textos por Marcelo Costa
“A Sala dos Professores”, de İlker Çatak (2023)
Carla Nowak é uma jovem professora polonesa de esportes e matemática que consegue seu primeiro trabalho em uma escola secundária em Berlim que vive um momento conturbado: alguns furtos estão acontecendo dentro do colégio, e um grupo de professores tenta solucionar o caso. Porém, o método abusivo de alguns deles incomoda Carla (com razão), que vê a escalada de tensão no ambiente escolar subir. Ela, então, tem uma ideia: ir para a sala de aula, mas deixar sua carteira com dinheiro contado no bolso da blusa na sala dos professores enquanto a câmera do laptop, ligada, grava o ambiente. O resultado alcança o objetivo, e Carla flagra a pessoa culpada, que, porém, sem saber que havia sido gravada furtando, não assume o ato. O caso é, então, levado à direção, o que inicia uma escalada de tensão conduzida com bastante inteligência pelo diretor İlker Çatak, que juntou histórias pessoais (vividas e ouvidas em família) para escrever um roteiro sagaz, que, de maneira delicada, discute verdade, justiça e distorção esbarrando, obviamente, em fake news e na cultura do cancelamento. Impressiona a veracidade do personagem da professora, que tenta a todo mundo corrigir as coisas, em alguns momentos de maneira impressionantemente inocente (de uma maneira super-realista), mas é quase sempre interpretada de maneira errada, atropelada tanto pelos demais professores quanto pelos alunos. Candidato alemão ao Oscar 2024 de Melhor Filme Estrangeiro (categoria que deve consagrar “Zona de Interesse”, merecidamente), “Das Lehrerzimmer” (no original, “The Teachers’ Lounge” em inglês) é um pequeno grande filme que se utiliza de um ambiente bastante conhecido como microcosmo de situações que acontecem em todos os âmbitos na sociedade. Uma perolazinha.
Nota: 8
“Anatomia de Uma Queda”, de Justine Triet (2023)
Sandra Voyter (Sandra Hüller, também presente em “Zona de Interesse”) é uma romancista alemã que vive com o marido francês Samuel (Samuel Theis) e o filho Daniel (Milo Machado Graner) em um chalé nos Alpes, uma paisagem nevada em um local bastante bucólico cuja paz é assassinada violentamente pelas batidas pesadas de uma versão instrumental de “P.I.M.P.”, hit de 50 Cent, tocada no último volume e que soa quase como um estudo de Samuel, que está no sótão, seu local de trabalho. Sandra, por sua vez, está na sala de casa, concedendo uma entrevista e flertando com Zoé, uma estudante de pós-graduação que está escrevendo uma tese sobre os romances semiautobiográficos de Sandra. O barulho impede que a entrevista continue, Zoé parte e, algum tempo depois, o filho Daniel, cego, que havia saído para passear com o cão guia, se depara com o corpo do pai estendido na frente da casa, manchando de vermelho aquela paisagem absolutamente branca. As cartas estão todas na mesa, mas tudo pode mudar dependendo de como você olha a história: Samuel caiu? Foi empurrado? Suicídio? Assassinato? Suspeita, Sandra é conduzida a um julgamento surrealmente invasivo (tanto pelos temas pessoais revelados sem pudores pela promotoria quanto pelo sarcasmo machista do advogado de acusação), mas Justine Triet, que assina o roteiro junto a Artur Harari, não parece interessada em seguir pelo caminho de Agatha Christie, Sherlock Holmes ou da turma do Scooby-Doo, relevando motivações e desmascarando suspeitos. Triet parece mais interessada em demonstrar o quanto a “verdade” pode ser mutável, de acordo com as informações que cada pessoa tem em mãos. Desta forma, o francês “Anatomie d’une chute” (no original, “Anatomy Of A Fall” em inglês), indicado a cinco Oscars (incluindo Melhor Filme e Direção, para Triet), pode soar (manipulador e) inconclusivo ao final (ainda que, pessoalmente, eu tenha para mim que a resposta esteja no… cão), mas é uma obra absolutamente poderosa.
Nota: 9
“Dias Perfeitos”, Wim Wenders (2023)
Hirayama segue uma rotina semanal praticamente idêntica desde que acorda diariamente com o barulho da vizinha varrendo a calçada: ele se levanta, dobra o futon e o cobertor, escova os dentes, água seu pequeno jardim interno de plantas, pega a roupa de trabalho, abre a porta de casa, contempla o dia sorrindo, retira um café em uma máquina e, já no banco de seu pequeno furgão, dá o primeiro gole. Então escolhe uma fita cassete, coloca para tocar e dirige degustando a canção até chegar em seu trabalho. Extremamente dedicado e cuidadoso, Hirayama cumpre sua função de maneira meticulosa. Nas pausas, come um sanduíche e fotografa o sol entre as árvores. Seu dia segue com outros fatos corriqueiros, mas antes que o espectador imagine se tratar de uma ode à rotina, “Perfect Days” (seu título em inglês) revela pequenas nuances de mudanças tanto na maneira como a câmera focaliza cada iniciar de dia, sempre de um ângulo diferente, quanto com os acasos que surgem, inexoravelmente, na vida de todos nós, alterando de maneira leve o caminho do personagem. Lá pelas tantas (“Perfect Days” é formado por quatro contos quase não identificáveis tamanha a unidade da história), a associação que vem à mente diante da atuação magistral de Kōji Yakusho (que ganhou o prêmio de Melhor Ator em Cannes por seu papel) é de que tanto seu Hirayama quanto o Miles de Paul Giamatti (favorito ao Oscar) em “Os Rejeitados” são, a rigor, a mesma pessoa, mas lidando de maneira diferente com seus traumas pessoais: enquanto Miles distribui amargor e rancor, Hirayama devolve bondade e sorrisos. A beleza (e destreza) com que o roteiro meticuloso de Wim Wenders e Takuma Takasaki constrói Hirayama é típica dos grandes mestres transformando “Dias Perfeitos”, representante do Japão na categoria Melhor Filme Estrangeiro do Oscar, num daqueles filmes que mais do que assistido, ouvido (a trilha sonora é de arrepiar a alma – tente ouvi-la numa sala de cinema!) e admirado precisa ser estudado, porque o que temos aqui é nada mais do que uma delicada obra-prima, mais uma de Wim Wenders. Aplausos!
Nota: 10
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
OSCAR 2024. LEIA TAMBÉM:
– “Ficção Americana” satiriza a sociedade e é um filme divertido e inteligente.
– Bonito e raso, “Vidas Passadas” é uma singela ode ao “se”.
– “Zona de Interesse”, um grande e necessário filme sobre a maldade humana.
– “Barbie” é uma viagem pop divertida sobre vida, morte, consumo e felicidade
– “Os Rejeitados” reúne Alexander Payne e Paul Giamatti 20 anos após “Sideways”
– “A Sala dos Professores”, de İlker Çatak, é um pequeno grande filme
– “Anatomia de Uma Queda” e o debate sobre a mutabilidade da “verdade”
– “Dias Perfeitos” é uma delicada obra-prima, mais uma de Wim Wenders.
– “Assassinos da Lua das Flores” são 3 horas e 26 minutos memoráveis de Scorsese
– “Maestro”, de Bradley Copper, é um completo show na forma, mas vazio de alma
– “Oppenheimer” constrói um documento definitivo sobre a estupidez da guerra
– “Pobres Criaturas” encanta em sua criatividade, inventividade e estranheza
– “Meu Amigo Robô” é uma animação delicada sobre amizade, solidão e amadurecimento
– “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” surpreende, comove, empolga e intriga
– Em “Napoleão”, Ridley Scott foca mais em batalhas e menos em fidelidade histórica
– Pablo Larraín transforma Pinochet em um mostruoso vampiro em “O Conde”
– “Missão Impossível: Acerto de Contas Parte 1” confirma importância da sala de cinema
Não conhecia a página, adorei! Críticas ótimas! Informações que contribuem para a melhor apreciação dos filmes!
Em qual canal de streaming assistir estes filmes? Agradeço a informação.
Lilian, “Anatomia de Uma Queda” chega ao catálogo da Prime Vídeo no dia 21 de março, mas também estará disponúvel em outros players para alugar. “A Sala dos Professores” e “Dias Perfeitos” ainda não tem data de estreia em streaming. Os três estão em cartaz nos cinemas.
Mubi…melhor stream do mundo