por Leonardo Vinhas, especial para o Scream & Yell
Em 2006, um pequeno selo de Goiás lançou um álbum em homenagem a um cantor que, embora tivesse sido um dos maiores vendedores de discos do Brasil décadas antes, então encontrava-se relegado a uma estranha e injusta “nostalgia do brega”. O disco, porém, conseguiu aquele que é o objetivo declarado de quase toda iniciativa desse tipo: chamar atenção para o valor da obra do homenageado, ao mesmo tempo que destaca os artistas participantes.
O álbum se chamava “Vou Tirar Você Desse Lugar”, o selo era a Allegro Discos, e o homenageado não era outro senão Odair José. Entre os participantes, havia nomes já consagrados (Zeca Baleiro, Pato Fu, Paulo Miklos) e veteranos do underground (Picassos Falsos, mundo livre s/a), mas o grosso do projeto contava com nomes até então pouco conhecidos fora do circuito indie, como Suzana Flag (PA), Terminal Guadalupe (PR), Volver (PE), Columbia (RJ), e outros. Eram 18 faixas – duas ficaram de fora por terem chegado após a master ter sido mandada para a fábrica – e o resultado foi um dos melhores discos-tributo já feitos no país.
A bem da verdade, a “reabilitação” da obra de Odair José já havia se iniciado a partir da publicação de “Eu Não Sou Cachorro, Não”, livro poderoso de Paulo Cesar de Araujo lançado em 2002. A obra do historiador baiano procurava entender porque alguns dos cantores mais populares do Brasil foram varridos para fora da historiografia “oficial” da MPB em detrimento de nomes menos populares do período (Gil, Caetano, Chico… você sabe de quem estamos falando). Mostrava, ainda, que esses cantores haviam sido tão perseguidos pela Censura e pela ditadura quanto outros medalhões. Embora falasse ainda de outros grandes cantores, como Paulo Sérgio, Fernando Mendes, Agnaldo Timóteo e outros, era a obra de Odair que sobressaía no livro.
O livro de Araújo (que, inclusive, assina o texto do encarte de “Vou Tirar Você Desse Lugar”) e o disco da Allegro ajudaram não apenas o público a rever a obra de Odair José sob outra luz, mas também fizeram o mesmo para o próprio Odair. E o Scream & Yell foi conversar com vários dos personagens envolvidos nesse projeto para contar sua história. E melhor de tudo: lançar, com exclusividade, as duas faixas que ficaram de fora do álbum original. Mas vamos por partes. Antes de chegar lá, vamos entender como tudo começou.
SANDRO BELO (fundador da Allegro Discos, diretor geral e produtor executivo do tributo): Coleciono vinil desde os anos 1980, e a ideia que eu tinha originalmente era reproduzir o que se faz lá fora, com muitos selos pequenos fazendo um garimpo no catálogo das grandes gravadoras e relançando bons discos para nichos específicos. Porque tinha muita coisa no Brasil que podia ser relançada, e saía muita coisa de MPB, de bossa nova, mas da música que as pessoas chamavam de “brega” saía muito pouco. Eu pensei em relançar coisas desse nicho, que prefiro chamar de cafona, e também coisas menos conhecidas de samba, rock, bossa nova…. Mas quando eu vou bater nas portas da Universal, da Som Livre e de não sei quem mais, era tudo muito burocrático. Além disso, eu não era uma pessoa do meio: sou economista, e não tinha as conexões que um jornalista ou alguém do meio já tem. Quando me dei conta, estava com uma empresa aberta, toda a documentação certa, mas que ainda não tinha conseguido nenhum relançamento. Eu queria começar pelo álbum do Odair de 1973 (nota: chamado apenas “Odair José”, é o álbum de maior sucesso comercial do cantor). Mas como não estava rolando, pensei: “vamos lançar um tributo!”
A ideia de Belo era destacar o caráter roqueiro e popular de Odair José. Ele via a música do compositor como cheia de camadas, e gostaria de destacar isso, sem que em momento algum as versões descambassem para um lado caricato, ou descaracterizassem demais as originais. Para isso, ele tomou algumas precauções.
SANDRO BELO: Eu tinha um questionariozinho para os artistas convidados. Quem respondia com uma abordagem meio, “Ah, é legalzinho, uma coisa meio excêntrica”, eu descartava. Só chamei quem gostava de verdade, que tivesse pelo menos um pouco de influência dele no trabalho. Também havia a ideia de ser o mais diverso possível, ou seja, trazer artistas do país todo. Não fazia sentido ter quem levasse as coisas na brincadeira, como foi o caso daquela versão do Los Hermanos pra “Vou Tirar Você desse Lugar” – que, vá lá, foi feita para uma comédia (nota: a versão consta na trilha de “Casseta & Planeta? A Taça do Mundo É Nossa”, de 2003), mas eu não gosto daquilo. Também não tinha sentido ter uma versão heavy metal, por exemplo. O ideal era que os artistas respeitassem o original, mas também deixassem a assinatura deles. E praticamente todo mundo fez isso. Pega o Leela, por exemplo: eles pegaram uma música bonita (“E Ninguém Liga pra Mim”), botaram mais peso, mas a melodia, a essência, está tudo lá.
As bandas foram escolhidas por Belo e por Geraldo Alves dos Santos Júnior, que também exerceu a coordenação técnica do projeto). Houve escolhas certeiras, recusas e surpresas de última hora. Entre esses nomes, alguns pareciam perfeitos para a empreitada, como o Pato Fu. Outros vieram do garimpo e da atenção que os curadores dispensavam para toda a cena independente nacional.
FERNANDA TAKAI (vocalista, Pato Fu): Acho que algum amigo em comum passou nosso contato pro Sandro, da Allegro, e de imediato achamos a ideia muito boa! A gente tinha liberdade pra escolher a música e produzir em nosso estúdio em Belo Horizonte. Fomos ouvir o primeiro disco do Odair, pois geralmente as pessoas acabam buscando canções muito conhecidas e deixam passar algumas canções singelas. “Uma Lágrima” foi a primeira música que ele fez, né? Soubemos que Odair ficou emocionado ao ouvi-la na versão do Pato Fu, acho que ele não esperava que alguém a escolhesse. Eu gosto da simplicidade pop, quase ingênua dela.
TATÁ AEROPLANO (Jumbo Elektro, vocalista): Desde garoto eu tinha uma relação com a obra do Odair. Eu passei a infância em Tuiuti (SP), um município que na época pertencia à Bragança Paulista, e meu pai sempre foi de escutar som. Em casa tinha Raul Seixas, Odair José, Novos Baianos… Então o convite foi super bem-vindo! O Sandro apresentou pra gente “A Noite Mais Linda do Mundo”, e aceitamos na hora. Pra fazer a versão, eu a tirei no violão, mas peguei uma harmonia um pouco diferente. Mexemos um pouco na melodia, fizemos uma pré-produção e fomos pro estúdio gravar com o Artur Joly, que tinha produzido nosso primeiro disco (“Freak to Meet You”, de 2004).
ELDER FERNANDES (Suzana Flag, guitarrista e vocalista): Em 2006, a gente estava num momento muito bom do rock paraense. A cena era forte no Brasil, e pegou com força no Norte também. O Brasil estava um pouco mais aberto para ver que tinha coisa acontecendo por aqui, e o Suzana Flag estava inserido nisso. O convite veio disso, dessa vontade de olhar para o que estava acontecendo no Norte, A Secretaria de Cultura daqui também investia bastante, tinha o trabalho que a Funtelpa (Fundação Paraense de Radiodifusão), que era a TV e rádio estatal. Essa geração dos anos 2000 trazia um lance radiofônico muito forte, meio que inédito por aqui, de certa forma. E aí essa coisa da música brega, que tem muito por aqui, também pesou, apesar de eu achar que o Odair José é um artista de rock tomado como brega. Foi esse momento expressivo da cena daqui que nos ajudou a estar nessa coletânea. Eu queria que tivéssemos feito “Eu Queria Ser John Lennon”. Mas ela já tinha sido escolhida [pelo Columbia], então preferimos “Vida que Não Pára”. Eu adoro essa música, cara! Mantivemos a base do arranjo, a linha de baixo é a mesma.
ARTHUR DE FARIA (Arthur de Faria e seu Conjunto, pianista e vocalista): Não fomos convidados (risos). Mas quando eu soube que estava rolando esse tributo, eu escrevi pro Sandro e disse: “não tem nenhuma possibilidade de você fazer esse disco sem eu e minha banda, pois nós todos somos muito fãs do Odair”. E é uma coisa curiosa, porque eu venho de um universo muito cabeça, de música de concerto, os mineiros – Milton Nascimento, Clube da Esquina – Arrigo Barnabé, essas coisas. Mas sempre vi uma força no Odair, acho ele muito diferente dos outros que são rotulados de “bregas”. Pra mim, ele sempre foi muito mais o Bob Dylan da Central do Brasil do que o terror das empregadas. E curiosamente, com essa banda que eu tinha na época, Arthur de Faria e seu Conjunto, era tudo ainda mais cabeça que eu: um até era roqueirão, mas os outros eram músicos de orquestra, gente do jazz, ninguém gostava de música pop. Mas todo mundo gostava do Odair. As únicas coisas que a gente tinha em comum no gosto eram Bjork e Odair José (risos). E aí o Sandro disse: “faz uma demo aí e manda. Se eu curtir, entra”. E foi o que a gente fez (com “Uma Vida Só (Para de Tomar a Pilula”), e ele aprovou.
HUMBERTO EFFE (Picassos Falsos, vocalista): Eu não lembro bem como pintou o convite, mas acho que foi o Sandro que entrou em contato com o [Luiz Henrique] Romagnoli, que era o baixista na época. Veio bem a calhar, porque a gente estava lançando nosso terceiro disco naquela época, já meio que cristalizando aquilo que tinha sido “Supercarioca” (nota: segundo disco da banda, lançado em 1988). Esse terceiro (“Novo Mundo”, de 2004) era mais voltado para a música brasileira, era menos “de banda”, com várias músicas que eu tinha levado prontas ou feito para outros parceiros, tinha outras linguagens musicais. E era também o momento em que estávamos nos colocando no mercado independente, era um outro momento da nossa história. Então a participação no tributo foi importante, e abriu um caminho, não só pro Picassos como para mim, para começar a pensar em fazer releituras.
SANDRO BELO: A participação do Picassos Falsos é um tributo dentro do tributo. Queriam que eu colocasse a versão do Los Hermanos, da qual particularmente não gosto, mas os Picassos Falsos eram uma das grandes referências do som do Los Hermanos, embora eu não saiba se eles reconhecem isso ou não. Mas enfim, os Picassos estavam retomando a carreira, são uma grande banda, e achei por bem chamá-los. E a versão deles (para “Essa Noite Você Vai Ter que Ser Minha”), ficou bacaníssima.
ARTHUR DE FARIA: Eu adorava “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)”, porque é a minha preferida, junto com “Revista Proibida” e “Vou Tirar Você desse Lugar”. A ideia do arranjo era fazer uma coisa muito chique, mas muito falada, com a coisa do sax barítono, e tal, mas ao mesmo tempo ir mudando o tempo todo, que era uma coisa que a banda fazia muito e eu gosto de fazer até hoje. Por isso a música vai pesando até o final. Não me lembro de quem teve a ideia de misturar com “Hey Jude”, e ficou uma coisa meio polirrítimica, em que a harmonia não fecha exatamente, dá umas estranhezas propositais. Coloquei também uns acordes estranhos onde achava que eles tinham que entrar, e foi isso. A repercussão foi incrível. Gosto de pensar que somos 1/18 de colocar o Odair na roda de novo, que ajudamos a recolocá-lo no lugar em que ele sempre deveria ter estado, que é o de um gênio em seu gênero. Assim como Tom Jobim é um gênio da música sofisticada e o Paul McCartney é um gênio do pop, o Odair é um gênio dessa música super popular. Em alguma entrevista, o Sandro falou que essa é a faixa da qual ele mais gostou, e eu fiquei muito emocionado com isso.
HUMBERTO EFFE: A ideia era fazer uma experiência, a gente se colocar ali e dar a nossa visão. E foi uma coisa muito especial. Comecei a fazer esse arranjo no estúdio do Dado Villa-Lobos e ficou muito interessante. A gente tentou fazer uma coisa com uma bateria rodando, com a voz alta, puxar pela sensualidade da música, pelo erótico que ela tem, e ficou uma leitura muito particular. Isso nos incentivou a buscar mais coisas assim, tanto a banda como eu solo. Tínhamos um projeto chamado Hipercariocas, em que a gente tocava ao vivo durante várias noites num lugar chamado Melt, no Leblon. Ali a gente tocava João Bosco, João Nogueira, Martinho da Vila, Sérgio Sampaio – de quem eu faço um tributo atualmente. Tinha também Luiz Melodia, Ismael Silva, era uma época em que a gente estava entrando nessa experiência de releituras de artistas que tinham a ver com a gente. Foi uma coisa muito casada [com o momento da banda], por isso até que está tão sincera a nossa gravação do Odair José.
SANDOVAL SHAKERMAN (vocalista, Shakemakers): Na época, o Shakemakers estava em ascensão em Goiânia, mas ainda não tinha nada gravado. Nem gravadora (risos). Quando o Sandro foi colocar esse disco na rua, disse pra gente que nossa participação estava certa, só tinha que escolher a música. A banda tinha uma pegada de hard rock, bem rhythm & blues, e a gente queria dar essa pegada em “E Ninguém Liga pra Mim”. Ia dar uma pegada meio Aerosmith: (canta, à Steven Tyler) “eu não sei o que fazer da minha vida…”, saca? Mas o Leela já tinha pegado. E aí eu vi que ninguém da lista tinha pegado música d’”O Filho de José e Maria”. Até estranhei: tinha banda ali com uma pegada mais psicodélica, mais alternativa, tinham tudo pra pegar músicas desse disco, mas não pegaram. Falei: “pô, vai ter que ser eu, né?” (risos) Peguei a música de abertura porque ela tem uma cara mais hard rock. Ela não é a melhor música do álbum – essa, pra mim, seria “O Casamento” – mas eu senti que ela tinha a ver com a proposta da nossa banda da época. Foi minha primeira gravação profissional, não foi minha melhor performance vocal (risos), mas ela ficou boa. A primeira versão que fizemos tinha um solo de guitarra que imitava cítara, mas aí esse guitarrista saiu, e o Luiz Maldonado fez o solo, e ele tem uma influência de sax, ele pensa a guitarra como se fosse metais, e isso deu uma cara meio fusion.
RODRIGO BRANDÃO (guitarrista, Leela): Elaboramos uma parte instrumental para iniciar a música, de modo que ficasse com nossa cara, e nela incluímos um arranjo de theremin. Essa parte deu uma variação de dinâmica e impacto mais intensa na gravação. Experimentamos e usamos efeitos e modulações nas guitarras e vocais dos refrões para contrastar com o vocal doce e melodioso da Bianca nos versos. No final, brincando com a letra do refrão, terminamos meio que largando os instrumentos e suas notas já que “ninguém liga pra mim”.
Outros participantes do disco incluíram Mombojó (“Ela Voltou Diferente”), Poléxia (“A Maçã e a Serpente”), Terminal Guadalupe (numa ótima recriação ramonesca de “Que Saudade Você”) e Zeca Baleiro (“Eu, Você e a Praça”), que depois viria a produzir discos de Odair e lançá-los pelo seu selo Saravá Discos, entre eles “Dia 16” (2015), que marcaria a guinada do compositor goiano rumo a uma sonoridade mais guitarreira.
Desde o ínicio, havia a intenção de usar “Vou Tirar Você desse Lugar” como título do álbum, e a escolha do intérprete dessa faixa demandava um cuidado especial. Sandro Belo lembra que foi Geraldo Alves dos Santos Júnior quem propôs o nome de Paulo Miklos, levando em consideração principalmente seu timbre de voz. Miklos ainda estava nos Titãs, mas já tinha sua carreira solo. Ele recrutou o produtor Rick Bonadio (que três anos depois produziria o infame “Sacos Plásticos”, frequentemente apontado como o pior álbum dos Titãs), e juntos fizeram o arranjo. O resultado foi excelente, e a faixa chegou até mesmo a soar em algumas rádios de perfil mais pop/rock da época
Pode-se argumentar, em discos desse tipo, se um artista foi mais ou menos feliz que outros. A repercussão geral, porém, foi a de que, guardadas as preferências individuais, o disco mantinha um nível alto, honrando o homenageado e despertando a curiosidade pelas bandas participantes. Havia, porém, uma unanimidade em apontar a pífia versão eletrônica do mundo livre s/a para “Deixe Essa Vergonha de Lado” como a única exceção à qualidade geral do álbum. Como ficou provado na maior parte das empreitadas em que participaram, Fred 04 e sua turma não costumam acertar muito a mão quando reinterpretam canções alheias.
Dentre os que trouxeram mudanças, Sandro Belo gosta de destacar o trabalho de Columbia (“Eu Queria Ser John Lennon”), Jumbo Elektro (“A Noite Mais Linda do Mundo”) e Los Pirata (“Cotidiano no 3”). “Eles mudaram, deixaram com a cara deles, mas continuaram sendo muito respeitosos”, diz. Os dois primeiros chegaram a acrescentar versos nas letras, de modo muito pertinente, enquanto os últimos trouxeram, lírica e musicalmente, a composição de Odair José para seu universo em portunhol.
Odair, aliás, sempre se mostrou extremamente feliz e honrado com o tributo, e disse em mais de uma ocasião que algumas das melhores versões de suas canções estão ali. Quando fala sobre o álbum, ele costuma apontar as versões de Pato Fu, Mombojó e Leela como suas preferidas – para a surpresa de alguns deles.
RODRIGO BRANDÃO: Que demais!!! Não sabíamos disso, soubemos agora pela sua pergunta e ficamos ainda mais gratos e orgulhosos! Realmente ficamos bem satisfeitos com nosso trabalho nessa gravação. Foi muito legal também porque, depois, para promover o lançamento do álbum, a Bianca foi convidada para ir ao Altas Horas se apresentar junto com o Odair. Eles se conheceram pessoalmente, rolou uma vibe muito boa, e fizeram essa apresentação juntos para uma enorme audiência.
JOHN ULHÔA (guitarrista e vocalista, Pato Fu): Acho que esse tributo nos aproximou mais [do Odair], e acabamos tendo a chance de nos encontrar, tocamos juntos em festivais… Eu sempre gostei muito dele, mas vê-lo em ação só aumentou mais minha admiração. É um cara muito verdadeiro, é algo especial quando se conhece alguém assim e as expectativas são superadas. A gente se sente diante de uma figura lendária, mas que ao mesmo tempo, é super amigável.
ELDER FERNANDES: A repercussão do tributo foi muito boa para nós. Deu um destaque pro que a gente estava fazendo, saíram muitas matérias. Deu para agradar dos nossos fãs aos nossos pais e nossos avós, porque todo mundo é fã do Odair José (risos). Mas o mais emocionante pra mim foi quando vi o Odair falando do tributo e ele destacou essa música (“Vida que Não Pára”). Ela ficou numa posição muito boa, é a segunda faixa, os caras gostaram mesmo.
TATÁ AEROPLANO: Foi um barato! A gente botou a música em shows na época, e a repercussão foi muito legal. Eu me aprofundei mais ainda na obra do Odair José, comecei a ir atrás de discos que eu não tinha. Pra mim foi ótimo, pra galera da banda também. Vários amigos tinham participado do tributo também, então foi uma grande celebração em torno da obra do Odair, que é maravilhosa.
A capa foi outro ponto elogiado do disco, e certamente ajudou a chamar atenção para o projeto. Lembre-se que o álbum físico ainda tinha grande força na época, mesmo com a circulação crescente da música em MP3. Era muitíssimo bem-produzida, com elementos vintage e apelo sensual.
SANDRO BELO: Como a capa foi feita no Rio de Janeiro, eu fiz a direção à distância (risos). Eu convidei a Tita Nigri pra fazer o projeto do encarte e a foto da capa, porque ela tinha feito o design do livro do Paulo César de Araújo (“Eu Não Sou Cachorro, Não”). Eu não queria nada tão datado, nem que fosse pra modernidade artificial. Mas a grande influência da capa é o cartaz de “Pulp Fiction” (risos).
RODRIGO BRANDÃO: O Sandro propôs para a Bianca [Jordhão, guitarrista e vocalista do Leela] ser a modelo da capa. Mas como o Leela já estaria presente em uma das faixas, ela propôs ao Sandro que a modelo fosse sua prima, Carlota Portugal. A Bianca acabou colaborando ajudando na produção com a fotógrafa, se não me falha a memória (nota: o encarte não credita a participação de Bianca, atribuindo a produção à Flávia Oliveira. Porém, Sandro Belo se lembra de Bianca ter efetivamente colaborado na produção).
SANDRO BELO: O conceito é um quarto de prostíbulo. A menina é um fã do Odair, provavelmente está aguardando um cliente, ouvindo o Odair enquanto espera. E aí, na contracapa, ela já não está mais lá. Ela foi tirada desse lugar, entende?
Todos os artistas entrevistados para essa reportagem disseram que a repercussão do disco foi a melhor possível para eles, destacando não só a exposição midiática que o álbum obteve, mas também o sucesso de crítica e a atenção que ele trouxe para seus próprios trabalhos.
O disco foi eleito álbum do ano pela APCA, André Fiori comentou o álbum faixa a faixa aqui no Scream & Yell, esteve presente em várias retrospectivas, e é recordado carinhosamente até hoje – razão pela qual Sandro Belo vai lançar uma campanha de crowdfunding para relaxar o disco em CD, com a inclusão de duas faixas que ficaram de fora da edição original, devido a terem sido finalizadas após a entrega das masters para a fábrica.
Essas faixas, porém, estão disponibilizadas pela primeira vez ao público para download exclusivo do selo Scream & Yell. São elas “Mundo Feito de Saudade”, pelos cearenses do Cidadão Instigado (“Fernando Catatau é um filho musical do Odair“, diz Sandro Belo), e “Viagem”, pelos sergipanos da Plástico Lunar. A primeira foi gravada por Odair em seu álbum homônimo de 1970, mas não é de sua autoria, e sim de sua então companheira Diana. Já “Viagem” faz parte do álbum “Odair”, de 1975, e chegou a ser incorporada em apresentações ao vivo como parte da ópera rock “O Filho de José e Maria”. Por coincidência, ambas são releituras bastante psicodélicas, ainda que a primeira preserve uma aura de canção romântica à brasileira (“amor lisérgico?”).
Uma edição em vinil foi lançada em 2023, agora pelo selo goiano American Music. Essa edição tem apenas 10 faixas, enquanto o CD tem 18 (e, se concretizada, a reedição pelo financiamento coletivo terá 20). “Decidir quem ia entrar e quem ia sair foi bem ‘escolha de Sofia’. Por exemplo, eu queria que entrasse ‘Uma Vida Só’, mas foi um relançamento em parceria, e o selo parceiro achava que outras teriam que entrar… O Jamilson [Barros, proprietário da American Music] tinha a visão dele do vinil, de quais deveriam entrar. Debatemos muito, e decidimos deixar essa de fora. Outras não foram incluídas por causa da duração mesmo. Pensei em fazer como vinil duplo, mas ia ficar caro demais, ia ser inviável. Mas tenho alguns planos para viabilizar o lançamento em edição integral, quem sabe em 2025”, conta Sandro Belo.
E – o mais importante de tudo – o álbum foi um passo a trazer um novo olhar para a obra de Odair José, que ganhou novos admiradores ao passo em que foi perdido boa parte do ranço e do preconceito que as pessoas, em especial os críticos e os fãs de rock, pareciam destinar à sua música.
JOHN ULHÔA: Acho que Odair é um dos grandes de sua geração, referência obrigatória. Ele teve em seu auge o reconhecimento popular, que é o mais importante. Talvez a crítica e a “elite cultural” em seu tempo tenham falhado em perceber seu valor, numa espécie de reducionismo que ocorreu a toda uma geração de artistas atrelados a um gênero considerado “inferior”… Vejo agora uma nova geração interessada genuinamente nesses sons, sem ênfase no exótico ou satírico, como aconteceu com a minha. Fico feliz com isso, acho que Odair merece sim mais reconhecimento. É uma alegria vê-lo dividindo palco com artistas muito mais jovens que ele, e a reverência com que se referem a ele. Mas acho que ainda precisamos reaprender a ouvir Odair José.
ARTHUR DE FARIA: Eu dou aula de história da música brasileira desde os anos 1990 – não só no Rio Grande do Sul, mas também na Argentina e no Uruguai. O Odair sempre foi um cara do qual eu falei nas aulas, é um epígono, il miglior fabro do seu universo. Ele está muitos passos à frente de um Reginaldo Rossi, um Fernando Mendes, de qualquer um que você possa analisar. E aqueles primeiros discos dele têm uma sofisticação que só depois de conhecê-lo eu fui entender porquê. Ele mirava no Cat Stevens, a banda que o acompanhava era o Cat Stevens. Quando ele estava no auge, ganhando rios de dinheiro, ele viajava pra Inglaterra pra ver shows, ele foi nos shows de todas as bandas que tocavam ali no começo dos anos 1970. Outra coisa que eu acho brilhante é que ele sempre se indignava do sequestro que caras como Carlinhos Lyra queriam fazer da bossa nova. Ele (Lyra) dizia que a bossa nova era uma música feita pela classe média e para a classe média. E o Odair diz que não, porque o João Gilberto não era classe média, o Tom Jobim também não era no começo. A segunda geração, da qual o Lyra faz parte, essa sim era classe média. E o Odair não era um cara rico lá no Goiás, mas gostava de bossa nova, foi tocado por ela. Ele é um artista muito complexo, que esteve sempre do lado certo da história, falando do cidadão.
RODRIGO BRANDÃO: Odair segue no inconsciente coletivo do brasileiro, porque ele foi muito popular na sua época e, com o passar do tempo, passou a ser bem cultuado, até mais respeitado. Temos a impressão que o reconhecimento à obra dele aumentou, fazendo mais justiça à qualidade do seu trabalho. E achamos que esse álbum pode ter colaborado um pouco nesse reconhecimento mais tardio.
ELDER FERNANDES: Acho que o Odair José hoje representa uma vitória. Tem muito etarismo na música, principalmente pra quem não é extremamente famoso. Deve ser bacana pra ele ser reconhecido como esse contador de histórias urbanas, populares. Isso é muito bonito! Mesmo tu não fazendo um baita sucesso, o mais importante é te manter produtivo e ter um sucesso criativo. Esse tipo de sucesso te deixa numa posição de autoestima bem saudável, e eu espero que ele esteja feliz com isso, e que ele esteja com uma vida financeira digna e continue produzindo. Porque é sempre uma inspiração ver alguém que tem muita coisa feita se renovando e produzindo cada vez mais.
SANDRO BELO: Esse disco me dá muita satisfação, até hoje. Não é um disco hiperconhecido, mas de nicho: para quem ouve música com atenção, lê sobre música, enfim, quem acompanha de verdade. E para o público mais jovem, que gosta de acompanhar revisões e velhas novidades. O disco serviu e muito: a obra do Odair foi redescoberta com respeito. Ninguém mais chama o Odair para “festa brega” ou coisas do tipo. O Odair tem uma agenda bem intensa, e o público dele é bem diverso: tem o pai, tem o avô, mas tem o público mais jovem. O disco cumpriu a missão.
E o que tem o homenageado a dizer sobre isso tudo? Bem…
ODAIR JOSÉ: O tributo abriu essa porta do meu olhar para outros músicos, e ao mesmo tempo, eles é que me levaram a olhar de forma diferente pro meu trabalho, que não era a forma que vejo hoje. Quando eu ouvi, fiquei encantado: “pô, o negócio é bom”. Eu não esperava uma coisa tão boa! Tem uma coisa ou outra que a gente questiona, mas poxa, isso é normal. Pra mim, foi uma homenagem sensacional pela qualidade e pelo resultado final. A cada dia eu me surpreendo pela relação que músicos têm com meu trabalho. Lá atrás tinha os Titãs, hoje tem os rappers… É um respeito e um carinho tão grandes que me deixam muito à vontade, sejam eles da época que forem. Eu posso estar cantando com o Jorge DuPeixe, com as Bahias e A Cozinha Mineira, fiz uma música com o Gog… Me sinto muito à vontade ao ver que eles me respeitam muito mais do que acho que mereço.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Paulo Roberto cantor apresentador de tv no Ceará tudo que foi dito sobre a pessoa o artista Odair José retrata o que ele e
Pra mim um grande músico grande compositor e uma voz diferenciada principalmente quando canta as canções que ele compoes intitulados de bregas.mas que por ter letras do cotidiano das pessoas foram intitulada assim
O brega e um segmento que atinge os corações dos apaixonados sem diferenciar classes sociais ABC ele Odair está a frente sempre com suas canções pois sempre tem uma história pra contar super contemporâneo Odair José o melhor da música popular brasileira .