentação apoteótica. Grande engano. A rigor, existem dois
Sonic Youth desde sempre. Um legal pra caralho (de hits como
100%, Teenage Riot, SugarKane e do show
no Brasil em 2001) e outro chato demais (de inaudíveis álbuns
paralelos como Anagrama, Goodbye 20th Century
e Slaapkamers Met Slagroom). O que se apresentou no
Claro Que é Rock trazia o clima charmoso do Sonic Youth cool
soterrado pela execução e a paixão pela microfonia do Sonic
Youth chato. Em uma palavra, o show foi tedioso. Boa parte
da culpa pelo tédio pode ser jogada sobre o repertório, com
cinco longas canções do fraquíssimo Sonic Nurse, álbum
mais recente de estúdio da banda, que fecha a trilogia Nova
York iniciada com os bons NYC Ghosts & Flowers (2000)
e Murray Street (2002). Porém, mesmo canções incendiarias
como Schizofrenia e Bull on the Heather soaram
pálidas e desconfortáveis. Ao fim, a banda definiu a apresentação
com uma exaustiva e terrivelmente chata onda de microfonia
que durou longos dois minutos e meio. Acredite: o Sonic Youth
é muito foda no palco, mas não esse Sonic Youth.
Após o banho de água fria que foi a apresentação do casal
Thurston Moore/Kim Gordon, o Nine Inch Nails se revelou uma
expurgação de demônios. Em seu livro Barulho, o jornalista
André Barciski comentava sobre um show do Nirvana que havia
visto em Seattle, 1993: "Finalmente entendi o que um amigo
me falou sobre um show do Ministry. 'Foi a coisa mais violenta
que eu já vi'. Eu não entendia ou não acreditava. Agora sim
deu para pegar o espírito da coisa. A violência em questão
não é aquela coisa escrota a que estamos acostumados, com
imbecis armados de machadinhas querendo matar alguém. Ninguém
sai machucado de um show do Nirvana, mas purificado. O Nirvana
solta os bichos que existem em você". E é mais ou menos isso
que se pode dizer de uma apresentação do NIN. Uma avalanche
de bateria eletrônica misturada a porradas humanas, baixo
seqüenciado, guitarras poderosas, um jogo de luzes de palco
absurdo e por cima de tudo isso o vocal insano do maluco de
carteirinha Trent Reznor. Enquanto uns 700 gatos pingados
urravam a cada nova música, uns outros 12 mil achavam que
estavam em uma rave. Na boa, as letras surreais do gênio Trent
Reznor esperam os últimos.
No repertório do Nine Inch Nails, pouca concessão ao material
novo, do bom (mas levezinho) With Teeth (2005), representado
pela faixa título e pelas boas The Line Begins to Blur,
The Hand That Feeds e Only. De resto, Trent
resgatou porradas de seus primeiros álbuns como Sin, Head
Like a Hole e Terrible Lie (Pretty Hate Machine,
1989), March of the Pigs, Closer e a fodaça Hurt
apenas em voz e piano (Downward Spiral, 1994), e praticamente
ignorou o constantemente detonado álbum duplo The Fragile
(1999), mixando The Frail com The Wretched.
No geral, a apresentação foi monstruosa, um tiquinho "poseur"
(com instrumentos e pedestais constantemente jogados de um
lado para o outro do palco) e teve, como único ponto negativo,
o avançado da hora. Por mais que a porrada estivesse saindo
clara e alta pelas caixas de som, nem todo o público tinha
pique para pular ensandecidamente àquela altura da madrugada.
No entanto, quem questionava o NIN como headliner do festival
teve motivos de sobra para entender a escolha após um show
memorável. E o que foi Hurt? Só faltou Johnny Cash
baixar no palco...
No saldo final, o Claro Que é Rock conseguiu apagar o quase
fiasco das apresentações do Placebo no primeiro semestre,
primou (em São Paulo) por uma boa organização no geral para
um festival deste porte, e esbarrou em qualidade de shows
com o Curitiba Rock Festival, com Stooges, NIN e Flaming Lips
fazendo shows à altura de Weezer e Mercury Rev. Só precisa,
para 2006, destacar melhor as bandas nacionais.
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Tim Festival 2003 Portal Terra, por Marcelo Costa
Free Jazz 2001, por
Marcelo Costa
"Entrevista com Ronei
Jorge e os Ladrões de Bicicleta", por João
P. Barreto
"With Teeth", do
Nine Inch Nails, por Marcelo Costa
"Yoshimi Battles the
Pink Robots", do The Flaming Lips, por Julio Costello
Iggy Pop & The Stooges,
por Diego Fernandes
"Sonic Nurse",
do Sonic Youth, por Marcelo Costa
Links
Site
Oficial Claro Que é Rock
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