Personal Festival x Tim Festival
por Marcelo Costa
Fotos - Divulgação Personal Fest / Tim Festival / Rock City

maccosta@hotmail.com
17/11/2004

Novembro começou arrasando no quesito shows. Em quatro dias, entre Buenos Aires e São Paulo, assisti alguns dos melhores shows de rock do momento e alguns dos melhores da minha vida. Argentina e Brasil receberam entre os dias 05 e 07 de novembro dois dos melhores festivais de música latino-americanos da atualidade. Em Buenos Aires, o festival atendia pelo nome de Personal. Em São Paulo, Tim Festival. Duas empresas do ramo de celulares investindo imagem e grana em música que vale a pena.

Antes de entrar no quesito shows, seria legal explicar as diferenças entre um festival e o outro. O Personal aconteceu no Clube Cidade de Buenos Aires, nos dias 05 e 06 de novembro. Contando com 76 atrações, divididas em seis palcos, o Personal contou com a presença da grande maioria de artistas que bateu ponto no Tim Festival: PJ Harvey, Primal Scream, 2manyDjs, Soulwax, Mars Volta, Nancy Wilson, Bebel Gilberto, Pet Shop Boys, Kinky e Stone Love. Ausências sentidas em Buenos Aires: Brian Wilson e Libertines. O Kraftwerk se apresentou na semana seguinte na cidade. Em compensação, Electric Six, Death in Vegas, Dj Andy Smith (Portishead), Rinôçerôse, Blondie e Morrissey se apresentaram apenas no Personal Festival.

Como estrutura, o Tim Festival é bem melhor. O Personal funciona da seguinte maneira: o preço do ingresso é 60 pesos (100 para as duas noites) e a pessoa pode ver o show que quiser, em um formato bastante semelhante ao dos festivais europeus. Os dois principais palcos (Main Stage e Motorola Stage) são ao ar livre e os outros quatro em tendas menores. A vantagem da estrutura do Tim Festival é que o local fechado melhora a acústica do show, sem contar que o público máximo de um palco é de 4 mil pessoas (caso dos shows de Primal Scream e PJ Harvey) e 2 mil pessoas (Libertines). No Personal, tive que "dividir" a PJ Harvey com mais 20 mil pessoas...

Algo que incomodou bastante no primeiro dia do Personal foi a qualidade do som. O posicionamento das caixas nas laterais do palco fazia com que o som pudesse ser ouvido de forma decente apenas em alguns locais da platéia. Isso sem contar que o som do Motorola Stage invadia, vez em quando, o Main Stage. No Tim, nenhum desses problemas aconteceu. No show do Libertines, por exemplo, era possível ouvir com máxima clareza o som do baixo e da bateria, a guitarra solo e a guitarra base. É por essas e outras que PJ se despediu de SP com o coração enlevado. Em Buenos Aires, a roqueira também arrasou, mas um festival ao ar livre não consegue ser tão intimo quanto um ambiente fechado. Ponto para o Tim. Porém, tem coisas que só os portenhos podem fazer por você. E no capítulo dos "momentos inesquecíveis que o rock pode proporcionar a alguém", agora posso dizer: eu vi Stephen Patrick Morrissey e ele cantou There Is a Light That Never Goes Out.


LA TRASTIENDA, 04/11/04, BUENOS AIRES


A festa rock'n'roll na terra de Maradona teve um excelente aquecimento. O trio de bandas portenhas The Tormentos, Tandooris e Satan Dealers dividiu o palco do charmoso La Trastienda para uma deliciosa noitada de guitarras na primeira balada em terras argentinas.

O The Tormentos abriu a festa com riffs de surf music selvagem. O quarteto estava mostrando músicas de seu recém lançado segundo álbum, Grab Your Board (Scatter Records), e mostrou ser muito querido pelo público local. Todas as canções são instrumentais e seguem na escola Astronauts, Phantom Surfers e Dick Dale & The Ventures. O baixista Marcelo Di Paula organiza o barulho, enquanto Coco Rainoldi fica responsável pelas batidas secas e o duo Ivo Culebra Paul e David Chirico se alterna nos riffs praieiros. Na seqüência, o Tandooris mostrou um rock retrô bastante influenciado pelos sixties, mas com as palhetas marcando a virada dos 70. A semelhança com o comentado Jet é bem-vinda, muito embora os portenhos tenham mais pegada e sejam mais barulhentos. O Tandooris é uma das bandas portenhas preferidas de Marco Butcher, do Thee Butchers' Orchestra. Não é preciso falar muito sobre a banda após este adendo.

Para fechar a noite, Satan Dealers. Uma das coisas que me chamou a atenção no La Trastienda é que as pessoas assistem aos shows sentadas. O local (que havia recebido Stephen Malkmus uma semana antes e iria receber Ed Motta na semana seguinte) é preenchido por mesas nas pistas, deixando as duas laterais e um mezanino livres para caminhar, papear e azarar. Pouco antes da entrada do Satan Dealers, o
La Trastienda já estava tomado, o que impressiona, visto que uma tempestade acabará de cair sobre a cidade. Bastou abrirem as cortinas para que a turma do gargarejo tomasse a frente do palco e fizesse do ambiente um verdadeiro pub de rock.

Eu já havia assistido ao Satan Dealers em São Paulo, na Funhouse. Naquela ocasião, porém, a banda de abertura (Last Pain) havia roubado a noite. O palco pequeno da Funhouse não conseguiu abrigar os cinco integrantes da banda e o vocalista Adrian cantou quase que todo o show no meio da galera. Em Buenos Aires, porém, foi um outro show. Com muita gente cantando as letras das músicas do álbum The Brighttest View de cor, o show começou a parecer antológico na cover de Bette Davis Eyes, de Kim Carnes. Cerveja para o alto, gente sem camisa, matadores solos de guitarra e o vocalista baixando o microfone até a turma do gargarejo, para engrossar o refrão de algumas músicas foram alguns dos grandes momentos de um excelente show de rock. Ao final, o público não deixava a cortina ser fechada. O dono do local não teve outra saída a não ser pedir para o grupo voltar e saciar o vício roqueiro com uma acachapante versão de Moonage Dream, de quando David Bowie atendia por Ziggy Stardust. Inesquecível.


PERSONAL FESTIVAL, 05/11/04, BUENOS AIRES


Logo na entrada, moleques distribuíam flyers da première em terras portenhas do filme La Fiesta Interminable (24 Hour Party People). O tempo nublado fazia prever chuva. E ventava. Não poderia ser pior para quem tinha um encontro com Polly Jean Harvey em um espaço aberto. Mas a chuva não veio, o céu se abriu e estrelas iluminaram a noite. Mas continuou ventando, e muito. Minha idéia, neste primeiro dia, era dispensar os DJs que se apresentariam em várias tendas (eu já estava um bagaço pelas caminhadas na cidade) e me concentrar no quarteto principal do Main Stage: Electric Six, Mars Volta, PJ Harvey e Primal Scream.

Chegamos ao Main Stage quando os portenhos do Miranda (muito elogiados pelas portenhas Rolling Stone e Los Inrockuptibles) deixavam o palco. Não deu para avaliar o barulho, mas deu para sacar que eles nada têm a ver com o Cansei de Ser Sexy, comparação que ouvi alguém comentar. Na seqüência, o Electric Six tomou o palco e fez um showzinho fraquinho. O vocalista lembra a cara de George W. Bush. Melhor: ambos lembram o Alfred Neuman, da revista MAD. O banda gastou meia hora com canções de riff metalizados, sem dizer a que viera. Ali pelo final, tocaram os hits Danger - High Voltage, Gay Bar e a cover de Radio Ga Ga, do Queen, encerrando uma apresentação monótona.

Neste momento, encarei o burburinho da turma do gargarejo para tentar assistir ao show de PJ Harvey de um local mais próximo. O problema é que antes precisei admirar o Mars Volta por longuíssimos 50 minutos. Formado por dois ex-integrantes do At The Drive In, mais gente nova, o Mars Volta impressiona como performance, mas pilha todos os clichês mais execráveis do rock de arena e progressivo do início dos anos 70. O guitarrista alterna longos solos com delicados dedilhados enquanto o vocalista faz malabarismos com o microfone, malhando o instrumento nas costas, nos pés e nos pratos da bateria. Dez minutos de show já estavam de muito bom grado, mas a banda ficou mais quarenta, recebendo ao final o redhotchillipepper John Frusciante para uma jam session. Desculpem-me os fãs, mas foi um tortura. A recompensa é que quando começaram a preparar o palco para a dama PJ Harvey, eu já estava na grade, em frente ao microfone da deusa...

Ao contrário de São Paulo, em que tocou com um bonitinho vestido vermelho, em Buenos Aires PJ Harvey entrou vestida com um macacão verde (ahhhhhh) berrando Who The Fuck?, primeiro single de seu último disco, Uh, Huh, Her. Polly Jean alternou várias canções novas com hits como Big Exit, This is Love e Angelene. O show tinha tudo para ser perfeito se não fosse o som ruim na frente do palco. A turma do gargarejo ouvia mais as caixas de retorno do que a fileira de caixas ao lado do palco e minha paciência durou sete músicas. Insatisfeito com o som, procurei um local melhor, onde pude ouvir uma acachapante versão de To Bring You My Love. Não teve Down By The Water (apaixonante em São Paulo), C'Mon Billy nem Rid of Me, mesmo assim, PJ Harvey deixou o palco sorrindo sob calorosos aplausos do público.

Enquanto preparavam o palco para a entrada do Primal Scream, a comitiva brasileira decidiu se abastecer de pizzas. O local do rango ficava ao lado do Motorola Stage, o que fez com que a turma assistisse cinco músicas do Pet Shop Boys enquanto aguardava a comida. Divertido e só. Voltando ao Main Stage, o Primal Scream fez névoas de barulho sobrevoarem os portenhos. Pela altura do som, até a fronteira deve ter ouvido o show do Primal Scream. Como tocar alto não significa tocar bem, a turma de Bobby Gillespie não impressionou muito. No som totalmente embolado que saia das caixas, o bass hero Mani era o grande destaque. Mani arrastava tudo com seus agudos, sobrepondo, inclusive, a guitarra barulhenta do My Bloody Valentine Kevin Shields. Toneladas de hits quase que passaram desapercebidos pelo público, que só reconhecia as músicas nos refrões, caso de Swastika Eyes, Rise e Movin'on Up. A roqueira Rocks pareceu que iria colocar as coisas no lugar, mas a tosqueira atrapalhou tudo. No primeiro bis, a cover de Kick Out The Jams, do MC5, mostrou a carta de intenções do grupo, interessado mais em fazer barulho do que fazer música. Não fiquei para ver o terceiro bis...


PERSONAL FEST, 06/11/04, BUENOS AIRES


A noitada anterior havia sido longa. O dia turístico havia sido cansativo. O vento continuava forte. O sono batia a porta. Porém, nada disso pode me afastar do Clube "Fora da" Cidade de Buenos Aires, no sábado. No roteiro, a idéia era ver Blondie e Morrissey no Main Stage, dar uma escapadinha e ver Death in Vegas no Motorola Stage e fechar a noite pulando ao som da discotecagem do duo 2manyDjs, no Mobile Stage. Talvez até desse para dar uma olhadela no Andy Smith, DJ da lenda Portishead, no palco La Isla...

Cheguei no festival na noite de sábado aproximadamente às 21h. No dia anterior, havia pisado no local às 19h. O Blondie estava marcado para entrar às 21h15, mas os atrasos fizeram com que a banda começasse a tocar quase que às 21h45. E foi um ótimo show. Sra Debbie Harry mostrou carisma, um repertório de hits, excelente voz e belas pernas em uma apresentação cujo único defeito talvez tenha sido a ausência do hit Heart of Glass, provavelmente guardado para o bis, que não aconteceu (nenhuma das bandas de "abertura" teve direito ao bis). Mesmo assim, canções como Dreaming, Rapture, Hanging On The Telephone e Maria conquistaram o público.

Entre um show e outro, bisbilhotei a apresentação do Death in Vegas, muito mais eletrônica do que nos discos. O público parecia curtir, mas não me impressionou. Na volta, um enorme pano brilhante colocado atrás do palco dava o recado: Stephen Patrick Morrissey está no local. O público, cerca de 20 mil pessoas, aguardava ansiosamente a entrada do mito. Bastou um barulho no palco para a correria movimentar o Main Stage. Era apenas a introdução ao show, marcando a entrada da banda e do vocalista. Antes de abrir a boca, Morrissey reuniu o grupo na frente do público e se curvou em sinal de agradecimento. Suas quatro primeiras palavras: "Cry for me, Argentina". O local foi ao delírio.

Vestido de reverendo, (uma roupa toda preta com um pequeno detalhe branco na gola), Morrissey arrasou com cinismo, clássicos dos Smiths e extremo bom humor. O que dizer de um show de Morrissey cuja segunda música é How Soon Is Now?, a quinta é Bigmouth Strikes Again e a última (ou décima sexta, como quiseres), There Is A Light That Never Goes Out? No território The Smiths ainda teve Shoplifters Of The World Unite e Rubber Ring, além de clássicos solo como November Spawned A Monster, Everyday Is Like Sunday, Such A Little Thing Makes, Such A Big Difference e The More You Ignore Me, The Closer I Get e novas como Irish Blood, English Heart e I Like You.

Porém, o que mais impressionou foi o cinismo, o sarcasmo e o excelente humor de Morrissey. Uma canção após pedir para que os argentinos chorassem por ele, emendou, entre risos: "Eu gostaria de dizer que fizemos um show em nosso lugar favorito... Santiago". A vaia geral dos portenhos só fez o cantor rir mais. Adiante, outra brincadeira: "Eu vendo muitos discos em Santiago, vendo muito em Montevidéu, e em Buenos Aires eu vendi apenas uma cópia". Mais para frente, antes de apresentar a próxima música: "Seria uma idéia horrível, mas, Let Me Kiss You". Reclamou do microfone: "Não consigo me ouvir daqui, minha voz parece com a de um sapo. Vocês sabem que eu sou um sapo, não sabem?". E fez mais: engrossou o coro de Morrissey-Morrissey-Morrissey puxado pela platéia, claro, sarreando. Disse que a banda não merecia tanta bajulação, ia à beira do palco apertar a mão de quem era retirado do burburinho e, ao apresentar o grupo, finalizou: "E eu sou Jean Cocteau", em alusão ao cineasta francês dos anos 20 e 30 que inspirou o nome do grupo Cocteau Twins.

No momento sério da noite, repetiu, duas vezes, pedindo para que o público prestasse atenção: "Há algo que eu não consigo parar de pensar. Há algo que eu não consigo parar de pensar: Quem irá nos salvar de George W. Bush?", emendando The World Is Full Of Crashing Bores, do disco novo. Em pouco mais de uma hora e meia, Morrissey mostrou que os brasileiros perderam muito com sua ausência no País. É duro admitir, mas os argentinos se deram bem nessa.


TIM FESTIVAL, 07/11/04, SÃO PAULO


Após dormir quase duas horas no hotel, cochilar na sala de embarque do aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, e acordar às 13h no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, o corpo ainda pedia cama. No entanto, dois momentos especiais para a música neste sofrido País estavam agendados para a noite: a lenda Brian Wilson e o badalado The Libertines iriam agitar o Jockey Clube de SP, na última noite do Tim Festival 2005.

Ancorado no recém-lançado Smile, após 37 anos, o velhinho Brian Wilson aportava na cidade querendo o público do palco Stage inteirinho para si. O local, decorado com mesas, receberia a super banda que acompanha o ex-Beach Boys há mais ou menos cinco anos. O ingresso trazia o local da minha mesa: M1, no meio do salão, local em que daria para ver o palco e o telão, sossegado. A minha frente, na fila L, a comitiva da organização do festival (Monique Gardenberg, Hermano Viana e outros) aguardava ansiosamente a aparição de Brian Wilson. Lá na primeira fila, os paralamas Herbert, Bi e Barone, de um lado, e o ministro Gilberto Gil, do outro, também marcavam presença. E o show foi algo que dificilmente será esquecido.

Em uma seqüência de clássicos arrebatadores, Brian Wilson quase que foi culpado por uma inundação no Stage, tamanho era o número de pessoas chorando no local. Em um momento único da música pop mundial, o Brasil pôde assistir ao show de um dos maiores músicos de todos os tempos. Não é pouco. Visivelmente detonado pela época áurea de consumo excessivo de drogas, Brian Wilson se posta no centro do palco, sentado a frente de um teclado Yamaha que será pouco usado durante o show, e que serve de suporte para duas telas que lembram ao gênio (de memória afetada) as letras das músicas que ele irá cantar.

Neste momento, eu já havia entornado quatro caipirinhas de abacaxi e já estava sentado, com alguns amigos, na fileira C, pertinho do palco. Não precisou muito para que meus olhos ficassem marejados. O começo com Sloop John B, do clássico Pet Sounds, California Girls e Your Imagination (do bom disco solo Imagination, de 1998) já começou a abalar as estruturas emocionais do público, porém, quando começaram a pintar os clássicos incontestes ali pelo meio do show, foi difícil honrar o ditado que diz que homem não chora. Don't Worry Baby, I Get Around, Wouldn't It Be Nice (uma das minhas cinco canções preferidas em todos os tempos) e God Only Knows (a preferida de Paul McCartney) funcionaram como o sol de 40 graus derretendo gelo no asfalto.

Não parou por ai. Um dos músicos chega ao microfone a diz que irá começar a sessão Smile. Our Prayer e Heroes and Villains preenchem o ambiente. Algumas pessoas não conseguem ficar sentadas. Quem estava no fundo do salão vem para frente, engordando as fileiras laterais. Ao final de Heroes and Villains, a banda pára, conversa, e anuncia a próxima música: Add Some Music To Your Day. Quem esperava ouvir a integra de Smile recebe uma ducha de água fria, porém, a banda não deixa o clima esfriar e engata uma sucessão de hits que faz o público levantar e ir até a beira do palco: Good Vibrations, Do It Again, Help Me Rhonda, Barbara Ann, Surfin' USA e Fun, Fun, Fun arrancam sorrisos dos presentes. Trinta músicas depois início do show, a banda se despede. O público clama a volta de Brian Wilson, e ele retorna. Diz não para o rock'n'roll, não para os instrumentos, e apresenta, ao som de vocalizações da banda, Love & Mercy. O show acaba. Difícil traduzir em palavras um dos melhores eventos musicais da vida de uma pessoa...

Porém, a noite não terminou. Um convite no bolso aponta para o palco Lab. É lá que os paranaenses do Grenade arrasam em uma apresentação roqueira. Só consegui ver duas músicas, mas deu para ter uma noção da avalanche sonora do grupo. Ainda que eu prefira os primeiros discos da banda, é inegável que o formato "banda" deu uma nova (e mais pesada) cara para o Grenade, perfeita para apresentações ao vivo. Entre um show e outro, recadinhos no telão dão conta que John Frusciante foi barrado na alfândega e não poderá participar do show do Mars Volta. Alias, ponto para a Rede Globo. Por provável determinação da emissora, que iria transmitir ao vivo o show do Libertines, os ingleses foram colocados antes do Mars Volta, que ficou como última banda da noite. Desta forma, não fui "obrigado" a suportar o Mars Volta enquanto aguardava o Libertines. Boa.

A molecada britânica entrou com uma tarefa difícil no palco. Embora metade do local já estivesse pronto para render elogios ao show antes mesmo dele ter começado, a outra metade vinha do palco Stage, anestesiada pela antológica apresentação de Brian Wilson. Entrei no Lab apenas para cumprir tabela, com as solas dos pés doloridas, os joelhos esbugalhados e uma vontade imensa de ir para casa, tomar um banho e dormir cinco dias seguidos. Mas não é que o Libertines fez um bom show de rock! Primeiro ponto a favor: bateria e baixo soam muuiiiito melhores ao vivo. No lado esquerdo do palco, John Hassall (baixo) encara a audiência com ar blasé. Sussura algumas coisas ininteligíveis ao microfone (é o único a se dirigir ao público), mas faz seu serviço direitinho nas quatro cordas. Gary Powell (bateria) faz pratos e peles ecoarem no ambiente. No momento em que uma corda da guitarra de Anthony Rossamondo (que vem substituindo o junkaço Pete Doherty na turnê) arrebenta e ele precisa trocar de instrumento , Powell improvisa um solo de bateria, culminando em um samba de avenida. O público, a maioria indie, urra.

Porém, por mais que o trio de instrumentistas ganhe destaque no show, o grande nome da banda é o guitarrista e vocalista Carl Barât. O cara canta bem, encara o público e não deixa escorregar um sorriso em nenhum momento do show. Quase duas mil pessoas cantam e aplaudem suas canções e ele permanece ali, na dele, como se tivesse tocando em um boteco, pose cool e certeza do que está fazendo. O show é musicalmente impecável. O repertório privilegia o primeiro disco, praticamente tocado (e cantado pelo público) na integra. Apenas algumas músicas (acho que quatro... ou cinco) do recém-lançado (e bem melhor) The Libertines marcam presença no show. Do jeito que o público estava nas mãos, se eles tivessem tocado uma música dos Paralamas do Sucesso, o público iria urrar do mesmo jeito. Mesmo assim, descontado o impacto do show do Brian Wilson, o Libertines fez um excelente show, que justifica todo o blá blá blá em torno da banda. Só deviam ter tocado mais músicas novas...

Como você imagina, caro leitor, ao chegar a este último parágrafo, eu não fiquei para ver o Mars Volta, novamente. Uma debandada deixou o local com pouco menos da metade do público. Na hora que a banda começava a martelar microfones nos pratos da bateria eu já devia estar saboreando um pedaço de pizza de pepperone, no Village, me preparando para ir para casa e descansar a cabeça de quatro noites inesquecíveis de rock'n'roll. Se todo fim de semana fosse assim... eu não iria durar três meses...

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